Sementes Transgênicas e o Negócio de Sementes no Brasil

Edição XI | 06 - Nov . 2007
Ivo Marcos Carraro-carraro692@gmail.com
    A agricultura brasileira, após o início da era da mecanização, na década de 70, vem se firmando como um dos maiores mercados de sementes entre os países tipicamente agrícolas do mundo. Atualmente, é o quarto maior mercado doméstico de sementes, com cerca de 1,8 bilhão de dólares, perdendo apenas para o da França (1,9), da China (4,0) e dos Estados Unidos da América (7,1). Internamente, os principais mercados, em valor, são os de milho, com 1,9 bilhão de reais, e o de soja, com 800 milhões de reais, seguidos de arroz, trigo, feijão e algodão. Em termos de volume, a soja está em primeira posição, com 45% da área cultivada, seguida pelo milho, com 29%. No entanto, a taxa de uso de semente legal provoca uma significativa redução do mercado potencial da soja e de outras espécies autógamas, o que já não acontece com o milho, que tem uma taxa de uso de semente legal superior a 90% e utiliza sementes híbridas em 98% desta área.                     
    A consolidação deste mercado se deveu, principalmente, à organização e ao desenvolvimento do Sistema Brasileiro de Sementes, que coincidiu com o início da modernização e mecanização da agricultura, a partir da década de 70. Somente com o uso de sementes melhoradas e de elevado padrão de qualidade, foi possível o avanço em área e produtividade em praticamente todos os principais produtos. Neste período, houve uma estruturação intensa da pesquisa varietal e da indústria de sementes. Ao mesmo tempo em que surgiram empresas de pesquisa públicas e privadas, programas governamentais foram implementados para treinamento técnico e financiamento de estruturas, além da implementação de leis e normas que deram diretrizes para o surgimento e a consolidação deste sistema.                  
    Com o ingresso do Brasil na OMC, na década de 90, houve importantes mudanças no marco legal relacionado à agricultura, com a adaptação da lei de patentes industriais (1996), a criação das leis de biossegurança (1995) e de proteção de cultivares (1997) e, finalmente, de uma nova legislação para a produção e o comércio de sementes (2003). Este novo marco legal teve grande influência sobre o mercado de sementes nos últimos dez anos no Brasil.                          
    Com estas leis (Biossegurança, Patentes e Proteção de Cultivares) entrou em cena, além da valorização da Propriedade Intelectual em plantas, a possibilidade de introdução do principal produto da Biotecnologia, as sementes transgênicas.                       
    Além da perspectiva da entrada das sementes transgênicas neste mercado, houve um pouco antes a implementação do sistema de proteção de cultivares, que provocou profundas alterações nos sistemas de relações entre as empresas dos diferentes segmentos do setor. Diversos estudos têm demonstrado as interferências ocorridas nos últimos dez anos, obrigando os diferentes atores a sucessivas adaptações em suas formas de atuação e principalmente nas relações comerciais. No cenário anterior, a empresa de sementes tinha uma certa liberdade de atuação, porém contava com um leque muito menor de opções de tecnologias valor agregado baixo. Após as mudanças, sobretudo do marco legal, apareceram novas e fortes figuras, como a dos obtentores, agora com domínio sobre suas criações, e também os eventos transgênicos patenteados por empresas globais, num primeiro momento. Assim, passou a haver uma maior necessidade de contratualização das relações, além de um maior nível de profissionalização das empresas. O mercado passou a ser mais exigente em relação à qualidade e à oferta de novos produtos.
   Empresas globais, tradicionalmente dedicadas ao mercado de agroquímicos, passaram a mudar suas estratégias, migrando para a biotecnologia, cujo principal veículo é a semente. Assim, iniciou-se um forte movimento de fusões, associações e compras de empresas, mudando em poucos anos o perfil do negócio de sementes no Brasil, de forma similar ao que ocorreu em outras partes do mundo. O nível de concorrência entre empresas de sementes se deslocou para patamares muito mais competitivos, alijando do processo empresas menores, que antes encontravam seus espaços com maior facilidade. No caso das sementes de milho, esta concentração é clara, estando 90% deste mercado atualmente atendido por apenas quatro grupos empresariais. Algo similar ocorre com o algodão. No caso da soja, ainda existe uma distribuição mais equitativa, certamente em função da presença forte de empresas públicas como a Embrapa, além de Fundações e Cooperativas. Este é o mundo globalizado, nada a reclamar. No entanto, as empresas nacionais devem atentar para a necessidade urgente de sua maior e mais rápida profissionalização, com investimentos sérios e focados, principalmente em pesquisa, qualidade e gestão. Caso contrário, vão aos poucos sendo engolidas.
    A chamada era da Biotecnologia, que teve início há pouco tempo em nível mundial e que no Brasil tem sido tratada como algo futurista e com uma carga ideológica exagerada, é hoje uma realidade que não se pode negar, apesar da resistência ferozmente entrincheirada em setores do governo e do judiciário, além de ONG's “ambiento-oportunistas”. Segue célere e inexoravelmente firme, em nível mundial e também no Brasil, a adoção dos produtos transgênicos por ela gerados, como resultado de uma ciência acumulada e que jamais poderá regredir apenas por pressões políticas.                 
    A realidade é que, com as sementes transgênicas e o Brasil fazendo parte do mercado global, o negócio de sementes jamais será o mesmo que foi nas últimas décadas. Quem está envolvido deve se convencer disso - as empresas de pesquisa pública e privada, as indústrias de sementes, os armazenadores, as cooperativas, os governos e a sociedade em geral. Não há como se isolar os efeitos da presença de uma tecnologia tão inovadora como esta e sonhar com um mercado para cada segmento: Transgênicos e não Transgênicos. Eles terão que conviver em uma nova realidade. E é para esta realidade que todos deverão estar preparados.
   Apesar das grandes dificuldades impostas por todo o movimento que exige mudanças fundamentais, também existem muitas oportunidades de negócios, desde que se esteja preparado para aproveitá-las. Uma fortaleza que existe no setor ainda é suas estruturas de produção, distribuídas pelas principais regiões e que contemplam um grande número de empresas. O que falta é uma maior organização do mercado e disciplina setorial, no sentido de se buscar maior equilíbrio entre oferta e demanda de sementes por segmento. Isso exige liderança, organização e fidelidade. Devem crescer as demandas por serviços especializados de produção, certificação e análise de produtos relacionados ao mercado de sementes. É eminente o aparecimento de nichos de mercado de alto valor agregado, mas que exigirão competência e capacidade de segregação, pois deverão operar em sistemas integrados entre produção de matéria prima e indústria. Isso já vem ocorrendo com os orgânicos e os não OGM's, mas no futuro aparecerão eventos GM especializados que terão que usar esta mesma sistemática.              
    Mesmo com os sérios embates políticos e ideológicos nas reuniões da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), uma Comissão meramente técnica, as aprovações seguem, assim como as tentativas de obstrução por todos os meios. Porém, o tempo se encarregará de mostrar quem tem razão, já que a razão dos homens não tem sido suficiente para que dialoguem e resolvam de forma civilizada suas questões.

