Biotecnologia Cria a Nova Agricultura

Edição I | 01 - Set . 1997
Equipe SEEDnews-seednews@seednews.inf.br
    A manipulação genética abre para a agricultura perspectivas de ficção científica: plantas muito mais produtivas, aptas a sobreviver com pouca água ou com umidade em excesso, resistentes a doenças e pragas. A produtividade aumenta, com grande economia de uso de produtos químicos. É uma verdadeira revolução nos negócios agrícolas em geral, onde desponta agora a compra e absorção de empresas.
 
    TECNOLOGIA JÁ ESTÁ DISPONÍVEL

    Somente uma tecnologia nova, revolucionária para os padrões agrícolas tradicionais, será capaz de proporcionar alimentos para a população da Terra nos próximos 30 anos, quando o planeta chegará aos oito bilhões de habitantes. A quase totalidade deles- mais de sete bilhões- viverá em países em desenvolvimento. Enquanto isso, a área de cultivo permanecerá essencialmente a mesma, havendo condições de aumento em poucos lugares, o Brasil entre eles. Porém essa poderosa arma contra a fome, a biotecnologia, ou engenharia genética, já está disponível. Produto da manipulação de moléculas do DNA - que estabelece o padrão genético de cada ser vivo- com a introdução forçada de genes específicos de características  programadas, a biotecnologia criou novas plantas, resistentes a determinadas pragas ou doenças, e, melhor ainda, de maior produtividade.                          
    O processo, que chega agora ao mercado - disponíveis diversas espécies já nos EUA e desde este ano na Argentina – somente abre uma parte da cortina mostrando o potencial realmente revolucionário para a agricultura nos próximos anos.  E a pesquisa continua, em ritmo forte, na busca de cultivares capazes de saciar a fome mundial. CUSTO ALTO- Ainda é quase proibitivo o custo dessas pesquisas, ao alcance apenas de grandes organizações transnacionais. Estima-se hoje que o desenvolvimento de uma cultivar dessas esteja ao redor de US$ 200 milhões, requerendo algo em torno de 10 anos de experimentos.                            
    De cada 15 mil pesquisadas, apenas uma variedade chega ao mercado. Em 1975 gastava-se apenas US$ 35 milhões, em 1980 já eram necessários US$ 55 milhões, e em 1990 o custo subiu para US$ 170 milhões. O crescimento do custo, parece, está relacionado com a eficiência, em razão do aprofundamento da pesquisa, especialmente atentando-se para os fatores ambientais decorrentes da resistência de movimentos ecológicos.

    “A Terra terá 8 bilhões de habitantes nos próximos 30 anos.”
               
    Mas o mercado compensa tudo isso, e muito mais ainda que virá. Os EUA já são hoje um mercado de US$ 7,3 bilhões de dólares para produtos defensivos da lavoura. Seguem-se o Japão (US$ 3,2 bi), a França (US$ 2,3 bi), a China (US$ 2,0 bi) e, surpresa, o Brasil, com US$ 1,8 bilhões. O fator mais interessante dessa mudança é o ecológico . Países onde os movimentos de defesa ambiental são fortes, como a Alemanha, seguem resistindo a comprar produtos tratados quimicamente, e pagam mais caro pelos tradicionais. Sua reação ainda não é bem conhecida - apenas estimada- quanto à biotecnologia.                        
    Em contrapartida, é neles que se encontram os maiores índices de mortes causadas pelo fumo, alcool e acidentes automobilísticos. Nos EUA – berço da biotecnologia e onde ela não tem resistência visível - uma estatística recente sobre fatores de risco de vida mostra que morrem 150 mil pessoas anualmente devido ao fumo, outras 100 mil por causa do álcool, 50 mil em acidentes automobilísticos, três mil motociclistas, e 200 em acidentes domésticos. Pesticidas, conservantes e colorantes de alimentos são insignificantes na amostragem.

    
    Variedades cada vez mais produtivas estão sendo utilizadas.  
 
    MILHO TRANSGÊNICO SERÁ LANÇADO NO BRASIL EM 98

    A Novartis Seeds, que concentra em todo o mundo grande volume de esforços na pesquisa, desenvolvendo a aplicação da biotecnologia na agricultura, pretende lançar no mercado brasileiro, talvez no próximo ano, o primeiro híbrido transgênico. Foi esta empresa que, em 1983, estabeleceu nos EUA um centro, o Seed Biotechnology Research Unit (SeBRU) dedicado à pesquisa básica em biotecnologia molecular, visando a identificação, isolamento e caracterização de novos genes com potencial para utilização agrícola, bem como ao desenvolvimento de produtos oriundos da biotecnologia.  
    
    “Resistência a doenças e pragas é a principal qualidade do novo produto.”   
             
