Construindo pontes para o negócio global de sementes

Edição XXI | 04 - Jul . 2017
Silmar Teichert Peske-silmar@seednews.inf.br

    A SEEDnews é uma das quatro revistas globais que mantêm parceria com a “International Seed Federation” (ISF) com objetivo de promover o uso e o comércio de sementes, em nível doméstico ou global. Neste sentido, todos os anos, a revista se faz presente com seus profissionais, no congresso anual da entidade, cobrindo as diferentes atividades, como palestras, reuniões técnicas e mesas de negócio. Além de aproveitar a oportunidade para realizar entrevistas e contatos pessoais com empresários de diferentes regiões do mundo. 

    Neste ano de 2017, ocorreu o 68o congresso de sementes da ISF, na cidade de Budapest (Hungria), com mais de 1.700 participantes oriundos de 75 países, sendo que, dentre os 82 integrantes da América Latina, o Brasil aportou com 11 participantes. A atividade principal do evento são as negociações que ocorrem entre as empresas, e para tal, mais de 200 mesas, com quatro lugares cada, são disponibilizadas. É comum um participante tomar parte de mais de 20 encontros de negócios, de 15 a 30 min, durante os três dias do evento. 

Mensagem do presidente da ISF

Na sessão da cerimônia de abertura do congresso, o presidente da ISF, Dr. Jean-Christophe Gouache, proferiu um discurso sobre a importância da diversidade genética no melhoramento vegetal, cujo resumo transcrevemos a seguir:

Alcançando os desafios de um mundo em transformação

    “Como um ano pode fazer diferença! De forma geral, os últimos 12 meses foram definidos por alguns eventos capazes de quebrar paradigmas antigos. Hoje, em política, tecnologia e comércio, não há dúvidas que a velocidade das mudanças está aumentando."

    Este mundo sob transformação também é sujeito a incertezas e instabilidades. Incertezas devido aos impactos das mudanças climáticas. Instabilidades devido às guerras e conflitos. Eventos que podem ter impacto na biodiversidade e conservação dos recursos genéticos.


Jean-Christophe Gouache, presidente da ISF

    Neste mundo sob transformação, são os valores permanentes que mantêm nossos pés no chão, como nossas casas e famílias, nosso trabalho e colegas. Em qualquer caso, são as pessoas que mais importam, são as pessoas que você recorda.
    Uma pessoa que nunca esquecerei é um sujeito que conheci durante este ano em viagem rumo ao Banco de Germoplasma Global em Svalbard - Noruega. Como sabemos, este é um lugar onde importantes recursos genéticos são depositados para conservação, buscando assim protegê-los contra grandes catástrofes capazes de extingui-los.
    Viajando conosco no avião, a partir de Oslo (Noruega), estavam caixas de amostras de sementes do Instituto de Pesquisa Agronômica em Terras Áridas (ICARDA). Ainda junto, estava o chefe do departamento de recursos genéticos do ICARDA, Ahmed Amri, o qual me contou a história por trás destas sementes. 
    Há algum tempo, estes recursos genéticos estavam disponíveis para toda a comunidade de melhoristas no mundo e eram distribuídos sempre que havia demanda. Porém, assim que a guerra se estabeleceu na Síria, as amostras de sementes armazenadas em Aleppo, principal centro do ICARDA, não estavam mais disponíveis e as fontes estavam se exaurindo.
    Felizmente, o Instituto havia depositado amostras de sementes no Banco de Germoplasma há muitos anos. As sementes foram coletadas em 2015 e estes recursos genéticos foram multiplicados no Líbano e Marrocos, em 2016. Desta vez, o ICARDA estava trazendo uma nova fonte para backup, garantindo o futuro destes recursos genéticos e, assim, continuar sua missão com sucesso.
    Preciso dizer que, como já fui melhorista, não consegui escutar esta história sem emoção. Testemunhar o retorno destas caixas em primeira mão, realmente teve um impacto em mim. Como sementeiros, sabemos o papel fundamental que recursos genéticos têm em resolver os desafios globais da agricultura. É através de nossos melhoristas que temos capacidade de trabalhar no caminho de nossa visão de ‘um mundo onde a semente de melhor qualidade está acessível a todos, suportando a agricultura sustentável e a segurança alimentar’.
    É através do comprometimento de nossa indústria de sementes que temos a capacidade de prover o comércio internacional, utilizando os recursos genéticos vegetais e o fundo global de diversidade das espécies, conforme a ISF demonstra oferecendo suporte financeiro para ambos. Nestes tempos incertos e instáveis, preservar recursos genéticos é vital para futuras gerações. 