    
   
                                        Tab. 1 – Eventos Transgênicos aprovados pela CTNBio. 

   

                           
    Tab. 2 – Eventos Transgênicos aguardando aprovação na CTNBio.  


   Hoje o Brasil já conta com cinco eventos aprovados (Tab. 1), sendo um para soja, um para algodão e três para milho, estes aprovados somente este ano. O fato de haver algum questionamento jurídico em curso não modifica em nada as mudanças que as sementes transgênicas vêm operando no mercado de sementes. O mesmo aconteceu com a soja RR, há nove anos, quando foi aprovada pela CTNBio, e mesmo com uma longa batalha judicial que parecia interminável, o tempo e os fatos acabaram vencendo e a adoção desta tecnologia segue crescente, assim como as taxas de uso de sementes legais. Vários outros eventos estão na lista de espera da CTNBio para aprovação (Tab. 2), e demonstram um caminho que não tem volta. O que se observa é a presença somente de empresas globais como geradoras destas  tecnologias, porém, em breve, haverá nesta relação a presença da Embrapa, que em parceria com a Basf, está gerando um novo evento em soja.                   
   Isso demonstra que a área científica brasileira está capacitada. Talvez o que ainda falta entre as empresas nacionais é que acreditem que investir em biotecnologia de forma mais agressiva poderá ser um bom negócio. No entanto, este novo cenário que se criou em função da biotecnologia não se restringe aos produtos transgênicos, pois as modernas técnicas que avançam rapidamente geram também produtos que não se caracterizam como GM, mas trazem também impactos significativos aos sistemas de produção e estão igualmente influenciando as mudanças. Um dos casos que se enquadra nesta característica é o do arroz “Clear Field”, tecnologia tão avançada quanto qualquer similar GM e que é igualmente detentor de patentes que protegem sua criação. Por falar em Patentes, esta é outra realidade que deve ser destacada neste cenário.
   A Propriedade Intelectual, que até há pouco tempo não fazia parte dos costumes e do mercado de sementes, tem sido desrespeitada por uma grande parcela de agricultores e de boa parte das empresas do setor, cerealistas e sementeiras. Partindo-se do princípio de que qualquer ilegalidade deve ser combatida, este tipo de atitude será também com o tempo reduzida. Esta ilegalidade hoje afeta significativamente o mercado de sementes. Neste caso, o tempo também será o grande conselheiro. Tanto empresas sérias, que num primeiro momento se rendem a subterfúgios, quanto os próprios agricultores, reconhecerão que deve haver uma harmonia entre os segmentos e que o respeito à propriedade intelectual em plantas é o caminho mais seguro para se assegurar viabilidade futura com grandes investimentos em pesquisa e em consequência ganhos de eficiência e lucratividade mais estável.
   Da mesma forma, os obtentores de patentes e proteções terão que manter os preços de suas tecnologias em valores razoáveis, mesmo que seja para evitar o crescimento do uso ilegal das mesmas. Evidentemente que a presença dos órgãos fiscalizadores para coibir a ilegalidade será fundamental para se estabelecer e se garantir este equilíbrio. No entanto, sempre haverá a parcela dos realmente “piratas”, que deverão ser combatidos sistematicamente.
   

   “O fato é que uma agricultura em grande escala, como a brasileira, não se faz sem desenvolvimento permanente em tecnologia, e desenvolvimento de tecnologia não se faz sem o reconhecimento da propriedade intelectual que alavanca os investimentos necessários fechando este ciclo. Esta será daqui para diante a grande lógica do mercado de sementes. É necessário que todos se conscientizem disso para que o setor volte a ser sério, promissor e lucrativo para todos.”   
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