    Nessas linhas de trabalho da Novartis Seeds a proteção de plantas tem recebido especial atenção. Resistência a pragas e doenças são a principal prioridade das pesquisas desenvolvidas no SeBRU e os primeiros resultados desses esforços já chegaram ao mercado. Em 1996, nos EUA, a Novartis Seeds inaugurou a comercialização de milho transgênico no mundo. Híbridos da linha Maximizer foram transformados com o gene CrylA(b) da bactéria Bacillus thuringiensis. Esse gene produz uma proteína que afeta o desenvolvimento de alguns insetos lepidópteros e dessa forma esses híbridos transgênicos apresentam alta tolerância ao ataque da broca européia, a principal praga do milho nos EUA. Essa forma de controle, além de se mostrar bastante eficiente, trouxe vantagens adicionais, pois a proteína CrylA(b) , por ter efeito apenas contra algumas espécies que se alimentam da planta, praticamente não gera ação contra insetos benéficos e inimigos naturais. Também a proteína é prontamente degradada com a decomposição da planta, reduzindo qualquer impacto natural. Dessa forma a planta está protegida durante todo o ciclo, sem necessidade de operações na lavoura. No ano do lançamento plantaram-se cerca de 150 mil hectares com o híbrido.                                
    Em 1997 a empresa lançou uma segunda linha de híbridos transgênicos, a Bite Protection, também transformados com o gene CrylA(b), agora oferecendo níveis maiores ainda de proteção contra a broca europeia. Acredita-se que cerca de 1,7 milhões de hectares de milho transgênico – visando a proteção contra insetos-tenham sido plantados nos EUA, sendo parte substancial dessa área ocupada por híbridos da Novartis. Além dos EUA, o milho transgênico a empresa foi liberado para plantio também no Canadá e agora, no ano de 1997, na Argentina. Seu consumo na União Européia e Japão já está liberado.                               
   Na área de doenças de plantas, o conhecimento e experiência acumulados permitiu o desenvolvimento de um novo conceito em termos de proteção. No ano passado a empresa lançou na Europa o Bion para controle de doenças em trigo. Ao invés de atuar diretamente sobre o patógeno, esse produto é um ativador das defesas naturais da planta, capacitando-a se proteger contra o desenvolvimento de doenças. Trata-se de um princípio bastante específico, que só causa resposta na planta, e prontamente degradável, reduzindo assim o impacto ambiental. O potencial do Bion em outras culturas e a utilização desse conceito na forma transgênica estão agora em avaliação. Sem dúvida, o desenvolvimento de plantas transgênicas e outros organismos geneticamente modificados está intimamente associado à questão da biossegurança. Antes de que possam ser produzidos em larga escala e comercializados, os genótipos transgênicos têm que passar por um intenso escrutínio para demonstrar sua segurança tanto para o consumo como para o meio ambiente.

    
    O milho da Novartis já tem permissão para plantio experimental no Brasil.       
         
    No Brasil, com a instalação em 96 da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), a Novartis Seeds requereu logo o Certificado de Qualidade em Biossegurança (CQB), que lhe foi concedido. Em fevereiro de 97 a CTNBio aprovou os primeiros projetos para teste a campo de plantas transgênicas. E a empresa obteve permissão para plantio e avaliação de milho Bt no país. Esse teste já está sendo conduzido na Estação experimental em Uberlândia. Em outubro a empresa deverá estabelecer outros projetos, já aprovados pela CTNBio. No Brasil, nessa fase inicial, o trabalho está se concentrando em resistência a insetos. O projeto é estabelecer o nível de eficiência dos diferentes genótipos transgênicos disponíveis no controle das mais importantes pragas de milho no país.                                          
    Resultados obtidos em outros países mostram um número de genes com excelentes níveis de controle para pragas importantes, como a lagarta do cartucho (Spodoptera frugi perda), a lagarta elasmo(Elasmopalpus lignosellus) e a lagarta da espiga (Helicoverpa zea). Existe, assim, um grande potencial de utilização desses híbridos no Brasil a curto prazo, dando aos agricultores brasileiros as mesmas vantagens desfrutadas por produtores em outros países. Para o próximo ano, o objetivo é introduzir e testar outros genes com potencial de utilização a curto prazo. Características como resistência a herbicidas e a doenças já estão sendo introduzidos e também estarão em breve disponíveis.    
             
    “Novos experimentos, já autorizados pela CTNBio, começam em outubro, em Uberlândia.”     
          
    A empresa está estabelecendo no Brasil um programa de biotecnologia alinhado com o trabalho desenvolvido em outros países, visando oferecer em seus produtos, aqui, a mais avançada tecnologia possível. A sinergia entre os programas de melhoramento e as novas ferramentas oriundas da biotecnologia vão, sem dúvida, na opinião da empresa, resultar em híbridos com performance e qualidade ainda melhor, proporcionando maior competitividade ao agricultor brasileiro. 

