A América Latina se Organiza para Potencializar o Negócio Sementes na Região

Edição X | 05 - Set . 2006
Silmar Teichert Peske-silmar@seednews.inf.br
Francisco Amaral Villela-francisco.villela@ufpel.edu.br
Leopoldo Baudet-lmbaudet@ufpel.edu.br
    Magnitude do negócio sementes                 
    As estatísticas são fundamentais para um adequado planejamento, entretanto a obtenção dos dados não é fácil, sendo muitas vezes necessário filtrá-los para eliminar grandes  distorções, e isso só pode ser realizado por alguém estreitamente relacionado com o negócio. Neste sentido, o ex-presidente da Felas, Eduardo Villota, conseguiu obter dados confiáveis de importação e exportação de sementes na região. O destaque refere-se às sementes de espécies forrageiras tropicais, representado principalmente por sementes de Brachiaria, em que o Brasil exporta mais de 30 milhões de dólares/ano para os países da região. Entretanto, as sementes de forrageirasde clima temperado possuem um valor similar de exportação, sendo a Argentina e o Uruguai os países que mais exportam. Outro destaque são as sementes de hortaliças, segmento no qual os países da região exportam e importam várias espécies. O Chile é o país que mais exporta, seguido da Bolívia e Argentina, enquanto o Brasil é o país eminentemente importador.               
    Analisando os dados globais envolvendo todos os cultivos de exportação e importação  dos países da região, constata-se que a Argentina é o país que mais exporta, com 79.500t em 2005 e uma importação de 18.700t, seguida do Chile com 58.400t de exportação e 8.300 t de importação. Outros países que merecem destaque são o México e o Paraguai, com importações de 38.400 e 32.300t de sementes, respectivamente. Com relação à origem das importações e exportações, constata-se que 41% das importações são dos países da região, enquanto as exportações atingem 63%, significando que vender para os países da região parece ser mais fácil, devido aos laços culturais e à proximidade geográfica.                 
     De acordo com os dados, pode-se concluir que há um grande potencial de comércio de sementes na região, sendo as informações difundidas através de eventos como o Seminário Panamericano de Sementes, que se constitui em fórum privilegiado para começar e manter uma relação comercial.    
             
    Mecanismos facilitadores do comércio               
   As empresas de sementes utilizam-se de várias ferramentas para alavancar os seus  negócios, algumas legais e outras de gestão. As legais podem ser resumidas pelo registro e  proteção de cultivares, pela lei de biossegurança e as normas de produção e comercialização de sementes. Em termos de gestão, pode-se considerar que as empresas possuem um tripé de sustentabilidade composto pela pesquisa, pela produção e pela comercialização. Caso  uma empresa não possua um dos elementos, é essencial que busque parcerias, como é o  caso dos produtores de sementes que são cotistas de fundações de pesquisa. Há necessidade de manter a competitividade, com acesso a novos produtos e tecnologia; e a pesquisa deve ser contínua para poder realmente contribuir.                  
   Nenhuma empresa sobrevive isolada, parcerias e sistemas organizados são essenciais. Em termos de produção, a gestão  passa pela quantidade, qualidade e custo das sementes, enquanto a pesquisa não pode perder o foco de que a variedade é o carro-chefe da empresa e o comercial, apresentando estreita relação com os outros elementos. Uma empresa não vive da produção, vive da venda, necessitando de rentabilidade e, como a venda de hoje é a venda de amanhã, necessita-se obter confiança e credibilidade junto ao cliente.


   


    “Em agosto último, ocorreu o XX Seminário Panamericano de Sementes da Federação Latino-Americana de Associações de Sementes (FELAS), na cidade de Fortaleza, reunindo mais de 500 participantes do negócio sementes na região, sendo discutidos aspectos de facilidade de negócios, grandeza de comercialização, proteção de cultivares, certificação, controle da pirataria , royalties e taxa tecnológica, entre outros.” 
                   
    Fato que merece registro em termos de gestão é a necessidade das empresas terem  uma visão de longo prazo, com alto nível de controles e um planejamento estratégico para  onde pretendem ir ou chegar. Também não se pode esquecer dos entraves do negócio  sementes, principalmente, os clientes concorrentes e a pirataria de sementes. 
             
