Unidades de beneficiamento de sementes

Edição XI | 02 - Mar . 2007
Francisco Amaral Villela-francisco.villela@ufpel.edu.br
Leopoldo Baudet-lmbaudet@ufpel.edu.br
          Numa luta de boxe, ganha o cinturão de ouro quem tiver melhor preparo físico e desempenho. Na produção de sementes, os lotes que tiverem melhor preparação física com certeza levantarão o troféu da qualidade, ao serem colocados dentro dos padrões exigidos para se considerarem semente e para enfrentar sua comercialização visando à satisfação total do cliente, o agricultor.
          A qualidade do lote de sementes é finalmente consolidada após seu beneficiamento, que compreende todas as etapas pelas quais as sementes passam até ficarem prontas para a semeadura. O beneficiamento dos lotes de sementes ocorre na Unidade de Beneficiamento de Sementes, comumente chamada de UBS. Esta unidade começa a ganhar importância no processo logo depois que as sementes são colhidas, e seu planejamento deve seguir normas e procedimentos adequados que permitam ao produtor de sementes ficar com seu produto pronto na hora certa, na quantidade necessária e com a qualidade desejada. Na verdade, a UBS é o local onde o produtor leva os possíveis compradores para visitar, por isso é considerada a vitrine da empresa produtora de sementes. Portanto, a UBS e seu alto investimento devem ser o orgulho do produtor, devendo se apresentar limpa, funcional, eficiente, segura e economicamente viável.
          No planejamento da UBS são necessárias informações básicas preliminares que subsidiem a elaboração, tais como avaliação do local (meios de transporte, mão-de-obra, condições climáticas, energia elétrica), condições de beneficiamento (espécies, cultivares, épocas de semeadura e colheita) e condições de armazenamento (tipo e período de armazenamento, embalagem).
 
          Colheita e secagem das sementes
          Por princípio, a colheita deve ser efetuada o mais próximo possível do ponto de maturidade fisiológica das sementes, assim que seu grau de umidade (para a debulha mecânica) e as condições climáticas locais permitirem. Assim sendo, as sementes provenientes do campo geralmente apresentam teor de água incompatível com o manuseio e armazenamento, necessitando, portanto, de secagem artificial. Isto deve ser interpretado como as sementes na mão do produtor com uma umidade tal que se podem deteriorar em 24 horas, se a sua secagem não for processada.
          No estado do Rio Grande do Sul, pode-se dizer que no mínimo 60% da produção de sementes de soja passam pela secagem, já que as sementes começam a ser colhidas com 18% de umidade. Todavia, no estado do Mato Grosso, 100% das sementes de soja sofrem secagem, devido à elevada incidência de chuvas na época de colheita. Em regiões mais secas, com baixa umidade relativa do ar e ausência de chuvas próximo da colheita, a necessidade de secagem é mínima, uma vez que as sementes são colhidas bastante secas.
          No planejamento da UBS deve-se considerar, na secagem, não somente a aquisição de secador, mas o melhor sistema de secagem. O sistema de secagem compreende a moega de recebimento, o elevador e/ou outro transportador, a máquina de pré-limpeza, elevador, silo de produto úmido, elevador, secador, silo do produto seco ou regulador de fluxo, além do sistema de aquecimento do ar de secagem, ou seja, fornalha, queimador a gás, resistência elétrica, etc.
          O ideal é que a capacidade de secagem da UBS seja suficiente para secar o que foi colhido no dia, salvo se os silos de produto úmido sejam dotados de sistema de ventilação. Entre os secadores para sementes são recomendados os intermitentes (ou contínuos adaptados para intermitência), que em geral podem secar de teores de água de 18% para 13%, até quatro cargas por dia e os estacionários ou silos secadores que em geral secam uma carga por dia.
         Os secadores são aliados dos produtores de sementes, ao permitir que lotes sejam secos sob condições padronizadas e uniformes, garantindo uma eficiente remoção de água das sementes (secadores intermitentes de 0,8 a 1,5 ponto percentual por hora) sem afetar a qualidade fisiológica das sementes, cuidando-se para que a temperatura da massa de sementes nunca exceda 40°C. Os secadores estacionários de fundo falso ou tubo central perfurado apresentam menor capacidade diária de secagem, com remoção de 0,3 a 0,5 ponto percentual por hora, porém podem ser utilizados como silos armazenadores e durante a secagem não há movimentação das sementes, minimizando eventuais danos mecânicos.
          A seguir será considerado o planejamento de uma UBS para uma empresa que deseja  produzir 2.000 toneladas de sementes de soja (50.000 sacos de 40 kg). Para produzir essa quantidade de sementes de soja, a empresa deve programar sua lavoura para no mínimo 900 ha considerando um descarte mínimo de 50% (25% de campo e 25% de beneficiamento e secagem). A colheita leva de 30 a 45 dias para colher 2.500t (900 ha x 2,8 t/ha). Logo, se deve programar para receber efetivamente, em 40 dias, 62,5 toneladas/dia, que deverão ser secas.
          Um secador intermitente, com capacidade estática de 8 t, ao secar três cargas por dia, permite secar 24 t em 24 horas; assim, para secar as 63 t deve-se programar mais dois secadores de 8 t. Se o produtor escolher secador estacionário, seis silos secadores de madeira com distribuição radial do ar de 8 t de capacidade, possibilitaria secar um total de até 72 t por dia, considerando 1,5 carga por dia. Procedimento similar pode ser considerado para uma empresa que trabalhe com maior quantidade de sementes.

