Mudanças na Paisagem da Agricultura

Edição XI | 06 - Nov . 2007
James Delouche-JCDelouche@aol.com
    “Bastante milho e alguma coisa de sorgo estavam sendo cultivados nas áreas onde o algodão e/ou a soja eram as culturas tradicionais”
                        
    Em meados de agosto desse ano fizemos uma viagem rumo ao noroeste americano,  dirigindo por dois dias e meio desde nossa casa em Mississipi. Nosso destino foi a pequena cidade de Watertown, na região nordeste do estado de Dakota do Sul, a uma distância de aproximadamente 2400 km, sendo que o objetivo da viagem era a participação numa reunião familiar, além de visitar amigos. O roteiro da viagem nos levou através de uma variedade importante de paisagens agrícolas, que começou na região nordeste do Mississipi, onde as florestas comerciais, pastagens e sistemas de produção pecuária dominam a paisagem.    
    Durante nossa viagem também atravessamos as férteis planícies aluviais do Rio Mississipi (região também conhecida como o Delta do Mississipi) ao longo de três estados, Mississipi, Arkansas e Missouri, nos quais o algodão, soja e arroz são as culturas tradicionais.  Logo atravessamos a região do estado de Missouri, dedicada à agricultura forrageira e produção de gado de corte, e finalmente nos deslocamos através das paisagens com milho, soja e trigo, dos estados de Iowa e Dakota do Sul, no coração da região agrícola dos Estados Unidos de América.    
   Como dirigi várias vezes nessas regiões, achei que conhecia e entendia muito bem as diferentes paisagens associadas aos diferentes tipos de empresas agropecuárias. Minha esposa Shirley dirigiu a maior parte do tempo, costume que é frequente, pois acha que eu dedico mais tempo ao devaneio do que para dirigir. Realmente dedico o tempo da viagem a ouvir rádio, ler revistas e refletir um pouco, ficando pouco tempo para a observação da paisagem da região no percurso do itinerário.                       
    Porém, quando entramos na região de planícies aluviais do rio Mississipi algumas  mudanças expressivas na paisagem agrícola chamaram minha atenção, me dando motivo  de refletir durante o resto da viagem.               
     





   


    Piscicultura                       
   A primeira mudança observada não caracteriza necessariamente uma novidade, mas o foi para mim devido a falta de atenção em outras oportunidades. A paisagem encheu-se com a presença de milhares de hectares de tanques destinados à piscicultura. Na minha reflexão lembrei como os primeiros piscicultores enfrentaram os riscos de uma atividade dedicada à criação de uma espécie considerada de segunda categoria pela maioria da população. Lembrei do sucesso no empenho desses piscicultores em convencer a população das características da carne de bagre quanto ao seu sabor, e das antigas e atuais disputas comercias com países como o Brasil e Vietnã, pela importação desse tipo de peixe desde as bacias dos rios Amazonas  e Mekong, respectivamente.                      
    Os solos dessa região são relativamente pesados e muito aptos para a cultura da soja, sendo que em alguns casos essa oleaginosa compõe uma rotação com a piscicultura. É interessante lembrar que, muitos anos para trás, a Agência de Certificação de Sementes do Mississipi se envolveu na certificação de “semente” de peixe, ou seja, dos avelinos de bagre vendidos para os produtores. Eles pertenciam a uma variedade melhorada de bagre que requeria uma análise do perfil protéico dos bigodes dos avelinos para o processo de certificação.
                    
    Milho, outros Grãos e o Etanol                 
    A segunda mudança observada é muito mais recente e chamativa. Bastante milho  e alguma coisa de sorgo estavam sendo cultivados nas áreas onde o algodão e/ou a soja eram as culturas tradicionais. A verdade é que eu não pude relembrar de outras plantações significativas de milho ou sorgo nessas áreas desde os tempos em que os tratores substituíram a tração animal, no final da década de 1940, época na qual o milho era cultivado na maioria das propriedades rurais para alimentação dos animais de trabalho. A maioria do milho já estava na fase final de maturação, enquanto que uma parte já estava sendo colhida. Por alguns instantes não entendi o motivo pelo qual o milho estava  substituindo aquelas culturas tradicionais como o algodão e a soja, até lembrar do etanol, dos investimentos em plantas produtoras do biocombustível, o aumento no preço dos produtos derivados do milho, os debates políticos sobre as alternativas aos combustíveis fósseis, que eram os assuntos mais importantes nas notícias, tendo atraído a atenção de muitos produtores bem como de políticos. Enquanto considerava as motivações políticas e econômicas para a abundância do milho, comecei a me preocupar de como todo aquele milho e sorgo poderiam ser colhidos e armazenados. Desejei que aqueles produtores de algodão que tinham mudado para a cultura do milho e/ou sorgo tivessem adotado as devidas providências a respeito do maquinário de colheita e a infra-estrutura de armazenagem, uma vez que as utilizadas para o algodão  não são apropriadas para grãos.
   Aconteceu que os rendimentos de grão de milho foram  muito bons, maiores do que estimados, e que a capacidade de armazenagem foi suficiente para só uma parcela do total colhido. O problema de armazenagem está sendo resolvido, dentro do possível, através do acondicionamento em silos de armazenagem e galpões de armazenamento, e num avanço da tecnologia nessa área, através de uma sacola plástica comprida, especialmente desenhada para o armazenamento de grãos, oriunda da Argentina.                     
    A partir daí comecei a refletir intensamente a respeito da prioridade que atualmente está sendo colocada no etanol e outros biocombustíveis, a indicação de áreas significativas das nossas lavouras para o milho e outras culturas de grão semelhantes, e o destino de parcelas cada vez maiores de nossa produção de grãos para produção de etanol, e seus efeitos sobre  os outros usos e usuários dos grãos.
     De acordo com um artigo recente numa revista de agricultura, a expansão da indústria do etanol baseada em grãos tem uma boa perspectiva, mas me pergunto se tudo será ganho, e é inevitável a existência de perdedores.                     
    Os proprietários de terras, os produtores de grãos, as usinas destiladoras, empresas  fornecedoras de produtos para a agropecuária e os investidores serão os primeiros a se  beneficiarem com esse negócio. Porém, esses ganhadores serão balanceados por um número igual ou ainda maior de perdedores: produtores de arroz e algodão, cuja produção  não pode ser utilizada para a fabricação do etanol; produtores avícolas e de gado de  corte, os quais dependem da produção de grãos para a alimentação dos animais; todos  nós, consumidores de alimentos básicos derivados dessa classe de grãos, como o  pão, carne, laticínios e óleos para cozinhar, que quase com certeza teremos que enfrentar  alta nos preços e ainda escassez desses produtos.
                  
