Os gestores devem ouvir mais

Edição XXI | 04 - Jul . 2017

    A popular ideia de que temos dois orifícios cranianos para ouvir e apenas um para falar dá a dimensão de como ouvir é importante para as relações sociais, a aprendizagem e principalmente para a comunicação efetiva. Os empresários e diretores de organizações podem encontrar especial motivo para seguir piamente essa recomendação matriarcal. 

    Nesse particular, sabe-se que o status de direção ou de propriedade, cria um certo isolamento dos gestores com o restante da organização. Dentre os pesos que a liderança impõe existe um em particular: a solidão. As empresas estão cheias de diretores ou donos que se sentem acima do bem e do mal. 

    Mas, se os líderes estão lá, numa posição privilegiada, exatamente por terem conhecimento e visão adicionais aos demais, é para eles que deveriam fluir naturalmente as principais informações, inclusive as estratégicas, capazes de garantir um rumo seguro da nau que capitaneiam. Mas na prática, infeliz e frequentemente, não é assim que as coisas funcionam.

O casulo não é lugar seguro

    O pessoal de cima da pirâmide, donos e diretores principalmente, acabam naturalmente criando um conjunto de camadas ao seu redor, fazendo com que cada vez seja mais difícil as informações mais tênues chegarem a eles. Isso faz com que esses líderes tenham certa dificuldade em entender, e até participar, do jogo que é jogado no “chão de fábrica”. Com frequência, existem muitos filtros que são criados para blindar esses gestores das interferências, no seu dia-dia.

    Nesse sentido, Hal Gregersen, diretor-geral do Centro de Liderança do MIT, publicou na edição de março da HBR Brasil um ensaio bastante provocador e inspirador sobre o tema, discutindo amplamente os aspectos centrais que desafiam os papéis essenciais do líder de uma empresa e de como agir para sair desse círculo vicioso.

    Um desses desafios reside exatamente no fato de que o líder, com frequência, se coloca num casulo de boas notícias. Na prática, sabemos que muitos gestores inibem a proximidade de pessoas que discordam de seus posicionamentos. Desse modo, perdem a grande oportunidade da divergência, algo que faz com que as decisões tenham maior assertividade.

    Agora, se é difícil que os problemas do dia a dia da empresa, que são internos e próximos, cheguem a esses gestores imagine aqueles pequenos sinais que o mercado muitas vezes emite e que somente o pessoal do “front” consegue perceber ou enxergar?

Deixe o pessoal do front falar

    É importante lembrar que as mudanças que os líderes precisam promover, normalmente, não vem de grandes catástrofes ou de sinais robustos. Quando esses surgem, é frequentemente tarde para permitir reações eficazes, e adicionalmente seus concorrentes já devem ter se movido também. 

    O que garante os diferenciais competitivos das organizações, e, por conseguinte, dos grandes líderes, está em perceber pequenos movimentos ou sinais que o mercado ou os colaboradores dentro da organização emitem. Ademais, nos mercados em que a maioria das empresas participam são tênues e as consequências podem ser devastadoras. Por isso, o líder que perceber primeiro pode antecipadamente tomar decisões que mudam o curso da história.

    Mas se você é um líder que prefere que as pessoas só lhe digam aquilo que goste, e despreza os subordinados que o contrariem com questões que afrontam suas convicções, há pouco por fazer. Nesse sentido, um aspecto fundamental para sair do casulo das boas notícias é o popular “tirar a bunda da cadeira”, mas conhecido como TBC. Uma prática muito eficaz na gestão de equipes. 

    Por isso, é fundamental que os líderes tenham em mente que quem sabe o que está acontecendo são os colaboradores que estão na frente de batalha, sejam os de mercado (compra ou venda), que tem a possibilidade de analisar melhor o que está acontecendo no corpo a corpo com concorrentes e parceiros, ou os internos, que podem auscultar o pulsar da organização e a sua performance diária e rotineiramente.

As informações precisam chegar e muitas vezes não são solicitadas

    Ocorre que as informações oriundas desse pessoal não são obtidas por perguntas ou solicitadas sistematicamente para eles em relatórios. Para que esse conjunto importante chegue ao líder da empresa, as portas precisam estar abertas e os liderados sentirem-se à vontade para contribuir e influenciar nas decisões do pessoal de cima.
    Tendo como base suas pesquisas, Gregersen afirma que foi perceptível que os líderes de empresas inovadoras com elevado nível de sucesso estão empenhados em derrubar paredes que formam a bolha. Essa prática notadamente permite que o conhecimento se torne mais fluído, as decisões e as correções mais rápidas e assertivas, e o clima mais colaborativo.
    O autor faz uma referência interessante sobre os riscos dos imprevistos ao citar o ex-secretário de defesa dos EUA, Donald Rumsfeld, quando afirmou que: existem coisas que sabemos, outras que sabemos que não sabemos e há ainda as que não sabemos que não sabemos.
    Mas como saber o que não sabemos? Parece que esse grupo de informações é o mais importante, mas obviamente o mais difícil de vencer. Uma fonte inesgotável de insights está nos diversos “stakeholders” que interagem com a empresa, através de posturas e atitudes acessíveis. Normalmente, as soluções, ou as perguntas que levam a pensar em soluções fora do padrão, estão muito próximas dos gestores, mas devem ser instigadas, caso contrário continuarão submersas.
    As tecnologias disruptivas como o Airbnb e Uber, dentre outros, são apenas pequenos exemplos do que pode acontecer com inovações e mudanças rápidas e inesperadas, muitas vezes não levadas a sério ou mesmo não percebidas pelos gestores como capazes de mudar a maneira de fazer negócios num setor.
    As próprias decisões dos líderes podem ser questionadas. Até porque nenhum líder, por melhor capacidade de análise e decisão que possua, é capaz de se aproximar da perfeição. O grande diferencial está exatamente na autocrítica, na humildade e na capacidade de reconhecer o nível de assertividade dessas decisões, somado ao que cada um faz com elas na sequência. Sob esse ponto de vista e considerando os apontamentos do ensaio, enquanto os executivos bem-sucedidos reconhecem as más decisões rapidamente e fazem ajustes, os claudicantes se enterram e tentam convencer os demais de que estão corretos. 
 

Boas decisões e até a próxima.
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