    Certificação de Sementes             
    O processo de certificação de sementes na região é inexpressivo, a não ser na Bolívia, em que 70% da semente de soja é certificada. Entretanto, recentemente o Brasil aprovou uma  nova lei de sementes, permitindo que a certificação possa ser realizada pela iniciativa privada. Neste sentido, a Fundação Pró- Sementes habilitou-se para prestar este serviço que merece destaque pelo seu potencial de sucesso, pois em seu segundo ano de atividade, já conta com 177 produtores de sementes inscritos para 10 espécies, contemplando uma área inscrita para produção de 50 000 ha.               
   Resumindo, o processo de certificação adotado pela Fundação Pró-Sementes consta  de cinco princípios: agilidade, eficiência, eficácia, segurança e confiabilidade. O processo é  simples e ágil, utilizando as ferramentas da informática, diminuindo consideravelmente o  fluxo de papel e facilitando o acesso à informação através da Internet. Os fundamentos  do processo de certificação são os pré-controles das fontes (semente de categoria superior), os  pós-controles do produto final, a capacitação dos recursos humanos, a auditoria preventiva  e corretiva e a informatização do processo. Os registros dos processos de produção, beneficiamento e análise em tempo real, asseguram confiabilidade, o que profissionaliza  o produtor de sementes. Este processo de certificação pode ser considerado realmente  eficiente, como consta em um de seus princípios, pois presta um grande serviço a baixo custo, que equivale a cerca de um real por saco de sementes.  
             
    Parceria pública-privada                 
   A concorrência é salutar e vários mecanismos podem ser utilizados para maximizar a oferta de mais e melhores materiais. Neste sentido, a parceria de empresas de pesquisas públicas com empresas privadas de produtores de sementes apresenta uma séria de vantagens, como:
 a) ampliação da oferta de variedades regionalizadas e de elevada qualidade;
 b) segurança de competitividade à pequena e a média empresa, frente a concorrência de  grandes empresas;
 c) ampliação dos canais de distribuição e pontos de venda destas sementes, permitindo o acesso de maior número de agricultores às novas cultivares;
 d)  o aporte e fluxo contínuo de recursos, de uso mais flexível e sem amarras burocráticas e  descontinuidade, características do financiamento público de pesquisas ; e
 e) abrangência de uma rede de teste, que garante uma avaliação muito mais precisa de aspectos da interação genótipo x ambiente, permitindo a liberação regionalizada de cultivares.
     No Brasil, há um exemplo de sucesso dessa parceria envolvendo a Embrapa com produtores de sementes.  

   

   


    Os entraves para o negócio Sementes               
   
Parece haver consenso quanto aos entraves para facilitar o comércio e aumentar a utilização de sementes de alta qualidade das variedades melhoradas, que podem ser citadas como:               
1. o uso indiscriminado das sementes próprias, em que mesmo um agricultor com mais de 1000 ha, pode guardar a semente para uso próprio - neste sentido, salienta-se que apenas os países da Comunidade Europeia e a Bolívia possuem restrições de uso próprio, limitando a área;               
2. a pirataria, em que ocorre a comercialização de sementes sem licença de uma cultivar  protegida - estima-se que um percentual elevado de semente comercializada na região seja pirata;              
3. a política de biossegurança, muito demorada em alguns países, como no Brasil,  que possui apenas dois materiais GM para cultivo comercial;              
4. a crise na agricultura causada pela política cambial em alguns países, estresse  hídrico, alto custo de produção, escolha equivocada sobre vários fatores de produção  e comércio;              
5. ilegalidade sistêmica;              
6. falta de visão de futuro, sem considerar que todos os elos da cadeia de produção  são essenciais para competitividade; e               
7. fiscalização insuficiente, mesmo que em alguns cultivos, como algodão, no Brasil na  safra de 2005/06, houve fiscalização equivalente a 18,97% da área total cultivada.   
               
    No primeiro semestre de 2006 o MAPA realizou 171 ações de fiscalização, sendo 41 em áreas de pesquisa agropecuária a campo, envolvendo as culturas de milho, algodão e cana-de-açúcar, e 130 em áreas de cultivo comercial de algodão e milho.    
             
