A fila anda e o Pacífico se alia

Edição XVII | 04 - Jul . 2013

    Ninguém, que acompanha as discussões em torno dos acordos comerciais, tem dúvidas que o Mercado Comum do Sul – MERCOSUL está fazendo água, ou, na melhor das hipóteses, pelo menos não tem cumprido com seu papel original, estabelecido no longínquo março de 1991, com o tratado de Assunção.

    Primeiro, é fundamental que se reforce a relevância que qualquer acordo de cooperação ou aliança estratégica entre países possui para o agronegócio, dado que é um setor que possui forte influência desde sempre pelos acordos comerciais em si, bem como pelos consequentes desdobramentos que promove. É especialmente relevante para o Brasil, em função da conjuntura e da matriz econômica de que somos dependentes. Para isso, basta olharmos os comportamentos do PIB ao longo da história recente do país.

    Dentre inúmeros aspectos questionáveis da evolução do Mercosul, é perceptível que o grupo deixou de operar em favor do foco principal de origem, que era a de se configurar como uma aliança comercial, de integração plena, e passou, na prática, a ser uma aliança eminentemente política. 

    A própria página brasileira, administrada pelo Departamento do Mercosul (DMSUL) do Ministério das Relações Exteriores deixa evidente a falta de propostas e de interesse efetivo nas questões cruciais que poderiam concretamente alavancar uma aliança dessa natureza, tais como a necessária e óbvia abertura comercial do bloco e de seus países membros, bem como a ampliação dos marcos regulatórios em torno das questões tecnológicas, de patentes e principalmente jurídico-comerciais. Dando salvaguarda aos movimentos empresariais que sempre necessitam de estabilidade e baixo risco para prosperarem.

    No tópico ‘principais agendas do Mercosul’ o site oferece, entre os “desafios” que o bloco enfrentará a partir de 2013, a mediocridade oficial, escancarando a falta de propósitos mais ousados de um bloco que pretensamente, em discurso pelo menos, busca se firmar: destaca-se “a continuidade das iniciativas lançadas durante a PPTB (Presidência Pro Tempore Brasileira), bem como a reincorporação do Paraguai, uma vez superada a ruptura institucional que determinou sua suspensão”. Só isso e nada mais.

    Parece que o faz de conta fica cada dia mais proeminente. É compreensível também que as divergências das agendas dos países do bloco (nunca resolvidas) e a colocação da política diante de suas decisões econômicas têm sido dois entraves consistentes, o que justifica em boa medida essa sonolência competitiva do bloco.


    A Concorrência surge

    Não é apenas uma questão de imagem que o Mercosul está fragilizado. Na prática, não se fez o que deveria ser feito, como de resto estamos (os países membros como um todo e individualmente, tomados de letargia política) demorando a tomar decisões aprofundadas em direção ao que se propunha: o livre comércio. Nesse sentido, a lentidão é o modelo que se escolheu e, ao contrário do que se necessita nestas circunstâncias, que é intensificar a competitividade empresarial e ampliar os acordos abrindo as fronteiras, optou-se pelo fechamento e pela estatização. 

    Logo, não era de se surpreender que ao mesmo tempo outros arranjos fossem naturalmente sendo construídos (como foram) e eventualmente algum deles pudesse fazer sombra aos soi-disant consolidados, dando mais celeridade e consistência aos propósitos, ofuscando em certa medida o que se imaginava construído.

    Mesmo que o governo brasileiro faça cara de paisagem e finja que o processo possa ser normal, a aliança estabelecida pelo Chile, Colômbia, México e Peru, ainda em junho do ano passado (há apenas um ano), denominada Aliança do Pacífico, é um sinal evidente de que o andar da carruagem não agrada. A propósito, o grupo agregou a Costa Rica há poucos dias, como o quinto membro.


