O desafio das 200 milhões de toneladas de Grãos no Brasil

Edição XVI | 01 - Jan . 2012
Ivo Marcos Carraro-carraro692@gmail.com

    Na edição de setembro de 2002 da SEED News, tivemos a oportunidade de fazer uma reflexão sobre o desafio de chegarmos, no Brasil, à marca das 100 milhões de toneladas de grãos, cifra que foi superada no mesmo ano.

    Através dos registros, o país estava em 1980 no patamar de 50 milhões de toneladas de grãos e, vinte e dois anos depois, no patamar de 100 milhões. 

    Ao analisar mais detidamente esta evolução da produção nos últimos dez anos, vemos que chegamos ao patamar das 160 milhões de toneladas/ano e que a projeção deste crescimento é tipicamente exponencial, indicando que, seguindo esta tendência, devemos chegar aos 200 milhões em 2019/20 (figura no texto).

    Apesar de as projeções matemáticas serem claras, estamos tratando de atividade biológica, com muitas interferências que podem mudar a tendência. Para se pensar no desafio das 200 milhões de toneladas, devemos antes analisar quais foram os principais fatores que determinaram que, em apenas 10 anos, o aumento de produção fosse de 60 milhões de toneladas.

    Observamos que, na última década, a área cultivada cresceu 27%, enquanto a produção aumentou em 68%. Há, no entanto, uma particularidade nestes números, que sinaliza uma maior eficiência no uso das terras agrícolas atualmente exploradas. Há uma década, o uso em duas safras/ano, na mesma área, era de 12,7% e, nas últimas duas safras, foi de 16,8%, tendo na realidade havido na década um aumento de área de 21% e não de 27%. Esta ampliação do uso do solo com dois cultivos/ano deveu-se, principalmente, ao aumento de 108% da área de milho safrinha.  

    A antecipação de plantio da soja nas regiões que permitem o plantio do milho safrinha, foi um fator que contribuiu para o aumento de produção/área e a agregação de tecnologia nesta época de cultivo. O lançamento de híbridos selecionados para este ambiente pode ser apontado como o principal fator de crescimento da produtividade, que foi de 88% no período de 10 anos. A antecipação de plantio da soja contribuiu muito com o aumento da produtividade, pela redução de plantios de maior risco após o mês de março. Nesta década, a segunda safra de milho passou a ter status de safra principal em várias regiões do país.

    Neste mesmo período, a soja também apresentou um crescimento importante da área plantada, que foi de 64%, estando estável já há três anos, ao redor de 24 milhões de hectares. A produtividade cresceu neste período 16%, o que equivaleu a um ganho anual de 1,6% (tabela no texto), principalmente pela intensa substituição de cultivares na maioria das regiões. Mesmo a ocorrência de doenças como a ferrugem asiática, não chegou a atrapalhar este crescimento. Rapidamente foram desenvolvidas técnicas de manejo, foi implantado nos estados produtores o vazio sanitário e já começam a aparecer variedades tolerantes. Além de fungicidas mais eficientes, os agricultores passaram a utilizar variedades de ciclo mais curto e com menor densidade foliar.


    O algodão, após um período majestoso de crescimento de produtividade na década anterior, voltou aos patamares normais de aumento da produtividade, ainda assim excelentes, com 41%, e teve sua área acrescida em 47%, concentrando-se nos estados de Mato Grosso e Bahia.

    Para estes três produtos houve um fator que foi fundamental para a evolução apresentada. Além dos avanços normais das práticas culturais relacionadas com a fertilidade dos solos, evolução das máquinas de plantio e colheita, além de outros, a criação de novas e melhores cultivares, com a oficialização da biotecnologia na agricultura, tiveram uma grande contribuição para o aumento da produtividade. Pode-se considerar que mais de 80% do aumento da produtividade deveu-se à adoção de sementes de alta qualidade das variedades melhoradas, pois a parte agronômica teve sua maior importância na década de 1980.

    Embora já houvesse um uso ilegal desde o ano de 1998 no Brasil, a soja RR foi adotada oficialmente em 2005, assim como o algodão Bt, sendo seguidos pelo milho, em 2007, com diversas versões de eventos de tolerância a insetos. Estas tecnologias cresceram rapidamente em sua adoção pelo agricultor, sendo um dos principais fatores de crescimento da produção via produtividade, além de terem proporcionado outros benefícios indiretos, como redução de uso de produtos químicos, e tornado os sistemas de produção mais eficientes para o agricultor. A entrada destas tecnologias levou o agricultor e a assistência técnica a um aumento nos seus conhecimentos, adotando melhores práticas, que exigem um conhecimento técnico mais apurado.


    À medida que novos eventos transgênicos vão sendo incorporados ao sistema de produção, a produtividade dos cultivos tenderá a aumentar. Entretanto, a complexidade das interações entre eles irá crescer, o que exige maior preparo técnico para a sua adoção.

    Em termos de negócio, durante um período, os mercados se dividiram sobre materiais convencionais e geneticamente modificados (GM), havendo, inclusive, ainda, certa preferência de alguns importadores por produto não GM. Porém, na medida em que os custos de segregação aumentam, estes mercados tenderão a diminuir, o que refletirá na produção de grãos do país.

