A frouxidão
da Lei de Proteção de Cultivares - LPC (Lei nº 9.456/1997) tem servido de
alavanca para a crescente e desenfreada prática de salvar sementes, sem
proporcionar ao obtentor vegetal a devida retribuição pelos investimentos na
pesquisa agrícola e no desenvolvimento de novas e melhores cultivares das diversas
espécies agrícolas domesticadas.
Apesar de o
Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) ter sido comandado
nos últimos anos por pessoas fortemente ligadas ao agronegócio (Antônio
Andrade, Kátia Abreu, Neri Geller e Blairo Maggi), pouco ou nenhum esforço foi
direcionado para promover os esperados avanços na LPC, de forma a tornar social
e economicamente mais justa e equilibrada a relação pesquisa-produção de
sementes-agricultor. Espera-se que com a
ministra Tereza Cristina no comando daquela Pasta, essa distorção possa ser
urgentemente revista.
O plantio da
soja sobre soja (soja safrinha), longe de atender às necessidades dos
agricultores (sojicultores) por sementes de produção própria – de “mais baixo
custo”, na verdade tem se prestado para abastecer o mercado ilegal de sementes,
atividade que está levando a indústria nacional de sementes à bancarrota.
Algo muito mais
danoso e ameaçador está à espreita, e sua sombra se assemelha a males que no
passado abalaram fortemente setores expressivos da economia agrícola do país, a
exemplo da Ferrugem do café (Hemileia vastatrix);
da Vassoura-de-Bruxa (Crinipellis perniciosa), que
praticamente dizimou a cultura do cacau no sul da Bahia; e o
bicudo-do-algodoeiro (Anthonomus grandis),
que deslocou o eixo de produção do algodão, antes concentrado nos estados de
São Paulo, Paraná e no Semi-Árido Nordestino, para os estados do Mato Grosso,
Goiás e o Oeste da Bahia.
Hoje, a
maior ameaça fitossanitária do país paira sobre a soja e atende pelo nome de
Ferrugem asiática da soja, doença causada pelo fungo Phakopsora pachyrhizi.
Essa é a doença mais severa da cultura da soja e, se medidas radicais não forem
adotadas pelas autoridades fitossanitárias do país, pode vir a abalar fortemente
um dos principais pilares da economia nacional – o agronegócio –, que tem no
complexo soja a sua expressão máxima. Desnecessário falar do peso da soja nas
exportações brasileiras e da sua importância para o equilíbrio da balança
comercial do país.
O plantio da
soja safrinha tem reduzido drasticamente a eficiência dos fungicidas
disponíveis no mercado, fazendo com que a doença se manifeste mais severamente
a cada safra agrícola, principalmente na chamada safra de verão (a principal do
país). A única forma cientificamente comprovada para reduzir as populações do
inóculo é coibir o plantio da soja no período do vazio sanitário, cumprindo
rigorosamente com os indicativos do zoneamento agrícola de risco climático
(ZARC) e com a calendarização das datas de plantio e colheita no território
nacional. Nenhuma unidade da Federação pode se furtar a esse esforço, que, na
medida do possível, também tem que ser compartilhado com os países limítrofes
produtores de soja – Paraguai e Bolívia, principalmente.
Sobre a
Ferrugem asiática da soja existem vários manifestos cobrando do MAPA a edição
de normativo declarando-a uma “emergência fitossanitária nacional” e fixando
regras rígidas para o cumprimento do “vazio
sanitário” e da “calendarização das
datas de plantio e colheita”, de forma a penalizar severamente àqueles que
descumprirem as determinações legais ora estabelecidas.
Há
necessidade de o MAPA trazer à sua responsabilidade a gestão de temas
caríssimos para o futuro da sojicultura nacional. Ao lado da Ferrugem asiática
da soja, o “refúgio” e o “uso indiscriminado de sementes sem origem comprovada”,
têm sido motivo de debates e preocupações pela comunidade científica
brasileira.
A falta de
determinação legal para a obrigatoriedade de áreas de refúgio nas propriedades
rurais que cultivem soja transgênica portadora de genes de resistência a
insetos contribuem para encurtar a vida útil dessas tecnologias e, mais grave,
criam populações de insetos a cada ano mais resistentes.
Tome-se como
exemplo o herbicida Glifosato, que no passado combatia as principais plantas
daninhas da soja e hoje mostra-se ineficiente para muitas delas – buva, azevém,
caruru, capim-pé-de-galinha. Daí conclui-se que o manejo inadequado das plantas
transgênicas pode contribuir para o surgimento de plantas e insetos altamente resistentes
às biotecnologias que se prestavam a combatê-los.
A prática de
salvar sementes tem levado as empresas de pesquisa e melhoramento vegetal a uma
condição econômico-financeira extremamente delicada. A LPC, como dito no início
desta matéria, abriu a possibilidade de o agricultor salvar sua própria semente
sem com isso ferir o direito de propriedade do titular da proteção. Fosse essa
exceção apenas em benefício do mini e pequeno agricultor, nada tinha-se a
questionar, até porque essa era a intenção do legislador. Ocorre, entretanto,
que essa prática atingiu proporções inimagináveis, a ponto de o agricultor hoje
investir em equipamentos e estruturas de beneficiamento e armazenamento
comparáveis às das modernas indústrias de sementes do país. Ou seja, exerce de
fato a atividade de produtor de sementes, porém sem a obrigatoriedade de
cumprir com a legislação federal e sem pagar os royalties correspondentes ao
titular dos direitos de proteção, conforme previsto na LPC.
Nesse ritmo,
as poucas empresas de pesquisa e melhoramento vegetal que ainda restam no país,
muito em breve, deixarão de existir.