Quanta diferença um ano pode fazer!
    Foi somente algumas semanas após nosso congresso no Uruguai (maio de 2016), que escutamos as notícias. Está ocorrendo agora, a Inglaterra está concretizando o Brexit.
    Apenas dois meses atrás, na última reunião do G20, pela primeira vez, os perigos do protecionismo e a importância do livre comércio não foram reconhecidos. Não é encargo da ISF comentar a respeito de quaisquer eventos políticos, mas não podemos ignorá-los, caso tenhamos o desejo de nos manter relevantes.

Manuseio de amostras para o Banco Internacional de Germoplasma

    Quando trabalhamos tanto para ‘criar o melhor ambiente para o comércio global de sementes’, temos que reconhecer que as tendências políticas podem ser desfavoráveis em alguns casos. No entanto, devemos continuar a promover harmonia das normas e regulamentos a fim de permitir o livre comércio. Indiferente se você está realizando melhoramento, produção ou comércio de sementes, o livre comércio importa muito em nosso negócio. 
    Neste mundo em transformação acelerada, o trabalho da ISF em facilitar o movimento das sementes é mais importante do que nunca para todos nós. O alicerce deste ano foi o trabalho realizado na padronização internacional das medidas fitossanitárias.
    Neste ano, junto ao secretário geral da ISF, tenho continuado a me engajar por todo o mundo, participando em congressos regionais na Ásia, África e Europa, a fim de promover o melhor ambiente para o comércio global de sementes. Nós continuamos a nos engajar em projetos como ‘Promovendo negócios em agricultura’, do Banco Mundial, o qual têm por objetivo favorecer regulamentações para sementes e um ambiente ideal para o desenvolvimento do setor.

Michael Keller, secretário- executivo da ISF


Quanta diferença um ano pode fazer!
    No mundo da ciência, as coisas estão se movendo rapidamente. Nos recentes anos, um dos acrônimos que tem se tornado exemplo de inovação em melhoramento vegetal é o ‘CRISPR-Cas9’. 
    O volume de publicações envolvendo ou relatando o CRISPR passaram de 36, em 2010, para 1431, em 2016. O número de artigos internacionais sobre o CRISPR subiu de 76, em 2010, para 3553, em 2016; isto representa 10 artigos por dia!
    Estas tecnologias de edição de gens terão impactos muito além do mundo de sementes. Mas, para nós, terão o potencial de revolucionar o melhoramento vegetal, abrindo possibilidades de liberar o potencial da biodiversidade.
    Porém, isto somente se torna realidade se o cenário regulatório no qual operamos mundialmente seja eficiente. A ISF definiu a inovação em melhoramento vegetal como sua prioridade. Nós temos que fazer tudo ao nosso alcance para irmos em direção de políticas mais consistentes para produtos desenvolvidos através dos últimos métodos de melhoramento, caso tenhamos desejo de torná-las acessíveis e garantir um comércio ininterrupto.





    Indiferentemente de o assunto ser instabilidade política, mudanças climáticas ou avanços científicos, não podemos negar que vivemos em um mundo sob constante transformação. Eu utilizei apenas três exemplos, mas há muitos outros. Não podemos nos dar ao luxo de permanecermos parados. Responder e adaptar-nos aos desafios em nossa frente é a maneira de continuarmos a ter sucesso, e não apenas sobrevivermos neste mundo sob transformação. 
    Isto dá propósito e significado ao trabalho que fazemos juntos dentro da ISF para alcançarmos nossa missão de criar o melhor ambiente para comércio global de sementes, e promover inovação do melhoramento vegetal”.