          Limpeza das sementes
          No beneficiamento de sementes são levadas em consideração as características físicas diferenciais entre as sementes e os componentes indesejáveis presentes no lote, bem como os princípios mecânicos utilizados para tal fim. Para a maioria dos lotes de sementes, é necessário usar-se mais de um tipo de máquina, para que se possa obter sementes de qualidade adequada à comercialização.




          No planejamento de uma UBS, muitos fatores devem ser considerados para que se venha a obter pleno êxito. Uma UBS deve ser planejada de tal forma que a semente possa ser recebida, pré-limpa, secada, limpa e classificada, tratada, embalada, armazenada e distribuída. Os equipamentos de transporte, secagem, limpeza e classificação devem ser distribuídos de modo que a semente venha a ter fluxo contínuo desde a recepção até o local de embarque para distribuição. Esse arranjo dos equipamentos deve ser suficientemente flexível para que possa desviar-se de qualquer equipamento da UBS desnecessário, sem afetar o fluxo e a qualidade das sementes. Também é indispensável que seja planejado um sistema para eliminação do pó e dos materiais indesejáveis retirados nas diversas operações utilizadas na limpeza e classificação das sementes.
          Na maioria dos casos, quando as finanças assim permitirem, é melhor planejar-se um
prédio novo para a instalação da UBS, pois poucos são os casos em que um prédio já existente está adequadamente localizado e dimensionado. Instalar uma UBS em local não adequado só porque o prédio existe, geralmente acarreta problemas adicionais. Alguns pontos importantes devem ser considerados, como: determinação da localização do secador, local da recepção das sementes e o arranjo dos equipamentos envolvidos na limpeza e classificação de sementes. Portanto, a localização do prédio deve ser familiar para a pessoa que esteja planejando, antes de começar a arranjar os diversos equipamentos envolvidos no beneficiamento de sementes e os espaços para locomoção e armazenamento de sementes.
          Sabe-se que, para sementes de trigo e arroz, os meios utilizados para limpeza e classificação, bem como para a secagem, são praticamente os mesmos, mas para soja, milho, sementes de forrageiras e de espécies olerícolas os meios provavelmente sejam outros.
 
