Produção de Sementes de Milho Híbrido

Edição XII | 05 - Set . 2008
Rubens Eric Zanovello de Godoi-eric.godoi@monsanto.com
    SEMENTES DA TECNOLOGIA
    A atual produção de sementes de milho híbrido é o resultado de aproximadamente 70 anos de avanços científicos e tecnológicos, desde o lançamento do primeiro híbrido comercial no Brasil, em 1939, até os dias de hoje, com o aparecimento dos primeiros híbridos geneticamente modificados, evidenciando o grande avanço da moderna agricultura brasileira. A importância das sementes híbridas para a cultura do milho fica bem evidenciada quando se compara a evolução da área cultivada com sementes híbridas e a produtividade em toneladas por hectare (t/ha). Nos últimos quatro anos, a área cultivada com sementes híbridas de milho saltou de 8,2 milhões de hectares para 10,3 milhões (gráfico 1), e no mesmo período o aumento de rendimento foi superior a 17%.
    Apesar da interferência de vários fatores, pode-se inferir que este aumento de produtividade também mostra correlação com o aumento do uso de sementes híbridas. Este mesmo fato é observado historicamente em outras partes do mundo, quando se avança em tecnologia, como mostrado no gráfico 2. Nos EUA, até a década de 1930, utilizava-se quase que somente variedades (ditas de “polinização aberta”), e nas décadas seguintes até hoje só híbridos, começando com os híbridos duplos e depois mudando para híbridos simples, e atualmente híbridos simples geneticamente modificados em grande volume (os chamados híbridos “Biotech”).

    O MILHO HÍBRIDO
   Conceitualmente, o milho híbrido explora uma das mais conhecidas e valiosas contribuições práticas do melhoramento genético ao ser humano e à agricultura mundial, que é o “vigor de híbrido” (ou heterose), descoberto há 100 anos atrás por George H. Shull (1908,1909). Desde sua descoberta, diversos eventos de destaque se seguiram, sendo que nos dias atuais já é possível contar com o uso de híbridos comerciais de milho transgênico, ou geneticamente modificados, que representam o que há de mais moderno neste setor (veja Figura 1).
    Para a safra de verão de 2008/09, o Brasil já conta com esta tecnologia, como é o caso do milho “YieldGard®”, que além dos benefícios de controle (Broca do colmo) e de supressão (Lagarta do cartucho, e Lagarta da espiga), pode trazer benefícios para o meio ambiente, com a sensível redução de uso de inseticidas, água e óleo diesel. Pode-se incorporar às sementes de milho, além destes benefícios mais conhecidos de tolerância a pragas e herbicidas, uma melhora na qualidade nutricional, e num futuro próximo, tolerância a doenças, a estresse hídrico e melhor aproveitamento do Nitrogênio.

    NO QUE CONSISTE O “VIGOR DE HÍBRIDO”?
    Ele ocorre ao se realizar cruzamentos programados entre linhagens endogâmicas divergentes (geneticamente diferentes), que são as unidades fundamentais para o desenvolvimento de programas de produção de sementes de milho híbrido. As linhagens são pouco produtivas em geral, pois para obtêlas, as plantas de milho são manualmente autofecundadas, e isto faz com que se perca produtividade (quatro vezes inferior aos híbridos em geral, ou até menos), representando o calcanhar de Aquiles na produção de sementes.
   O primeiro híbrido a ser produzido foi o híbrido simples, onde se evidencia a progressiva perda de vigor e consequente produtividade ao longo das autofecundações. Há vários tipos de híbridos, e todos são constituídos de linhagens. Alguns foram idealizados para viabilizar a produção econômica de sementes, como é o caso do híbrido duplo criado por Donald Jones, em 1918. Este pesquisador tentou eliminar um problema de baixa produtividade de sementes das fêmeas dos primeiros híbridos simples, que eram linhagens de baixo rendimento de sementes. Ele utilizou como fêmea o próprio híbrido formado entre duas linhagens, o que rendeu bem mais sementes.
     Neste tipo de híbrido um pouco do  vigor possível foi diminuído, mas viabilizou, na época, a produção econômica de sementes. Atualmente, caminha-se para o uso de híbridos com menor número de linhagens, como no caso de híbridos triplos (fêmea HS e macho linhagem), híbridos simples modificados (fêmea HS entre linhagens relacionadas e macho linhagem), e o simples puro (cruzamento entre linhagens apenas). Por esta razão, as empresas estimulam e direcionam seus melhoristas (pesquisadores especializados na criação de novos híbridos) a selecionarem linhagens que produzam bons híbridos, mas sem perder de vista características favoráveis à produção econômica de sementes.
    É neste ponto que as modernas tecnologias de engenharia genética, como marcadores moleculares e o uso de dihaplóides, podem auxiliar os melhoristas a reduzir o número de ciclos e aumentar a efetividade da seleção. Em contrapartida, é um nível de tecnologia que não está disponível a todas as empresas do setor, pois demanda investimentos contínuos de milhões de dólares, em que há empresa que investe ao redor do mundo cerca de US$ 2 milhões por dia em pesquisas agrícolas.