Jim e Steven Udsen, diretores da empresa Agristar com cliente


Atividades e posicionamento da ISF
    As atividades da ISF podem ser consideradas como pontes que são construídas para melhor atender as necessidades dos agricultores, o ambiente, a biodiversidade, as mudanças climáticas e a segurança alimentar. Isto através de ações de representação, forte envolvimento e comunicação. Reforçando as pontes, criam-se oportunidades, as quais fornecem suporte ao negócio. Os objetivos atuais da entidade são desenvolver atividades, contemplando: Acesso e uso aos recursos genéticos; Inovações no melhoramento genético; Direitos de propriedade intelectual e; Movimento global de sementes.
    Em termos dos recursos genéticos, essenciais para o melhoramento vegetal, a ISF suporta os tratados internacionais sobre manejo e troca de materiais, cujo acesso e benefício devem contemplar o comércio. Por outro lado, as inovações no melhoramento genético aceitam ferramentas e processos de biotecnologia. Neste sentido, a entidade considera como convencional as seguintes técnicas com seus resultados: Mutação direcionada, em que se faz a retirada ou adição de pequenos nucleotídeos para silenciar um alelo; Edição direcionada, que consiste em recriar um alelo de uma planta através de sua própria espécie, entretanto selvagem e; Inserção direcionada, que consiste em inserir um gene oriundo do genoma da própria espécie. Inserir gene oriundo de fora do genoma da própria espécie é considerado geneticamente modificado.
    Uma entidade com aceite, reputação e credibilidade pode servir como ponte para valorização da semente, sensibilizar governantes e ter o reconhecimento da sociedade civil.

Diretora da SEEDnews, Marilanda B. Peske, no estande da revista.


As Negociações  
    As principais negociações são com a produção de sementes de hortaliças e de milho híbrido em países com vantagens naturais de clima ou de mão de obra. Muitas empresas holandesas de melhoramento de hortaliças contratam a produção de sementes em países do hemisfério sul, assim como as de milho dos EUA. Em hortaliças, é comum as sementes passarem por vários países antes de serem ofertadas aos agricultores. Por exemplo, são criadas na Holanda, enviadas para o Chile para a produção de sementes básicas, retornadas para a Holanda para o beneficiamento, enviadas para a China para a produção de sementes comerciais, retornadas para a Holanda para o beneficiamento e enviadas para o Brasil para serem ofertadas aos agricultores.  
    Além dos negócios com sementes em si, outras negociações também ocorrem, como a prestação de serviços de informática, rastreabilidade, equipamentos para beneficiamento das sementes, produtos para tratamento e coating em sementes, representações comerciais e apresentação de novos produtos.
    As negociações envolvem empresas de diferentes países e regiões, em que a semente deve estar no local certo no momento adequado com características predeterminadas. Para assegurar isto, um contrato é assinado entre as diferentes partes envolvidas. Considerando que nem sempre ambos os lados ficam satisfeitos com a operação, a ISF possui uma câmara de arbitragem, cujo objetivo principal é esclarecer a situação o mais rápido possível, a fim de evitar  perdas e transtornos como tempo, dinheiro e barreiras linguísticas nas vias judiciais nacionais, envolvendo empresas de distintos países. Em resumo, o processo é rápido, flexível, conduzido por profissionais da área, de orientação comercial, confidencial e de fácil execução.

Empresário Ricardo Yapur, da empresa Rizobacter, verificando a agenda de reuniões


    A ISF possui um documento chamado de Regras do comércio e arbitragem (criadas em 1928), que contempla orientações para o comércio de sementes, entre elas a adoção de um contrato, constando, entre outros itens, a quantidade de semente, o preço de sementes por kg ou por unidade, forma de pagamento, seguro, embalagem, local e data de entrega, pureza e germinação. Anualmente, milhares de contratos são assinados entre as partes envolvidas, com base nas regras do comércio e arbitragem, evitando mal-entendidos, processos e arbitragem.  Contratos bem elaborados originam mais negócios.

Visita da SEEDnews  ao estande da empresa Cimbria.
 

