A pesquisa e o futuro da sojicultura brasileira

Edição XXIII | 01 - Jan . 2019
Manoel Olímpio de Vasconcelos Neto-manolimpio@terra.com.br

A frouxidão da Lei de Proteção de Cultivares - LPC (Lei nº 9.456/1997) tem servido de alavanca para a crescente e desenfreada prática de salvar sementes, sem proporcionar ao obtentor vegetal a devida retribuição pelos investimentos na pesquisa agrícola e no desenvolvimento de novas e melhores cultivares das diversas espécies agrícolas domesticadas.

Apesar de o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) ter sido comandado nos últimos anos por pessoas fortemente ligadas ao agronegócio (Antônio Andrade, Kátia Abreu, Neri Geller e Blairo Maggi), pouco ou nenhum esforço foi direcionado para promover os esperados avanços na LPC, de forma a tornar social e economicamente mais justa e equilibrada a relação pesquisa-produção de sementes-agricultor.  Espera-se que com a ministra Tereza Cristina no comando daquela Pasta, essa distorção possa ser urgentemente revista.  

O plantio da soja sobre soja (soja safrinha), longe de atender às necessidades dos agricultores (sojicultores) por sementes de produção própria – de “mais baixo custo”, na verdade tem se prestado para abastecer o mercado ilegal de sementes, atividade que está levando a indústria nacional de sementes à bancarrota.

Algo muito mais danoso e ameaçador está à espreita, e sua sombra se assemelha a males que no passado abalaram fortemente setores expressivos da economia agrícola do país, a exemplo da Ferrugem do café (Hemileia vastatrix); da Vassoura-de-Bruxa (Crinipellis perniciosa), que praticamente dizimou a cultura do cacau no sul da Bahia; e o bicudo-do-algodoeiro (Anthonomus grandis), que deslocou o eixo de produção do algodão, antes concentrado nos estados de São Paulo, Paraná e no Semi-Árido Nordestino, para os estados do Mato Grosso, Goiás e o Oeste da Bahia.

Hoje, a maior ameaça fitossanitária do país paira sobre a soja e atende pelo nome de Ferrugem asiática da soja, doença causada pelo fungo Phakopsora pachyrhizi. Essa é a doença mais severa da cultura da soja e, se medidas radicais não forem adotadas pelas autoridades fitossanitárias do país, pode vir a abalar fortemente um dos principais pilares da economia nacional – o agronegócio –, que tem no complexo soja a sua expressão máxima. Desnecessário falar do peso da soja nas exportações brasileiras e da sua importância para o equilíbrio da balança comercial do país.

O plantio da soja safrinha tem reduzido drasticamente a eficiência dos fungicidas disponíveis no mercado, fazendo com que a doença se manifeste mais severamente a cada safra agrícola, principalmente na chamada safra de verão (a principal do país). A única forma cientificamente comprovada para reduzir as populações do inóculo é coibir o plantio da soja no período do vazio sanitário, cumprindo rigorosamente com os indicativos do zoneamento agrícola de risco climático (ZARC) e com a calendarização das datas de plantio e colheita no território nacional. Nenhuma unidade da Federação pode se furtar a esse esforço, que, na medida do possível, também tem que ser compartilhado com os países limítrofes produtores de soja – Paraguai e Bolívia, principalmente.

Sobre a Ferrugem asiática da soja existem vários manifestos cobrando do MAPA a edição de normativo declarando-a uma “emergência fitossanitária nacional” e fixando regras rígidas para o cumprimento do “vazio sanitário” e da “calendarização das datas de plantio e colheita”, de forma a penalizar severamente àqueles que descumprirem as determinações legais ora estabelecidas.

Há necessidade de o MAPA trazer à sua responsabilidade a gestão de temas caríssimos para o futuro da sojicultura nacional. Ao lado da Ferrugem asiática da soja, o “refúgio” e o “uso indiscriminado de sementes sem origem comprovada”, têm sido motivo de debates e preocupações pela comunidade científica brasileira.

A falta de determinação legal para a obrigatoriedade de áreas de refúgio nas propriedades rurais que cultivem soja transgênica portadora de genes de resistência a insetos contribuem para encurtar a vida útil dessas tecnologias e, mais grave, criam populações de insetos a cada ano mais resistentes.

Tome-se como exemplo o herbicida Glifosato, que no passado combatia as principais plantas daninhas da soja e hoje mostra-se ineficiente para muitas delas – buva, azevém, caruru, capim-pé-de-galinha. Daí conclui-se que o manejo inadequado das plantas transgênicas pode contribuir para o surgimento de plantas e insetos altamente resistentes às biotecnologias que se prestavam a combatê-los.

A prática de salvar sementes tem levado as empresas de pesquisa e melhoramento vegetal a uma condição econômico-financeira extremamente delicada. A LPC, como dito no início desta matéria, abriu a possibilidade de o agricultor salvar sua própria semente sem com isso ferir o direito de propriedade do titular da proteção. Fosse essa exceção apenas em benefício do mini e pequeno agricultor, nada tinha-se a questionar, até porque essa era a intenção do legislador. Ocorre, entretanto, que essa prática atingiu proporções inimagináveis, a ponto de o agricultor hoje investir em equipamentos e estruturas de beneficiamento e armazenamento comparáveis às das modernas indústrias de sementes do país. Ou seja, exerce de fato a atividade de produtor de sementes, porém sem a obrigatoriedade de cumprir com a legislação federal e sem pagar os royalties correspondentes ao titular dos direitos de proteção, conforme previsto na LPC.

Nesse ritmo, as poucas empresas de pesquisa e melhoramento vegetal que ainda restam no país, muito em breve, deixarão de existir. 

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