          Seleção do equipamento
          Uma vez programada a quantidade desejada após o beneficiamento considerando ainda a expectativa de crescimento futuro e conhecida a(s) espécie(s) e seu fluxograma de beneficiamento, os equipamentos são selecionados com a ajuda de catálogos, informações de outros produtores, visitas a outras UBSs e conhecimento prévio. Antes da aquisição do equipamento muitos aspectos específicos para cada máquina devem ser considerados: controle da alimentação da máquina, colocação e facilidade de troca das peneiras, ajuste do fluxo de ar, limpeza da máquina, tipo e tamanho do alvéolo do cilindro e facilidade de troca, rotação do cilindro, consumo de energia, robustez, tamanho da máquina, fontes potenciais de danificação mecânica às sementes, controle de temperatura do ar de secagem ou da massa de sementes, controle de umidade e outros.
          Outro importante aspecto na seleção do equipamento é a capacidade das diversas máquinas, que deve ser  equivalente para assegurar o fluxo contínuo das operações. Se uma determinada  máquina tiver menor rendimento do que outra, dever-se-á considerar a instalação de duas dessas máquinas em paralelo, como é o caso de dois cilindros separadores para cada máquina de ar e peneiras com quatro peneiras. É importante destacar que a capacidade do equipamento declarada pelo fabricante é determinada sob normas específicas internacionais. Logo, na prática na UBS, é preciso considerá-la pela metade. Isto é, se um fabricante declara que sua MAP com quatro peneiras limpa 8 toneladas/hora, a máquina fará em média 4 toneladas/hora, dependendo da espécie a ser beneficiada. As MAPs para sementes de soja apresentam maior capacidade  operacional do que a mesma máquina para sementes de arroz.
          Atualmente, as MAPs vêm com a caixa de peneiras de baixo (terceira e quarta peneiras) duplicada, isto é, metade do fluxo vai para a segunda caixa e a outra metade vai para a terceira caixa, o que permite duplicar a capacidade da máquina. No caso anterior, a MAP duplicada fará então 8 toneladas/hora.



          Isto vale também para o padronizador (classificador) de sementes de soja. É recomendável para a máquina de ar e peneiras usar a área da peneira como capacidade, isto é, quantidade beneficiada por hora e por m2 de peneira, considerando área das duas peneiras que efetuam a mesma operação, a primeira e terceira ou a segunda e a quarta. Para soja, devem-se considerar de 800 a 1.000 kg/h/m2 de peneira. Para arroz, ao redor de 400 a 500 kg/h/m2 de peneira.
          As máquinas utilizadas no beneficiamento de sementes operam melhor se forem alimentadas em um fluxo contínuo de sementes. Como nem todas as máquinas de uma UBS possuem a mesma capacidade, é interessante que se tenha acima de cada uma delas um regulador de carga de sementes, o qual fará com que cada máquina tenha sempre um fluxo contínuo e trabalhe com a capacidade desejada. Esse regulador é uma tulha ou depósito regulador de fluxo de capacidade similar a uma hora de funcionamento da máquina. Outro aspecto a ser considerado é que a capacidade de cada elevador deve ser superior à máquina por ele alimentada. Essa capacidade extra servirá para manter o fluxo contínuo da semente através da máquina, mesmo que esta utilize mais sementes do que deveria, num dado momento.
          A primeira máquina a ser utilizada é comumente a máquina de pré-limpeza (ex.: máquina de ar e peneira com 1 ou 2 peneiras), que é colocada logo após o local de recepção das sementes. Após essa máquina, a semente poderá ser secada ou armazenada a granel ou ainda ser conduzida diretamente para as máquinas de limpeza e classificação (Figuras 1 e 2). Quando as sementes entram na linha das máquinas de limpeza e classificação, a primeira máquina a ser utilizada é a máquina de ar e peneiras, com quatro peneiras ou mais e duas separações pelo ar (máquina básica da UBS).
          Como saber a quantidade de máquinas a serem compradas para a UBS? Seguindo o exemplo anterior para sementes de soja, deve-se calcular, em primeiro lugar, a capacidade da UBS como um todo: 2.500 toneladas brutas serão recebidas na UBS. Considerando que desde a colheita até o momento em que a semente esteja disponível para a comercialização ocorrem ao redor de quatro meses (maio a agosto), efetivamente ter-se-á 856 horas para beneficiar as 2.250 toneladas (mais ou menos 96 dias efetivos x um turno de 8 horas/dia), o que representa uma capacidade da UBS de 3,0 toneladas/hora. Com este dado, se pode escolher uma linha de beneficiamento com uma MAP de 4 toneladas/hora, uma bateria de 20 espirais duplos (200 kg/hora/dupla), um padronizador de 4 toneladas/hora, e uma mesa de gravidade de 4 toneladas/hora.
          Caso se necessite reduzir o período de beneficiamento ou a capacidade de armazenamento a granel ou operar com máquinas de beneficiamento de menor capacidade, as alternativas passam por realizar o beneficiamento simultaneamente à secagem ou operar a UBS em dois turnos de 8 h/dia.



