Estatísticas, aproximações e verdades I

Edição XI | 02 - Mar . 2007
James Delouche-JCDelouche@aol.com
            Lições numa Corte Rural
          Em meados dos anos 60, estava na sala de testemunhas numa corte da região do Delta do Mississipi. Era agosto, a sala sem ar condicionado estava quente, e eu estava nervoso. Havia sido chamado como testemunha num litígio civil entre um cotonicultor e uma empresa de sementes. O agricultor reclamava que as sementes de algodão que ele havia adquirido da empresa não produziram uma população adequada de plantas, o que resultou numa falha geral da lavoura, pois era tarde demais para replantar e as condições eram desfavoráveis. Envolvi-me no litígio como testemunha porque, como diretor do Laboratório Estadual de Análise de Sementes, minha assinatura estava no boletim dos testes realizados numa "amostra oficial de inspeção" das sementes do lote em questão.
 
             “...o rótulo nas sementes compradas pelo fazendeiro afirmava que a germinação era de 80%, enquanto a germinação do relatório da amostra de inspeção era de apenas de 73%...”
 
            Esta não fora a primeira vez em que fora chamado como testemunha num litígio civil envolvendo sementes. Geralmente, entretanto, eu era informado alguns dias antes da data da audiência em que os litigantes tivessem feito um acordo extra-corte ou o caso fosse rejeitado. Porém, percebi que esse não era um daqueles momentos em que o conselheiro municipal abria a porta da sala de testemunhas e me chamava para o tribunal. O advogado do reclamante se apressou em meio às formalidades de apresentação e estabelecimento das minhas credenciais à corte e ao júri, então declarou que eu era uma testemunha hostil e assim minhas respostas deviam limitar-se a SIM ou NÃO, a menos que de outra forma fosse permitido.
         As perguntas do advogado e minhas respostas  rapidamente  estabeleceram que as sementes compradas e plantadas pelo fazendeiro e as sementes na amostra oficial de  inspeção testada no Laboratório Estadual de Sementes eram do mesmo grupo (lote) de sementes de algodão. Ele então apontou que o rótulo nas sementes compradas pelo fazendeiro afirmava que a germinação era de 80%, enquanto a germinação do relatório da amostra de inspeção era de apenas de 73%, e perguntou por que o lote de sementes não fora citado por propaganda enganosa.
            - Você pode responder - ele disse, e então o fiz:
            - O lote não foi considerado propaganda enganosa porque o rótulo de germinação estava dentro da tolerância permitida para germinação no teste oficial.
            - Tolerância permitida, você disse, o que é isso?
            - É mais um parâmetro estatístico baseado na variância associada à amostragem -respondi.
            Ele prosseguiu com seu questionamento:
            - Se a germinação do teste oficial tivesse sido de 71%, o lote seria citado como propaganda enganosa?
            - Sim - respondi - 71% seria inferior à tolerância permitida.
           - Professor, creio que  você esteja, então, dizendo a esta corte que, caso as sementes tivessem  atingido 73% de germinação elas estariam OK, porém se tivessem atingido 71% não estariam OK, que a diferença na germinação no primeiro caso é permitida porém não o é quando fica apenas 2% inferior. Você está realmente admitindo que o teste de germinação não é uma ciência exata? Responda SIM ou NÃO.
            - Não, não estou - Protestei. Porém ele continuou:
            - Você disse NÃO, porém todos sabemos que deveria ser SIM, pois se fosse uma ciência exata ela não produziria tais resultados engraçados e respostas não razoáveis. E continuou:
           - A germinação de 73 ou 80% da semente de algodão, uma vez que você disse que são iguais, assegura ao meu cliente ou qualquer agricultor que plante tais sementes, que um estande (população) adequado de plantas para uma boa lavoura será obtido? Responda SIM ou NÃO.
             - Não - respondi. Voltando-se para o júri, o advogado exclamou: "Se uma germinação de 80% não assegura ao comprador que ele obterá um bom estande, somos levados a imaginar o que ele assegura, o que ele significa". Então, ele se virou para mim e perguntou:
             - Você concorda que os requisitos da nossa lei estadual sobre sementes podem ser considerados principalmente como provisões verdadeiras na rotulagem? SIM ou NÃO"?
             - Sim - concordei. Ele prosseguiu:
            - Vamos  diretamente ao ponto de partida de caso. Sendo você um professor entendido, quero que  responda a esta corte uma proposição simples de  múltipla escolha: Para o reclamente, agricultor X, os 80% de germinação no rótulo das sementes que ele comprou e plantou que falharam na produção de mais de algumas centenas de plantas por hectare representaram a) uma verdade, b) uma verdade próxima, c) uma verdade distante, d) nenhuma das respostas anteriores. Você não precisa responder professor. Eu retiro a questão. Meritíssimo, não tenho mais perguntas para esta testemunha".
            O advogado de defesa disse que não tinha mais perguntas, então fui dispensado e retornei para a sala de testemunhas brabo com o advogado do agricultor pelas suas perguntas e comentários injustos e com o advogado de defesa, por não me dar a chance de mostrar meus conhecimentos ao invés da minha estupidez no exame cruzado gravemente embaraçado pelo meu desempenho. (Observação: o júri decidiu a favor do agricultor, mas depois acatou uma apelação com base em evidências não declaradas e tardias de que vários outros agricultores tinham comprado e plantado sementes do mesmo lote sem problemas.) Desperdicei muito tempo e espaço na experiência acima relatada porque é típico de muitas experiências interessantes, imprevisíveis, exasperadoras porém sempre de aprendizado que tive envolvendo sementes, advogados astutos, fazendeiros espertos, produtores e empresas de sementes responsáveis, bem como alguns dos vários tipos que não eram nem um pouco confiáveis e até mesmo incorretas.
         Lembrando e refletindo sobre estas experiências encontrei os temas para os artigos anteriores e este atual, e talvez para os próximos. O artigo anterior tratou de alguns dos testes usados para descrever e caracterizar as sementes, isto é, lotes de sementes. Estes e vários artigos de sequência examinarão as fontes de variabilidade que influenciam a "estrutura" ou composição dos lotes de sementes, os procedimentos de aproximação usados para atingir a estrutura desejada, os métodos e parâmetros estatísticos usados para estabelecer e monitorar os componentes de qualidade dos lotes de sementes e algumas das verdades próximas envolvidas em sua descrição e caracterização.
 