Inovação
    Os organizadores do evento colocaram na programação uma palestra sobre produção de sementes de batata, que merece ser comentada. 
    A batata, junto com o milho, trigo e arroz, é um dos alimentos mais consumidos no mundo e cuja multiplicação é por tubérculo (não por semente), acarretando alguns inconvenientes em comparação com a semente verdadeira. Assim, uma empresa holandesa decidiu entrar no melhoramento genético da batata para criar e desenvolver híbridos.
    Os inconvenientes da multiplicação por tubérculos são, principalmente, a dificuldade em se obter um tubérculo sadio, o custo com transporte e armazenamento, pois o consumo é de 2,5t/ha, e o baixo potencial de armazenamento. Outro inconveniente é que o melhoramento não está obtendo ganhos genéticos, cuja produtividade está no mesmo patamar há vários anos. Por outro lado, a multiplicação por semente requer apenas 25 gramas por hectare, é de fácil armazenamento e a transmissão de doenças via semente é baixíssima.
    A empresa dedicada a desenvolver híbridos teve que superar alguns inconvenientes como a incompatibilidade dos diploides para obtenção das linhas puras e o baixo vigor das plantas oriundas da autopolinização. Atualmente, já possui híbridos com produtividade e qualidade similar às variedades multiplicadas por tubérculo, projetando para o ano 2020, ter materiais com produtividade e qualidade bem superiores aos atuais, pois há diversidade genética para isto e domínio da tecnologia para agregar os genes desejáveis do genoma da batata. Atualmente, a empresa disponibilizou, com sucesso, para um país da África, seu melhor híbrido.
    O híbrido, resultante de duas linhas puras, apresenta plantas previsíveis com produção e qualidade uniforme, sendo o tubérculo um “F1”.


Marcelo Pacotte, secretário executivo da ABCSEM

Pirataria em sementes
    O uso de sementes piratas é um problema global cuja incidência, grandeza e possíveis causas estão sendo verificadas pela ISF.
    A semente ilegal ou pirata pode se apresentar de diversas maneiras, entretanto as mais frequentes são: Roubo de linhas puras; Etiqueta da embalagem fraudulenta; Grão salvo como semente, sem o devido pagamento de “royalty” ao obtentor ou sem a devida declaração e; Propagação vegetativa de híbridos (comum em hortaliças).  A semente pirata, que tem a “gangue” como único beneficiado, coloca em risco a agricultura, o agricultor, o consumidor e a economia de um país.
    Segundo levantamento global da ISF, as causas para a ocorrência deste tipo de comércio podem ser assim resumidas: Legislação fraca; Tradição (preço/custo); Desconhecimento da plataforma legal de sementes como lei de proteção (industrial e de comércio); Falta de semente certificada (comercial); Pouca ou nenhuma punição e; Baixa eficiência no sistema de coleta de royalties. Por outro lado, o combate da semente pirata enfrenta dificuldades com processos judiciais caros e complexos, plataforma legal ineficiente, dificuldade em investigar e coletar evidências, corrupção e dificuldade em identificar a entidade que possa fazer o seguimento da aplicação da lei. Como pode ser observado, o campo de atuação da semente pirata pode ser considerado amplo e seu combate não é fácil.  
    No contexto de combate à pirataria de sementes, alguns procedimentos que tendem a minimizar o comércio são: Licenças que os obtentores fornecem aos produtores de sementes para comercializar (mediante o pagamento de royalty); Acordos comerciais, como representação; Auditorias, principalmente para verificação de estoque; e Educação/ comunicação.  O combate à pirataria é um processo contínuo que envolve vários atores e ferramentas.
    Enfatiza-se que a indústria de sementes, junto com os agricultores e a sociedade, necessita de um ambiente de negócio previsível, inovação tecnológica contínua com liberação de novas variedades, sistema funcional para reclamações e o comprometimento das autoridades. 

    Comentário Final
    O comércio internacional de sementes
é complexo e já alcança mais de 13 bilhões
de dólares anuais, envolvendo empresas
de sementes, programas de melhoramento
vegetal, representantes comerciais e corretores
de diferentes países, com seus costumes,
tradições, língua, necessidades e fortalezas.
Neste ambiente, a ISF, através de seus comitês
técnicos e seu congresso anual, propicia um
ambiente único para o encontro de empresários
e técnicos envolvidos ou comprometidos com o
movimento global de sementes, construindo
pontes que viabilizam o negócio.
O congresso de sementes da ISF é importante,
conveniente e oportuno.
O próximo congresso está previsto
para Brisbane (Austrália), em junho de 2018.

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