          O separador de espirais apresenta o problema do alto nível de barulho provocado pela velocidade do impacto das sementes secas de soja contra as paredes metálicas da espiral externa por onde descarrega a semente de soja. Os fabricantes de separadores de espirais para sementes devem optar por fabricar o separador de espirais fechado, isto é, elimina-se a espiral externa e substitui-se por uma caixa fechada. Isto diminui consideravelmente o barulho, e o impacto da semente é amaciado pendurando-se a lâmina de borracha do bordo inferior da caixa.
          No caso da mesa de gravidade, se são obtidos três tamanhos de sementes de soja, pode-se instalar uma mesa de gravidade para cada tamanho ou pode-se armazenar sementes de dois tamanhos em silo-pulmão após o padronizador, para ir passando um de cada vez na mesa de gravidade.
 
          Armazenamento a granel e em sacos
          Na grande maioria das UBS, a recepção das sementes, em termos de t/hora, é muito maior do que a capacidade dos meios utilizados para a limpeza e classificação das sementes. Portanto, deverá ser previsto local apropriado para o armazenamento dessas sementes enquanto aguardam o seu beneficiamento. Seguindo o exemplo das sementes de soja, em que os meios utilizados para limpeza e classificação têm uma capacidade de 3t/h, a quantidade total esperada de sementes para beneficiamento é de 2.500 t, a qual dará entrada na UBS num intervalo de 40 dias, ou seja, numa recepção média de 62,5 t/dia. Admitindo-se que as máquinas operassem 12 h/dia - pois se deve considerar a limpeza, manutenção e outras fatores que concorrem para a sua paralisação -, em dois turnos de 8 horas de trabalho, durante 40 dias, as mesmas conseguirão beneficiar apenas 1.440 t (3 x 12 x 40 =1.440), permanecendo, portanto, ainda, 1.060 t para serem beneficiadas mais tarde (Figura 3).
          O armazenamento da semente após beneficiada necessita de certos cuidados quanto ao manuseio, localização e condições ambientais dentro da UBS, para minimizar efeitos prejudiciais à qualidade. O espaço destinado ao armazenamento final deverá ser bem mais amplo, pois neste espaço as sementes são manuseadas ensacadas, o que exige maior área. As sementes armazenadas nesta fase devem ficar separadas por lotes, exigindo por isso perfeito controle. Os sacos devem ser dispostos em pilhas que poderão conter mais de um lote, desde que de uma mesma variedade, perfeitamente identificados. A disposição das pilhas deve ter espaço suficiente entre elas, no mínimo 0,80m para permitir as operações de inspeção, amostragem, eventual necessidade de expurgo e no mínimo 3 m em corredores para utilização de veículos transportadores, como a empilhadeira ou "mula mecânica".
          O espaço na UBS para as sementes ensacadas, prontas para sua comercialização (2.000 toneladas), se calcula da seguinte maneira: num armazém com pé direito de 6m, deve-se deixar, no mínimo, 1,5m do topo da pilha até o teto. Logo, a altura da pilha de sementes será de 4,5m. Considerando 15 sacos/m3 (15 x 40kg/saco) se tem 600 kg ou 0,60 t/m3 ou 2,7 t/m2. Assim, para armazenar 2.000 toneladas, serão necessários 741 m2. Para considerar os espaços vazios e corredores (30%), se procede da seguinte maneira: 741 m2 correspondem a 70% do armazém - logo, 100% corresponde a 1.060 m2. Isto equivale a um armazém de ao redor de 50 m de comprimento por 20 m de largura e 6.0 m de altura.
          Utilizando um exemplo simples de uma UBS para sementes de soja, foram apresentados alguns passos considerados essenciais e importantes para que o produtor de sementes tenha ao menos uma visão geral do procedimento utilizado no planejamento da UBS e possa tomar as decisões necessárias para orientar os executores da obra e decidir com conhecimento de causa os equipamentos a serem adquiridos.
 
          “O investimento e o conhecimento técnico envolvidos no planejamento e na execução de uma UBS são, sem dúvida, elevados e consideravelmente superiores aos de uma Unidade de Beneficiamento de Grãos, levando em conta as características da unidade de secagem, as especificidades das operações e das máquinas de beneficiamento e a estrutura para armazenamento das sementes em sacos. Em vista disso, tem-se aumento inevitável no preço final da semente. Todavia, o acréscimo diferencial na qualidade dos lotes de sementes é, comprovadamente, inegável.”


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