Movimento internacional de sementes

Edição XX | 04 - Jul . 2016
Silmar Teichert Peske-silmar@seednews.inf.br

    O comércio internacional de sementes supera a 10 bilhões de dólares anuais, dos quais mais de quatro bilhões têm suas tratativas iniciadas durante o congresso da Federação Internacional de Sementes (ISF em inglês), que neste ano teve sua edição anual durante o mês de maio na cidade de Punta del Este, no Uruguai. A seguir, apresentaremos alguns aspectos do evento.

    O evento contou com mais de 1.000 participantes oriundos de 64 países, evidenciando a importância do evento para o comércio internacional de sementes. Como ocorre tradicionalmente, além dos negócios, houve também reuniões técnicas de comitês como de melhoramento vegetal, cereais e leguminosas, forrageiras, hortaliças, sanidade e inovação tecnológica. Entretanto, mais de 60% dos presentes tiveram sua participação direcionada a negócios, tendo sido disponibilizadas mais de 150 mesas, de quatro lugares, para encontros, além de salas especiais reservadas por empresas de sementes para reuniões de trabalho com mais integrantes ou para obter a privacidade das negociações. No evento é comum cada participante, com objetivos comerciais, ter mais de 20 reuniões de meia hora, durante os três dias do evento.  Estas reuniões, além dos negócios travados, também são essenciais para sedimentar as relações comerciais. 

    Para participar do congresso o candidato deve ser membro de uma associação nacional de sementes como a ABRASEM ou BRASPOV, no Brasil; ASA, na Argentina; URUPOV e CUS, no Uruguai; APROSEMP, no Paraguai; e ANPROS; no Chile. A convite, o candidato também pode ser aceito para o evento, entretanto sob condições especiais. Neste ano, a participação latino-americana pode ser considerada alta, com 222 participantes, destacando-se a Argentina, com 83.


A ISF

    A missão da ISF é possibilitar que semente da mais alta qualidade esteja disponível a todos, trabalhando em sintonia com as mais de 7.500 empresas de sementes afiliadas. Sua história começa com os recursos genéticos e termina com o movimento internacional de sementes. Neste sentido, de acordo com o secretário executivo da entidade, Michael Keller, pode-se dividir em seis capítulos as atuações da ISF e suas afiliadas:

1- Conservação dos recursos genéticos - A conservação possibilita a manutenção da diversidade genética, sendo uma excelente alternativa para obter a segurança alimentar.  

A indústria de sementes se compromete com a conservação através de coleções, bancos de germoplasma privados, contribuição financeira, relação público-privada, e suporta bancos de germoplasma nacionais e internacionais. A ISF foi convidada para uma coalisão internacional a fim de fortalecer a segurança alimentar e contribuir para o sistema de germoplasma da qual participa ativamente. 
2- Uso dos recursos genéticos - Esta possibilidade está no cerne da ISF, pois a criação de novas e melhores cultivares depende do acesso a tais recursos.


Troca da bandeira: Uruguai para Hungria (próximo evento)

    O requisito legal da exceção do melhorista para uso de materiais protegidos em seu programa de melhoramento permite os grandes avanços obtidos com os novos materiais. Todo programa de melhoramento vegetal sabe que, após lançar um material superior no mercado, o concorrente terá acesso à tecnologia e em poucos anos estará apto a colocar no mercado um  material provavelmente superior, fazendo com que todos trabalhem continuamente  para não ficarem atrás da concorrência. Neste sentido, a ISF está comprometida com o tratado internacional sobre transferência e uso da biodiversidade global.

3- Inovação no melhoramento vegetal - A indústria de sementes investe até 20% de seu faturamento  em inovação tecnológica.
    O contínuo desenvolvimento de novas cultivares propicia uma agricultura sustentável, com segurança alimentar, sendo o melhoramento vegetal o instrumento para alcançar estas cultivares, através de sua experiência milenar com a inclusão das ferramentas atuais de inovação, principalmente as biotecnológicas.  Para isso, os fitomelhoristas necessitam de uma segurança legal, com consistentes políticas governamentais para obterem as almejadas inovações no melhoramento vegetal. Caso o reconhecimento financeiro não ocorra, a inovação estará a perigo.

4- Direitos dos melhoristas - O negócio de sementes não é sustentável sem a proteção intelectual das novas e melhores cultivares. 
    Desta maneira, considerando sua importância, o melhoramento vegetal deve ter a devida atenção dos governos para simplificar os procedimentos para obtenção dos direitos autorais sobre as novas cultivares. A ISF finalizou um estudo sobre coleta de royalties em vários países, constatando uma grande variação no sistema de cobrança, razão pela qual está trabalhando no âmbito da UPOV para simplificar os procedimentos de proteção.
    A proteção de cultivares é a base do negócio de sementes, pois a pesquisa e o desenvolvimento requerem altos investimentos e longo tempo, apresentando riscos e exigindo contínua inovação tecnológica. Uma proteção robusta é essencial para o sucesso da indústria sementeira, em que se considera: a) a criação intelectual através da pesquisa e desenvolvimento; b) o estabelecimento dos direitos da criação; e c) a utilização dos direitos para recuperar os custos com a pesquisa e desenvolvimento.

