Como a edição genética pode salvar a colheita global de mamão devastada por vírus

Como a edição genética pode salvar a colheita global de mamão devastada por vírus

   Os vírus vegetais são adversários formidáveis quando se trata de produzir culturas com alto rendimento, causando danos significativos à agricultura global e representando ameaças substanciais à segurança alimentar. Entre estes vírus, os do mamão surgiram como um grupo particularmente preocupante, responsável por perdas substanciais em produtividade e reduções na qualidade dos frutos em todo o mundo.

   A produção de mamão enfrenta vários vírus, com mais de dez cepas diferentes relatadas em todo o mundo. No entanto, alguns, como o vírus da mancha anelar do mamão (PRSV), o vírus do mosaico de distorção da folha do mamão (PLDMV), o vírus do amarelecimento letal do mamão (PLYV), o vírus do mosaico do mamão (PapMV) e o vírus da meleira do mamão (PMeV), destacam-se pelo seu impacto devastador na produção agrícola. Por exemplo, durante o ciclo econômico da cultura em pomares onde é realizada o roguing, a infecção por PMeV pode afetar 20% das plantas. Se os protocolos fitossanitários não forem implementados, pode afetar até 100% das plantas, causando perda total de rendimento.

Produção e importância do mamão

   O mamão, cientificamente conhecido como Carica papaya, é a terceira cultura tropical mais cultivada no mundo por seus frutos, papaína, pectina e substâncias antibacterianas. Entre as frutas comuns, o mamão ocupa o primeiro lugar nas pontuações nutricionais quanto à porcentagem de vitamina A, vitamina C, potássio, folato, niacina, tiamina, riboflavina, ferro e cálcio e fibra. A produção comercial de papaína é direcionada à digestão de proteínas, principalmente como amaciante de carne vermelha, à fabricação de cerveja e ao tratamento de verrugas e cicatrizes na pele.

   A produção desta árvore frutífera tropical originou-se na região da Mesoamérica e é vital para as economias especialmente dos países da América Latina e do Caribe (ALC), como Brasil e México. Em 2021, o Brasil produziu impressionantes 1,25 milhão de toneladas de mamão, contribuindo com aproximadamente 9% da oferta mundial. O México, por outro lado, é um grande exportador para os EUA, cultivando 19.500 hectares de mamão em 2021. Juntos, esses dois países são responsáveis por 17% da produção mundial de mamão, que não só tem importância económica, mas também sustenta inúmeras pequenos agricultores em ambos os países.

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A meleira

   A doença pegajosa do mamão (PSD) ou “meleira” é uma infecção viral causada pela presença de dois vírus conhecidos como Papaya Meleira Virus (PMeV) e Papaya Meleira Virus 2 (PMev2). A doença foi relatada pela primeira vez no Brasil na década de 1980, seguida pelo México em 2008. A Austrália também relatou PSD em 2014 e em 2021, mamoeiros exibindo sintomas semelhantes aos da PSD foram observados no Equador. Esta doença torna os frutos do mamão comercialmente inaceitáveis devido aos seus efeitos adversos na textura e no sabor, proibindo efetivamente a sua exportação para mercados internacionais.

   As plantas afetadas pela PSD são caracterizadas pela exsudação espontânea de fluido e látex dos frutos e folhas. Ao ser exposto à atmosfera, o látex oxida, resultando em pequenas lesões necróticas nas folhas jovens e no aspecto pegajoso do fruto, daí o nome da doença.

Carica papaya infectada com PMeV site.jpg 288.17 KB

*Foto demonstrando a exsudação de látex em mamão infectado.


O desafio do diagnóstico e gestão
 

   Detectar os sintomas iniciais da doença pegajosa do mamão é um desafio, pois eles geralmente aparecem em plantas com 6 a 9 meses de idade, dependendo da variedade do mamão. A fonte do inóculo, seja de sementes, hospedeiros alternativos ou vetores, desempenha um papel crucial na saúde das mudas de mamoeiro e no início da incidência de doenças. Além disso, o modo de transmissão dos vírus permanece obscuro.

   Apesar dos extensos esforços no Brasil e no México, a identificação de um genótipo de mamão resistente à PSD permanece indefinida. Os sintomas só se manifestam após a floração, permitindo que plantas infectadas, mas assintomáticas, passem despercebidas durante meses, agindo como fontes ocultas de inóculo até à sua eventual descoberta e remoção. Consequentemente, a destruição, ou a remoção sistemática de plantas infectadas, continua a ser a principal estratégia para controlar esta doença viral.

Tecnologia de edição genética

   A tecnologia de edição genética, como o CRISPR-Cas9, é imensamente promissora na mitigação dos desafios colocados pelo PSD no cultivo do mamão. Os cientistas já fizeram avanços significativos ao editar geneticamente C. papaya para conferir resistência ao vírus Papaya Ringspot.

   O Laboratório de Biotecnologia Aplicada ao Agronegócio (LBAA) da Universidade Federal do Espírito Santo (Brasil) é o grupo líder em pesquisas sobre PMeV e PMeV2. Em colaboração com o Incaper (Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural), o LBAA já trabalha no desenvolvimento de um C. papaya resistente ao PMeV utilizando a tecnologia de edição genética de CRISPR-Cas9.

   O cronograma para a liberação de um mamão resistente ao PSD no mercado permanece incerto, mas a tecnologia CRISPR-Cas9 oferece uma abordagem mais rápida e econômica do que os métodos tradicionais. Embora o melhoramento tradicional possa durar décadas, o CRISPR-Cas9 pode alcançar resultados em meses. Além disso, esta técnica de edição genética produz frequentemente culturas não classificadas como OGM em muitos países, contornando regulamentações demoradas.

   Este avanço oferece um farol de esperança para a indústria do mamão no Brasil, no México e em outros lugares. Ao fazer edições genéticas específicas que melhoram as defesas naturais da planta contra o PMeV, os investigadores estão a fornecer uma solução sustentável e amiga do ambiente para combater esta doença devastadora. À medida que nos inserimos na batalha contra os vírus das plantas, a edição genética surge como um poderoso aliado na nossa busca para salvaguardar a segurança alimentar global.

*Esta matéria foi escrita por Luiza Favarato e publicada  pela “Genetic Literacy Project”, podendo ser acessada em seu idioma original através de: https://geneticliteracyproject.org/2024/03/04/how-gene-editing-could-rescue-virus-devastated-global-papaya-crop/

* Dra. Luiza Favarato Santos é microbiologista com doutorado. Doutor em Biotecnologia pela Universidade Federal do Espírito Santo. 

Subject:Biotecnologia

Author:Genetic Literacy Project

Publication date:05/03/2024 14:35:00

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