    “a expansão da indústria do etanol baseada em grãos tem uma boa perspectiva, mas me pergunto se tudo será ganho, e é inevitável a existência de perdedores”
                            
   Ainda bem que há ideias, invenções e investimentos direcionados à melhora da  eficiência na produção e rendimento de grãos nas culturas dedicadas à produção de etanol.  O volume de resíduos remanescentes após a colheita, equivalente a 8 - 10 toneladas   por hectare, poderia incrementar a produção de etanol de forma significativa se alternativas econômicas de manejo dos carboidratos celulósicos fossem desenvolvidas.         Aliás, os efeitos dessa “mineração” das culturas e dos resíduos delas sobre a  fertilidade e a produtividade dos solos são praticamente desconsiderados. A perspectiva dessas observações e comentários sobre os biocombustíveis está relacionada, logicamente, às condições e atuais circunstâncias da economia dos Estados Unidos, mas reconheço que o Brasil  foi e continuará sendo um pais líder na tecnologia de biocombustíveis, utilizando quantidades expressivas de sua produção de cana-de-açúcar para a produção de etanol.                     
   A produção de cana é claramente mais eficiente para a produção de etanol do que  a de grãos. Principalmente pelo seu maior conteúdo de açúcar e a maior tonelagem por hectare. O rendimento energético é 8 vezes aquele requerido para sua produção, comparado com só 1,3 daquele obtido do milho. É muito provável que outros países vão seguir os passos desses líderes, mas muitos deles apenas poderão destinar uma proporção menor de sua produção de grãos destinada à produção de alimentos para a produção de biocombustíveis.
                  
    Engenharia Genética                    
    A mudança mais expressiva na paisagem agrícola foi em termos do visual das  lavouras de algodão, milho e soja. A maioria das lavouras foi semeada com cultivares  transgênicas tolerantes a herbicidas e resistentes aos insetos. Os estandes das diferentes culturas apareciam muito uniformes e notoriamente livres de invasoras, as quais eram de ocorrência normal nas lavouras de cultivares convencionais. O contraste nesse aspecto, entre a maioria das lavouras com inclusão de cultivares transgênicas e as poucas que ainda ficam com variedades convencionais, foi dramático. Enquanto as lavouras transgênicas se  apresentavam bem arrumadas e ainda belas, aquelas com variedades convencionais apareciam desajeitadas e evidenciaram a necessidade de capinas e outros tratamentos.                        
    Um outro aspecto que chamou minha atenção foi o fato da pouca atividade em  andamento nas lavouras em agosto, em contraste com a época na qual as cultivares  transgênicas ainda não estavam disponíveis para o agricultor. Apenas percebi um avião  fazendo pulverização em uma lavoura de algodão, quando no passado o mês de  agosto era de muita atividade aérea nas diferentes lavouras. Resultou que a atividade  mais importante nessa época é a irrigação.                       
    Enquanto ficava maravilhado com as mudanças na paisagem das regiões  agrícolas, pensei que a agricultura biotecnológica é, com certeza, um dos mais  grandiosos e extraordinários descobrimentos científicos. Acho que ela precisa de ser bem vinda e aceita de uma maneira mais ampla, mas empregada cautelosamente para benefício da condição humana.
        
   Agricultura Mista                       
   A paisagem agrícola da região centro-oeste do estado de Iowa tem combinado  uma mistura rara de milho com turbinas de vento para o aproveitamento da energia  eólica na geração de energia elétrica. Um agricultor confiou-me que, além de rara, a  mistura resultava muito lucrativa. Essa combinação se assemelhou a outra, bem mais antiga, de poços de petróleo e criação de gado ou cultura de trigo, nos estado de Texas e Oklahoma, a qual também foi muito lucrativa, mas diferente num aspecto crítico: enquanto o petróleo é um  recurso não renovável e vai se esgotando, o vento parece que não vai acabar.                       
    No retorno para casa desde Dakota do Sul se deu através de um roteiro diferente, mas com paisagens igualmente interessantes.         

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