    PROGRAMAÇÃO DE PRODUÇÃO, UM DESAFIO CONSTANTE
   O planejamento da produção de sementes híbridas é um dos pontos mais críticos neste setor, pois depende de uma programação perfeitamente alinhada com o mercado, momento e tendências. Todo processo industrial requer uma boa conexão entre análise de marketing, vendas e produção, para determinar o volume correto de produtos, mas no caso do mercado de sementes isto é particularmente desafiador. É preciso ter muito bem identificadas as necessidades dos agricultores e do mercado, onde diversos eventos podem levar a uma mudança radical no planejamento, inclusive influenciando os rumos das pesquisas dos melhoristas, como no caso de novas doenças.
     Outro fato que mostra a importância desta antecipação é que, para alguns tipos de híbridos, são necessárias estimativas de produção de até três safras, como para os híbridos simples modificados, híbridos triplos e também no caso do híbrido duplo. Tome-se este último como exemplo, por ser o mais complexo, onde para obtê-lo deve-se aumentar a quantidade de sementes das linhagens “A”, “B”, “C” e “D”, em uma safra. Em outra, cruzar "A" com "B" para formar o macho híbrido simples “AB”, e também cruzar as linhagens “C” com “D” para formar a fêmea híbrido simples “CD”.
   Por fim, na terceira produzir a semente do híbrido duplo “ABCD”, através do cruzamento dos dois híbridos simples “AB” com o “CD”. Na verdade, no planejamento da produção, isto se faz de trás para frente, começando por estimar quanto será a venda de sementes do híbrido final, e, com base na produtividade histórica de sementes das fêmeas e machos, prever as necessidades de sementes dos híbridos simples parentais e linhagens.
    Há ainda um outro fator que torna a produção de sementes um desafio constante, que é o clima. A primeira parte da “fábrica” de sementes está a céu aberto, ou seja, é no campo que as sementes são produzidas, portanto, estão sujeitas às variações das condições climáticas, que muitas vezes podem ocasionar perdas consideráveis devido à chuva na colheita, geadas, secas, etc. Para países como os EUA, há necessidade de planejamento de produção de sementes até em outro hemisfério, que é facilmente compreendido pela ocorrência de invernos rigorosos.                                                                                                             
    Já no Brasil, em muitos estados, pode-se produzir sementes em duas safras (verão e inverno). Desta forma, assim como em nosso país, Argentina e Chile podem produzir sementes durante o inverno do hemisfério norte, e depois exportar sementes prontas, o que representa uma importante fonte de divisas. Sementes híbridas são exportadas, não só para os Estados Unidos, mas também entre os diversos países da América Latina, que possuem diferentes dificuldades de produção.
   
 
    Graf. 1 - Evolução do mercado de sementes híbridas em milhões de hectares (últimas 4 safras).

   
 
    Graf. 2 - Média de produtividade de milho nos E.U.A desde a guerra civil até os dias de hoje.

    Há um outro caminho, que é inverso, sendo necessária a importação de sementes em certas situações, como a possibilidade de utilizar os recursos genéticos de diferentes filiais internacionais, e também de laboratórios de engenharia genética da matriz, para estudos, ou introdução de genes em linhagens parentais. Estas sementes voltam em pouca quantidade ao país de origem para posterior aumento e produção dos híbridos.

    GARGALOS PARA PRODUÇÃO DE SEMENTES DE ALTA QUALIDADE
    Nos últimos dois anos, viu-se uma mudança importante ocorrer no cenário mundial de comodities, e, particularmente, para milho, os estoques estão muito baixos, elevando os preços dos alimentos. A indústria de sementes sofreu assim um grande impacto, aumentando sua demanda rapidamente. Este aumento pode levar a gargalos na produção de sementes de alta qualidade, se alguns pontos não puderem ser antecipados. As empresas de sementes visualizaram este momento, e estão investindo milhões de dólares para expansões de suas instalações em diversos estados, para elevar consideravelmente sua capacidade.
    Para ter volume e qualidade, é necessário adquirir máquinas de última geração para essas expansões, equipando as unidades de beneficiamento de sementes (“UBS”), e também iniciar a introdução de novidades tecnológicas, como as máquinas de separação de sementes danificadas através de imagens de alta definição e filtros de cores, as chamadas “color sorters”. Estes equipamentos são capazes de separar as sementes eventualmente atacadas por fungos, e insetos em alguns casos, e descartá-las, ficando as sementes de alta qualidade germinativa para serem disponibilizadas aos clientes agricultores.
 