5- Tratamento de sementes - A semente é a primeira decisão que o agricultor toma para o estabelecimento de um cultivo, antes do tratamento de sementes, agroquímicos e fertilizantes.
    A ISF deseja que os agricultores tenham a possibilidade de acessar as soluções disponíveis no mercado para assegurar a sua produção. Neste sentido, o tratamento de sementes é essencial, sendo necessária uma adequada comunicação com o agricultor e a permanência das soluções no mercado.

6- Movimento internacional das sementes - Germoplasma para pesquisa e desenvolvimento, linhas experimentais e híbridos para avaliações agronômicas, semente genética e básica para multiplicação e materiais comerciais (variedades e híbridos) são algumas das formas do movimento global das sementes.
    

Reunião do comitê técnico de melhoramento


    Neste sentido, há a reexportação como uma realidade, sendo cada vez mais difícil atender os requisitos fitossanitários. Assim, há necessidade de um padrão internacional para as avaliações sobre patologia de sementes, em cujo objetivo a ISF  e seus membros estão trabalhando junto à indústria e as autoridades nacionais. Os avanços já foram muitos e atualmente está em desenvolvimento uma base de dados que fornece as bases científicas apara as avaliações.  Muitas doenças não são transmitidas pela semente, entretanto aparecem como exigência de avaliação em alguns países. 




Show room


Coleta de Royalties
    A ISF organizou um estudo sobre sistemas de captura de valor em soja, ou seja, o Royalty sobre o germoplasma e a Taxa Tecnológica (TT) sobre eventos biotecnológicos, com o objetivo de verificar a eficiência e a diversidade dos sistemas adotados nos diferentes países.  
    O estudo foi realizado durante dois anos em 12 países, que englobam 77% da área cultivada com soja no mundo, verificando os seguintes aspectos: 

1 - Legais - Analisando a lei de proteção de cultivares (LPC), lei de sementes, LPC para semente salva, coexistência de lei de patentes e LPC, segredos de negócio e marca registrada;
2 - Implementação da captura - Verificando o sistema de certificação, a coleta de Royalty e TT, contratos e penalidades;
3 - Sensibilidade política - registrando o nível de suporte à proteção de cultivares e de eventos, suporte dos agricultores (agremiações) e se existem exceções para a captura de valor;
4 - Quem implementa a proteção dos direitos - O governo delega o poder ou o setor privado;
5 - Quem coleta os Royalties e/ou  a TT - Verificando se é através da venda da semente, se incide sobre a semente salva e como se se procede no caso de eventos biotecnológicos;
6 - Fatores econômicos - Envolvendo incentivos financeiros, impostos e outros fatores;
7 - Uso da variedade - Englobando a percepção do agricultor do ganho genético da inovação tecnológica com a criação das novas cultivares, o número de variedades protegidas por ano e ciclo de vida de uma cultivar; e
8 - Modelo de captura de valor - Verificando se o valor é cobrado somente sobre o germoplasma (Royalty), somente sobre o evento biotecnológico (TT) ou se existem dois valores, um para o Royalty e ou para a TT; 


SEEDnews marca presença no evento


    Os resultados deste estudo evidenciaram que o sistema de captura de valor é complexo, variando de forma acentuada devido à percepção do agricultor sobre os benefícios  do uso de uma semente comercial variando de 30 a 65% entre os países, da incidência ou não do royalty sobre semente salva, do valor do Royalty ou TT e dos custos da coleta. 
    As conclusões do estudo estão em preparação, entretanto Pablo Bergadá (Argentina) apresentou no evento, na sessão de “Field Crops”, um conjunto de constatações que podem ser resumidas em:
1- Ha múltiplos e diversos sistemas de captura de valor para soja;
2- A eficiência da captura difere de país para país, de acordo com diversos fatores. Não há um modelo que assegure o sucesso de cada sistema, entretanto o do Uruguai, com seu modelo “Valor Tecnológico”, e do Paraguai, com o de “Modit,” revelaram-se bastante eficientes; e
3- Há uma maior complexidade nos sistemas que possuem patentes além de LPC, devido ao fato de existir mais de um elemento a ser protegido: o germoplasma e o evento biotecnológico.  