    Tamanho é relevante, mas Estratégia é fundamental

    Os primeiros sinais emitidos pelo Brasil, e inclusive o de alguns analistas (de intenção duvidosa), é de que, a priori, a Aliança do Pacífico não seria grande o suficiente para ofuscar o Mercosul. Contudo, além da questão psicológica e de oportunidade de mercado, que por si só já tem peso suficiente para que se leve o novo bloco a sério, não faltam argumentos utilizando os portentosos dígitos que o grupo reúne.

    A título de visão genérica, a Aliança do Pacífico possui, como dito anteriormente, 5 países membros e mais 15 países observadores (o que já dá mostras robustas de que uma estratégia agressiva de inserção e comunicação participativa com o mercado está em curso). A população e a economia são um pouco maiores que a brasileira (209 milhões contra 198 milhões e US$ 2,8 trilhões contra cerca de US$ 2,4 trilhões, respectivamente). Na média, o quarteto cresceu quase 5% em 2012, enquanto o Brasil teve 0,9% nesse período.

    Resumidamente, o bloco do Pacífico representa aproximadamente 36% do Produto Interno Bruto da América Latina, e, se considerado como um país, seria o equivalente a oitava maior economia do mundo. As exportações totais, por sua vez, são 60% maiores do que o Mercosul. Mais um sinal de franca abertura comercial nata.

    Obviamente que o tamanho do bloco não será, apenas por isso e do modo como está por agora, suficiente para fazer frente ou mesmo influenciar decisivas mudanças nos cenários macroeconômicos da América do Sul. Mas, se está chamando atenção, é porque tem importância acima daquilo que os que torcem o nariz estão querendo dar.

    O que de fato chama a atenção não são os números absolutos, mas sim a capacidade demonstrada de angariar simpatias e fazer ajustes rápidos no emaranhado legal que situações dessa natureza normalmente apresentam. Intenções e decisões têm sido alinhadas em discursos e práticas. Sinais dos tempos.

    A última delas e mais impactante foi a decisão, em sua sétima cúpula presidencial, realizada na cidade colombiana de Cali, no final de maio, de liberalizar o seu comércio interno (90% dele terá tarifa zero e os 10% restantes deverão ser suprimidos em sete anos).


    É bom ou ruim?

    Há críticas naturais de quem se sente traído ou de quem enxerga o satanás do neoliberalismo à solta. Muitos discursos vazios, rasos e de forte influência ideológica até o momento. Pouco se viu ainda sobre críticas consistentes e que levem em consideração os aspectos de desenvolvimento socioeconômico de modo independente.

    O Brasil, em particular, sempre demonstrou dificuldades quando se trata de decisões rápidas e necessárias, bem como colabora no sentido de salvaguardar as suas barreiras comerciais, o que tem sido um mote para o próprio bloco que lidera. Como última evidência, o país aparece como o mais protecionista entre os integrantes do G20, que reúne as maiores economias do mundo, de acordo com o Índice de Abertura de Mercados, calculado pela Câmara de Comércio Internacional (CCI). Exatamente na contramão do que parece ser um ponto forte das economias dos países membros do novo bloco, que estão entre as mais liberalizadas do mundo e também tem apresentado crescimento econômico bem acima da média latino americana, onde o Brasil é um dos que apresenta maior dificuldade de sustentação.

    De qualquer sorte, se a Aliança do Pacífico trará contribuições para o Brasil, ainda não sabemos. Diretamente, provavelmente que não, mas poderá fazer com que o bloco deixe de lado parte dos arroubos ideológicos ininteligíveis para avançar naquilo que efetivamente se espera de uma aliança comercial. Até porque assim como nesse caso, normalmente, a concorrência – seja filosófica ou prática – do surgimento de um novo bloco é benéfica para a sociedade com um todo. 

    Por fim, talvez fosse mais oportuno que arregaçássemos as mangas e, com o aprendizado recente dos outros e o de décadas do nosso padrão duvidoso, adotássemos um novo modelo para o Mercosul, ao invés de encontrar o inimigo na organização alheia quando demonstramos insuficiente competência para fazer a nossa parte.  

    Até a próxima.

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