            As sementes são diferentes
          As sementes são diferentes dos outros insumos para produção agrícola. Os produtores de sementes geralmente não têm o controle rigoroso sobre a composição das sementes produzidas que é possível para outros insumos, tais como fertilizantes, pesticidas, água da irrigação, e mesmo crédito. A composição dos lotes de sementes é fortemente influenciada por forças e circunstâncias naturais, isto é, biológicas, edáfoclimáticas, que variam entre os locais e os momentos e estão sujeitas a um grau apenas moderado de controle. Assim, a maioria dos lotes de sementes consiste de uma população principal de sementes germináveis puras com a genética desejada, que pode e geralmente está misturada a várias outras subpopulações indesejáveis de outras sementes e partículas.
         As principais subpopulações são: 1) sementes idênticas às da população principal (desejada) exceto na germinação, vigor, presença de doenças (categorias fisiológicas e patológicas); 2) sementes similares na aparência porém significativamente diferentes quanto à genética (sementes de outras variedades); 3) sementes de aparência e propriedades físicas como tamanho, densidade e forma diferentes (sementes de outras lavouras e ervas daninhas); 4) resíduos de sementes, plantas e outros materiais do campo reunidos na colheita (matéria inerte).
           As proporções das várias subpopulações nos lotes de sementes podem variar entre diferentes campos de produção e dentro de um lote de sementes do mesmo campo devido a diferenças no clima, fertilidade, umidade do solo, populações de ervas daninhas, histórico da lavoura, época de semeadura e em outras maneiras. O tipo e as proporções do material indesejável nos lotes de sementes também podem ser afetados pelo equipamento de colheita usado, momento da colheita e o método do operador. Há muitos casos de sementes de soja bastante danificadas devido à colheita fora de tempo e sem os cuidados necessários, sementes de algodão perdidas devido ao ajuste impróprio das colheitadeiras mecânicas, e sementes de amendoim transformadas em matéria inerte por causa de descascadeiras mal configuradas e ajustadas.
         As operações de pós-colheita, especialmente aeração, secagem e manejo, são cruciais à manutenção da porção da  população principal de sementes puras, germináveis e  vigorosas no lote de sementes. A aeração ou secagem inadequadas das sementes num nível seguro de concentração de umidade diminui a porção de sementes desejáveis no lote e aumenta a quantia de sementes mortas e/ou de baixo vigor. Similarmente, manusear e transportar sementes com equipamento e/ou máquinas sem boa manutenção que são inadequadas para sementes pode aumentar dramaticamente as quantias de componentes indesejáveis no lote de sementes, por exemplo, matéria inerte, sementes mortas e danificadas.
         Os procedimentos e protocolos recomendados e seguidos na produção, colheita, secagem e processamento de sementes, isto é, o preparo das sementes para o comércio, são basicamente empregados para aumentar e acentuar o componente desejável nas sementes de um lote. Os lotes de sementes são submetidos a uma série de passos e/ou operações que mudam incrementalmente a composição do lote de sementes na direção desejada ao ponto que seja técnica e/ou economicamente possível, isto é, ao ponto de aproximação. A eficácia dos vários procedimentos e operações envolvidos no alcance deste objetivo e os resultados aproximados alcançados por qualquer um ou todos os procedimentos usados são monitorados estatisticamente com base em medidas de garantia de qualidade e testes de qualidade.
 
           “O próximo artigo abordará algumas das limitações técnicas e econômicas dos protocolos e operações usadas para mudar a composição dos lotes de sementes na direção desejada e os procedimentos e testes empregados para monitorar e estabelecer sua eficácia.”

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