Mesas de negociação


Tendências de negócio
    Como salientado anteriormente, o evento da ISF é considerado o melhor local para realização de negócios envolvendo sementes. Neste sentido, a SEEDnews teve oportunidade de observar algumas tendências, como:
1 - Hortaliças híbridas - A busca de empresas que possuem materiais híbridos é grande por parte dos empresários latino-americanos. Empresas asiáticas, europeias e dos EUA se destacam nesta área, havendo, felizmente, bastante oferta.
2 - Prestação de serviço - Está aumentado a necessidade de produção de sementes em contra-estação ou seja, produzir as sementes em um país de outro hemisfério para aproveitar as condições climáticas. Isto possibilita atender demandas especiais tanto de pesquisa como de comércio. Na América Latina, o Chile, a Argentina e Uruguai de destacam, com centenas de milhões de dólares de exportação. Aqui entra o sistema de reexportação, no qual uma empresa asiática produz as sementes na América do Sul, traz para seu país e reexporta para a Europa ou para outro continente.
3 - Milho híbrido -  Há vários países que praticamente importam todas as suas sementes de milho híbrido, como é o caso, na região, do Peru e do Equador. Ambos os países cultivam menos de 300.000 hectares de milho por ano, entretanto com alta tecnologia, requerendo híbridos simples para maximizar a produção. Como a demanda não é grande e as grandes empresas de milho híbrido não possuem produção de sementes no país, a alternativa é importar. Casos similares ao Peru e Equador são muitos em termos globais.
    O comércio de sementes de milho híbrido é complexo, pois envolve, além da adaptação do híbrido, também o seu grau de heterose, podendo ser  simples, triplo ou duplo, sendo os duplos os mais baratos, porém com menor potencial de rendimento. Outro aspecto é a restrição de alguns países quanto à presença de sementes geneticamente modificadas (GM), dificultando a produção de sementes nos países de origem, o que encarece o processo pelo isolamento (temporal ou espacial), assim como pela avaliação. Alguns países possuem tolerância zero para materiais GM, dificultando em muito a produção.
4 - Forrageiras - As forrageiras de clima temperado, como azevém, trevos e alfafa, são, há muito, comercializadas em altos volumes durante o evento da ISF. Entretanto, nos últimos anos, estão crescendo os negócios com sementes de forrageiras tropicais, principalmente as brachiarias. O Brasil é um grande exportador de sementes de forrageiras tropicais, com várias empresas de renome atuando no setor.
5- Tratamento de sementes - O tratamento industrial de sementes, conforme se pode constatar nas palestras, está em franco crescimento no mundo inteiro. Esta expansão pode ser atribuída a um melhor processo de recobrimento da semente, segurança do operador e benefícios ambientais com o aparecimento de produtos que aumentam o desempenho das sementes. Há um forte incremento de produtos biológicos para o tratamento das sementes com funções fisiológicas e terapêuticas. Neste sentido, observa-se que o registro de produtos agroquímicos nos países requer um bom tempo, ocorrendo tão logo um produto esteja disponível para comercialização num país, e em outro ainda no meio do caminho, para registro. 
6 - Rastreabilidade - Com o avanço da informática é possível conhecer o histórico de um lote de sementes em qualquer parte do mundo, fazendo com que o agricultor tenha mais confiança na sementes que está comprando. 




Relações institucionais
    A ISF se articula com outras entidades internacionais para facilitar o movimento internacional de sementes. Entre elas, estão a OECD, ISTA e UPOV. Neste ano, a SEEDnews teve oportunidade de assistir as apresentações da OECD  e ISTA.


Participantes brasileiros


    Em relação à OECD, o destaque é para o sistema de certificação de sementes a campo, em que são estipulados limites de tolerância para contaminantes. No momento, as discussões estão voltadas ao grau de macho-esterilidade na produção de híbridos, que pode ocasionar os “Selfies” de grande impacto na produtividade.  Outra discussão forte, há algum tempo na entidade, é o “Refúgio no Saco” para materiais GM, a fim de evitar o refúgio a campo, de difícil execução por vários motivos (logística e agronomia). A OECD toma suas decisões por consenso entre os países (59), significando que os processos levam algum tempo para serem adotados em termos globais.
    A ISTA, atua no comércio internacional por emitir o certificado laranja de qualidade do lote de semente, e, mais recentemente, o certificado azul de amostragem. Muitos países colocam como requisito essencial a apresentação do certificado laranja para liquidação das importações de sementes. 


Michael Keller - Secretário executivo ISF

    Anualmente, a ISTA atualiza suas regras de análise de sementes que servem de referência para a avaliação da qualidade em termos globais. No momento, está realizando estudos para aumentar o tamanho máximo dos lotes de sementes, especialmente os de forrageiras.


Presidência da ISF
    Álvaro Eyzaguirre, oriundo da Associação Nacional dos Produtores de Sementes do Chile (ANPROS) foi o presidente da ISF de 2014 a 2016, o qual muito contribuiu para o comércio internacional de sementes dos países da América do Sul, o que pode ser constatado pela massiva participação no congresso dos profissionais da região e pelo aumento da produção de sementes em contraestação para os países do hemisfério norte. Álvaro permanecerá na diretoria da ISF por mais dois anos, como ex-presidente, e com certeza, utilizando sua larga experiência, continuará promovendo o negócio internacional de sementes.
Compartilhar