    PRODUÇÃO NO CAMPO: - POR QUE HÁ NECESSIDADE DE PLANTAS “MACHO” E “FÊMEA”?
    Para se realizar a hibridação, é necessário que grãos de pólen do pendão (inflorescência masculina) de uma planta, fertilizem as “bonecas” (inflorescência feminina)  de outra. Além disso, para que isto ocorra, deve-se semear no campo linhas eleitas como fêmeas separadas de outras eleitas como machos. O milho tem como característica a fertilização cruzada e aberta, fazendo com que seja necessário evitar que as plantas eleitas como fêmeas se auto-polinizem. Para isso, se utiliza um procedimento chamado de despendoamento, ou retirada do pendão da fêmea antes da liberação de seu pólen.
    Em média, duas pessoas por dia despendoam um hectare, ou em outras palavras, uma pessoa em um dia de oito horas de trabalho realiza esta atividade em 0,5 hectare. Ao contar todas as vezes que esta operação é realizada (se diz “passada”), tem-se em média entre quatro a cinco diárias por hectare. Estes valores podem variar, pois dependem da habilidade dos trabalhadores, de certas características da planta fêmea, e principalmente se houver a utilização de um equipamento chamado “porta-homens”, que auxilia o trabalho manual, ou máquinas despendoadoras automáticas,  mas não deixam de ser uma referência para o leitor.
    Com esta operação bem realizada, tem-se somente os pendões das linhas macho liberando pólen, ocorrendo a hibridação nas fêmeas. Se fossem deixadas as fêmeas se auto-polinizarem, suas sementes tenderiam a gerar plantas de menor vigor, acontecendo o que tecnicamente se chama de “recuperação dos parentais originais”, que em geral são menos produtivos. Outra característica da produção de sementes híbridas é a necessidade de várias linhas de fêmeas serem polinizadas por poucas linhas de machos.
      A proporção de linhas fêmea e macho (relação F/M), num campo de um determinado híbrido, depende fortemente da capacidade de polinização que as plantas macho tiverem. Esta capacidade é influenciada por diversos fatores, entre eles está a relação de porte das plantas macho e fêmea, e a quantidade de pólen produzida pelos machos. Logicamente, se procura a maior proporção possível, ou seja, mais plantas fêmeas que machos, pois as sementes serão colhidas apenas nas linhas fêmeas, que possuem as sementes híbridas. As linhas de machos serão muitas vezes destruídas após completada a fertilização, com exceção de alguns híbridos duplos.
   
   
    Despendoamento Manual.

    IRRIGAÇÃO EM CAMPOS DE SEMENTES, SEUS BENEFÍCIOS
   Em geral, os campos de produção de sementes são feitos em áreas irrigadas. Pode-se dizer que um dos principais fatores óbvios é viabilizar a produção em épocas que normalmente não se poderiam produzir sementes, em razão da falta de chuvas em volume adequado. Outro fato é que a irrigação é importante na garantia de sucesso de um campo de produção de sementes, que tem alto valor, e não pode estar muito exposto a riscos, como falta de água nos momentos mais críticos da cultura.
    Além disso, ela facilita a semeadura das linhas fêmeas e machos em momentos diferentes, que por vezes é necessário, levando em consideração que são linhas geneticamente diferentes, e que podem apresentar ciclos distintos. O parental que floresce mais tarde deve ser semeado primeiro, para que haja coincidência de florescimento, e haja a hibridação. Outros pontos se referem aos tratos culturais, como adubação, controle de ervas invasoras (plantas daninhas), controle de pragas, e também controle de doenças.      