    Royalties e Taxa Tecnológica             
    É indiscutível a necessidade de investimento no desenvolvimento de variedades, como  também a necessidade de ter-se um retorno adequado do investimento, e para isso, a sociedade criou um sistema de proteção para aquele que cria e desenvolve algo. Há ambientes que podem ser considerados de fraca proteção, como os propiciados pela convenção da UPOV de 1978, e os de forte proteção, como o da UPOV de 1991. Na convenção da UPOV de 1978, à qual os países da região aderiram, a autorização do melhorista é requerida para a produção de  sementes com fins comerciais; a oferta para venda e o marketing. Já na convenção da UPOV de 1991, a autorização do melhorista é necessária para: produção ou multiplicação da semente; beneficiamento com propósito de multiplicação para venda; venda, exportação, importação e armazenamento.            A cobrança de royalties por uma cultivar protegida gira em torno de 5% do valor da  semente, entretanto, na maioria dos países, apenas parte das sementes vendidas recolhem este royalty, variando de país para país. Alguns conseguem recolher praticamente 100%, enquanto em outros, este valor está abaixo de 10%. Essa variação possui diversas razões, entretanto vamos salientar quatro casos de sucesso:              
1. Sementes de trigo na França - Neste país se conseguiu um grande acordo entre os elos da cadeia produtiva do trigo, envolvendo os melhoristas, os produtores de semente, os atacadistas e os moinhos. Há um organismo responsável pela alocação dos recursos de acordo com a proporção da semente certificada vendida para cada um dos programas de melhoramento de trigo. Nos últimos quatro anos, uma média de €14,5 milhões foram  coletados, em que €7,7 milhões foram devolvidos para os usuários de semente certificada e € 6,8 milhões pagos aos melhoristas;

   


2. O sistema de recolhimento de royalties na soja RR do Paraguai - O país cultiva mais de dois milhões de hectares, dos quais 70% são GM. O sistema envolve a detentora do evento  RR, os programas de melhoramento, os produtores de sementes, os agricultores e uma empresa que faz auditoria. Os recursos são distribuídos para a detentora do evento (65%),  para os melhoristas, a associação dos produtores de sementes, a empresa de auditoria e um fundo de pesquisa. Uma empresa que participa do negócio de sementes de soja no Paraguai  recebeu os dividendos referentes a 2005, um valor superior a US$ 200.000,00;          3. Valor Tecnológico no Uruguai - País que cultiva mais de 300.000 ha de soja e para a coleta dos royalties a Urupov (associação dos obtentores) montou um programa denominado de Valor Tecnológico, que consiste num acordo entre as empresas e o agricultor com base na disponibilidade de tecnologia. A fortaleza do sistema está na visita aos agricultores, que alcança 90% do total. Em 2005, os royalties coletados alcançaram mais de US$ 600.000,00 para  serem distribuídos aos obtentores. Este sistema está propiciando um constante aporte de novas cultivares e um crescimento da taxa de utilização de sementes;               
4. Sistema OriLeg no Brasil - O país cultiva ao redor de um milhão de hectares de algodão, com uma taxa de utilização de sementes de 20%, o que ocasiona dois grandes problemas: o primeiro gerado pela parada da introdução de novas e melhores cultivares e o segundo relacionado à qualidade da fibra. Com esta visão, foi organizado o programa OriLeg, que significa semente legal. Este programa envolve agricultores, associações, traders,  exportadores, corretores, indústria de fiação, indústria têxtil, bancos e agências de fomento. Está em seu primeiro ano de funcionamento e já conseguiu reverter o forte declínio da taxa de utilização de sementes. A fortaleza do programa está no envolvimento de todos os  componentes da cadeia do algodão.

   


    Desafios para o comércio regional de sementes                 
   
 Pode-se considerar que o comércio de sementes entre os países da América Latina pode melhorar e, neste sentido, há um consenso quanto aos seguintes desafios:               
1. Lograr a reciprocidade no comércio regional;               
2. Aumentar a produção para exportação de sementes daquelas espécies que tenham  qualidade e competitividade;              
3. Aumentar a taxa de uso de sementes certificadas; e              
4. Eliminar o contrabando de sementes.    
            
    Para vencer estes desafios, algumas estratégias podem ser implementadas, como:               
1. Aprimoramento da fiscalização da produção e do comércio de sementes:               
2. Implantação da certificação por terceiros, de forma a controlar a produção;               
3. Harmonização regional do processo de certificação de sementes;               
4. Harmonização regional de sistemas de avaliação e registro e proteção de cultivares;               
5. Interiorização, aplicação e reconhecimento das normas harmonizadas pelos países  afetados (Mercosul, etc...); e               
6. Implementação de um registro único de proteção de cultivares, a fim de também fazer frente ao problema de pirataria de sementes.
                   
    Estas estratégias não são difíceis de implementar, inclusive os países que compõem o Mercosul já constituíram uma Comissão de Sementes que pode começar a discutir o assunto.

   



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