    Neste cenário, as empresas de sementes também tiveram que se modernizar e experimentar novas formas de negociação e atuação. No mercado, os produtos tipicamente de comercialização aberta estão passando para a verticalização comercial, ou seja, estão criando e desenvolvendo as cultivares, assim como produzindo e comercializando as sementes de seus próprios programas de fitomelhoramento. Esta tendência continuará aumentando nos próximos anos e as empresas produtoras de sementes terão que escolher bem seus parceiros. No caso da soja no Brasil, a verticalização já alcança mais de 25% do negócio de sementes.

    Os níveis de ilegalidade em sementes diminuíram, embora estejam ainda altos e migrando para regiões com propriedades de maior tamanho, que usam alta tecnologia para a contravenção. Este fenômeno está muito característico na cultura de algodão e também na soja, o que poderá desestimular novos investimentos em pesquisa. O que se espera nesta situação é o bom senso de todos, para se encontrar um caminho viável.

    Os produtos agrícolas cultivados no Brasil (figura no texto) com a maior área plantada são a soja e o milho, respectivamente com 48% e 29% do total. Em seguida, estão o feijão, o arroz e o trigo, com percentuais variando de 4 a 8%. Com a participação predominante da soja e do milho, que são produtos com alta agregação de tecnologia nos últimos anos, certamente estes têm maior influência no crescimento da produção total. 

    A soja no Brasil apresenta produtividade média superior a muitos países de tradição com essa cultura, e o seu crescimento anual tem sido constante. Há estudos indicando que os novos processos biotecnológicos aplicados ao melhoramento genético da soja e novos eventos transgênicos entrantes no mercado, como a soja Intacta, desenvolvida pela Monsanto e, mais adiante, a Cultivance, desenvolvida pela parceria entre a Basf e a Embrapa, podem extrapolar nos próximos anos, de forma significativa, os patamares de produtividade. 


    A produtividade média do milho, no entanto, está ainda muito abaixo das médias dos países líderes. Porém, na última década, a taxa de crescimento da produtividade média do milho no Brasil foi de 4,6% ao ano, simplesmente espetacular, considerando-se a grande distribuição geográfica desta cultura e a diversidade de tecnologias que ainda são aplicadas. Em apenas três anos, foram aprovados para uso comercial mais de 21 eventos transgênicos em milho, e a tecnologia de cultivo se aprimora a cada ano, de forma muito rápida, mesmo entre agricultores pequenos e familiares, levantando rapidamente os rendimentos médios. A novidade agora são os eventos piramidados, o que proporciona múltiplas características agregadas em uma só semente.

    Todos os demais produtos, embora alguns tenham reduzido a área cultivada nos últimos dez anos, tiveram crescimento em produtividade, destacando-se o trigo, com um aumento de produtividade de 6,4% ao ano - o que é alentador para o Brasil, que importa praticamente a metade de suas necessidades deste grão. O arroz, cereal que cada brasileiro consome ao redor de 45 kg/ano, teve um aumento de produtividade de 2,0% ao ano na última década, devido, principalmente, à introdução de novas cultivares, incluindo híbridos.


    Merece reconhecimento a capacidade criativa da comunidade científica brasileira pela criação do feijão GM pela Embrapa, em conjunto com algumas universidades nacionais, que em muito contribuirá para o aumento da produtividade do feijoeiro, que na última década foi de 3,3% ao ano. O impacto neste cultivo será enorme, pois o feijão GM é resistente a uma das principais doenças, o que remete a um efeito, além de econômico, também social, pois é predominantemente cultivado por pequenos agricultores e tendo um consumo de mais de 16kg/ano.

    Estas são apenas algumas das evidências de que a agricultura brasileira está preparada para um grande salto quantitativo e qualitativo nos próximos anos. Resta saber se os demais setores que interagem com a produção andam na mesma velocidade. Este questionamento tem o endereço nas políticas públicas de sementes e tecnologia, que muito têm ajudado, esperando-se que continuem com a mesma filosofia, considerando que o agronegócio brasileiro representa praticamente 25% de nosso produto interno bruto e tem sido sistematicamente, nos últimos anos, a âncora da balança comercial do Brasil.


    "A meta de se produzir mais com menos recursos, para atender a crescente demanda da sociedade por alimento, parece não ser difícil de ser alcançada pelo Brasil, em função de sua história de adoção das inovações tecnológicas e a disponibilidade de áreas para cultivo que ainda podem ser agregadas, principalmente as degradadas. A aprovação do Código Florestal trará confiança ao agricultor para investir em sua atividade e, assim, produzir mais. Como um grande ator na produção de alimentos, o Brasil terá o reconhecimento da comunidade internacional, principalmente daqueles que possuem dificuldades de produzir seus próprios alimentos. A sustentabilidade da agricultura passa pela adoção das inovações tecnológicas, e isso o Brasil reconhece com suas políticas públicas em sementes." 

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