    SEMENTES DE ALTA QUALIDADE: COMO CONSEGUIR ALCANÇAR AS METAS DE ALTA GERMINAÇÃO?
   Os cuidados no recebimento e beneficiamento de sementes são fundamentais para obterem-se sementes de alta qualidade. Uma vez colhidas, as sementes receberão nas UBSs, basicamente, os cuidados para manutenção da sua vida, ou de seu poder germinativo e vigor. Uma vez que não haverá acréscimo à germinação e vigor, o que pode ser feito é minimizar as perdas dessas características durante o processo. Impactos na semente podem causar danos mecânicos que, acumulados ao longo do recebimento e beneficiamento poderão refletir na queda de germinação ou vigor das sementes híbridas.
    Um grande número de detalhes é observado durante o  processamento, e há diversos equipamentos que podem provocar muitos danos às sementes. Desta forma, amortecedores,  como lonas, partes de borracha ou qualquer outro material, podem auxiliar a absorver impactos e reduzir danos. A despalha das espigas é um processo que, além de gerar perdas quando feita mecanicamente, pode causar sérios danos.
    A secagem é outro importante fator na manutenção da qualidade fisiológica, não devendo expor as sementes a altas temperaturas no início deste processo, quando elas estão ainda com alta umidade, podendo trazer danos irreparáveis. Durante a debulha, pré-limpeza, classificação e tratamento das sementes, deve-se estar sempre atento para todos os pontos de impacto na semente. O processo de controle de qualidade também conta com tecnologias modernas ligadas principalmente à análise de sementes. Utilizam-se equipamentos com leitura de imagens, auxiliando no processo de classificação, e também metodologias de análise, automação e controles estatísticos dos processos.
 
    SISTEMA ISO 9001 E MELHORIA CONTÍNUA
    A certificação ISO 9001 tem como uma de suas grandes vantagens a padronização e o seguimento a procedimentos, além da melhoria contínua, onde são realizadas avaliações periódicas da eficácia dos processos, envolvendo aspectos técnicos e humanos, no que diz respeito a necessidades de treinamento e capacitação. Após comentar sobre gargalos, investimentos, processo e produção de sementes de alta qualidade fisiológica, não se pode deixar de escrever sobre evoluções contínuas, através de estratégias modernas de melhoria de processos nas áreas agrícolas e industriais, com otimização de custos.
   Este é o caso das metodologias “Seis Sigma” e “Lean”, já consagradas na indústria automobilística, e começando a ser utilizadas mais recentemente na indústria de sementes. Elas estão voltadas à diminuição de defeitos (ou erros) e menor variação de processos, assim como agilização e otimização de fluxos, e eliminação de desperdícios, o que pode auxiliar a enfrentar os desafios de aumento de custos do setor agrícola em geral, e propiciar melhor qualidade de sementes.

    BIOTECNOLOGIA E ENGENHARIA GENÉTICA SÃO UMA REALIDADE PARA O MILHO HÍBRIDO?
    Há muita segurança do sucesso a longo prazo desta nova tecnologia, e diversos pesquisadores também possuem esta confiança, tomando como exemplo comentários do comissário de pesquisas científicas da União Européia, Philippe Busquin, após 15 anos de pesquisas que envolveram 400 times de cientistas na Europa: -”Os resultados das pesquisas e a crescente experiência prática, serviram de base para políticas regulatórias e de gerenciamento de risco, além do excelente registro de segurança dos organismos geneticamente modificados até hoje, contribuindo para a continuidade da confiança pública na tecnologia e nos seus produtos.” (Fonte: http://europa.eu.int/comm/research/quality-of-life/gmo/index.html - 9/out/2001).

    RESUMO FINAL
    Espera-se ter contribuído para deixar mais clara a importância do milho híbrido, seu papel na agricultura mundial e no Brasil, e que a produção de suas sementes não pode ser resumida em poucas palavras, como: semear, colher e embalar. Ela envolve centenas, ou milhares de pessoas e processos bem controlados em diferentes áreas, desde a pesquisa, produção, laboratórios,  desenvolvimento de produtos, marketing, até a distribuição logística e comercialização. 

   
 
    Fig.1 - Sequência de eventos históricos do milho híbrido.

    A programação de produção envolve desafios constantes, e faz com que a indústria de sementes se aproxime cada vez mais do mercado, suas tendências, e do cliente, o agricultor. A produção de sementes híbridas de milho de alta qualidade genética e fisiológica envolve diversos controles dos processos de produção, auxiliados por sistemas de padronização, como ISO 9001.
   Enfim, esta alta qualidade começa a ser definida na correta escolha da área de semeadura das linhas fêmea e macho, e depende posteriormente do sucesso de diversos outros fatores, como: despendoamento, irrigação e tratos culturais nos momentos apropriados, colheita na umidade adequada, secagem preservando o melhor vigor das sementes, e termina no beneficiamento ao diminuir impactos mecânicos. Também conta com o que de mais moderno está à disposição do setor, como o uso de satélites na agricultura de precisão, uso de marcadores moleculares auxiliando o melhoramento genético, híbridos transgênicos para diferentes necessidades, e ainda muita pesquisa em novas tecnologias para otimização das atividades no campo e nas UBSs.

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