    NOVA SOJA REDUZ CUSTOS DE CONTROLE DAS INVASORAS

    O Brasil ainda não possui nenhum produto agrícola em fase de produção gerado pela biotecnologia, embora seja certo que o mercado nacional esteja plenamente abastecido no máximo em três ou quatro anos. Os primeiros produtos chegarão no máximo em um ano. A soja Roundup Ready, da Monsanto, já está em fase de testes no País e é esperada para a safra de 98/ 99. A expectativa de sua chegada se justifica: ela possibilita uma significativa redução no custo de controle químico de ervas estimado em 40%. Os agricultores da Argentina e dos EUA, por exemplo, estão usufruindo deste benefício já há alguns anos e a redução no custo de produção lhes proporcionou uma grande vantagem econômica em relação aos agricultores brasileiros. Perdeu o Brasil, grande país exportador de soja, mas cujos agricultores ficaram em desvantagem competitiva em relação aos demais.Os EUA estão plantando em torno de cinco milhões de hectares e a Argentina cerca de um milhão de soja Roundup Ready nestas safras agrícolas.                                       
    O aumento na área plantada foi de 10 vezes em relação à safra anterior. Em 1997, mais de 40 mil agricultores plantaram a soja geneticamente modificada da Monsanto. Na anterior apenas duas companhias de melhoramento tinham essa cultivar, enquanto na atual safra americana cerca de 80 companhias a estão oferecendo. Dentro destas 80 companhias encontram-se as maiores do mundo como Pioneer, Asgrow e Novartis, bem como pequenas empresas familiares que atendem apenas mercados regionais. Há entusiasmo com esta tecnologia, pois os agricultores puderam experimentar e verificar os benefícios da nova soja, cuja  disponibilidade no mercado baixou a quase zero. Esta movimentação, tida como nova revolução na agricultura, é que aumenta a expectativa de sua introdução no Brasil, onde a Monsanto já obteve a autorização da CNTBio para importar e conduzir testes com a soja que desenvolveu.      
          
    “Lançamento da soja transgênica está previsto para a safra 98/99 no Brasil.”             
   
    A sua tolerância ao herbicida glifosato é que permite a racionalização do combate às ervas daninhas, já que a aplicação do defensivo se limita ao estritamente necessário. Com isso, igualmente, diminui a compactação do solo e o volume de produtos químicos aplicados ao ambiente, ao mes expectativa de sua introdução no Brasil, onde a Monsanto já obteve a autorização da CNTBio para importar e conduzir testes com a soja que desenvolveu. A sua tolerância ao herbicida glifosato é que permite a racionalização do combate às ervas daninhas, já que a aplicação do defensivo se limita ao estritamente necessário Com isso, igualmente, diminui a compactação do solo e o volume de produtos químicos aplicados ao ambiente, ao mesmo tempo em que que se elimina os problemas de fitotoxicidade para as culturas seguintes, especialmente no caso do milho safrinha. A intenção é comercializar este material em 1999, melhorando as condições de competitividade do produtor brasileiro.

    
    A soja da Monsanto plantada ao lado da tradicional mostra a diferença ao primeiro olhar.   
              
Roundup Ready - A soja tem sido uma cultura de alta tecnologia desde sua introdução no Brasil, na década de 70. Com o passar dos anos e o desenvolvimento de novas variedades, a soja ultrapassou a fronteira do Rio Grande do Sul, onde foi inicialmente cultivada, e se espalhou por todo o país, atingindo a região do Cerrado. Hoje o Brasil é o segundo maior produtor mundial de soja, com uma área de aproximadamente 11,5 milhões de hectares cultivados e uma produção anual por volta dos 25 milhões de toneladas. Um dos principais problemas da cultura da soja é o controle das plantas daninhas. Para combatê-las,  normalmente aplica-se um produto preventivo em pré-emergência e, posteriormente, um seletivo na pós emergência.                                     
   Essa prática, no entanto, tem alguns inconvenientes. Os produtos seletivos, por exemplo, apresentam deficiências no controle de invasoras de folhas largas e produzem um efeito residual prolongado que pode originar casos de fitotoxicidade em culturas plantadas logo após a soja. Trata-se de um problema sério, especialmente nas regiões onde o milho safrinha é cultivado. Outro agravante: o peso desses produtos no custo total de produção, hoje em torno de 10%.  Uma nova forma de manejo de plantas daninhas é a utilização de plantas tolerantes a herbicidas. A Monsanto desenvolveu uma série de culturas tolerantes ao herbicida Roundup (marca comercial), tais como, algodão, milho e soja. O princípio ativo do herbicida, o glifosato, é um produto não seletivo que bloqueia as vias metabólicas essenciais ao crescimento das plantas, sendo inócuo para insetos, animais e pessoas. Além disso, em contato com as partículas do solo, ele é absorvido e degradado em seguida pelos micro-organismos ali existentes em compostos naturais, como o dióxido de carbono. Por causo disso, não há risco de contaminação dos lençóis freáticos.                                       
    Estas plantas tolerantes –conhecidas como Roundup Ready– possuem uma enzima tolerante à ação do princípio ativo do herbicida, criando assim um desvio ao bloqueio metabólico feito pelo produto. Com isso, o controle químico do mato poderá ser feito somente quando necessário, ou seja, quando a população de plantas daninhas atingir níveis de competição com a soja, com as seguintes vantagens:
a) Redução de custos e aumento da eficiência de controle de ervas daninhas;
b) controle eficiente de uma grande gama de ervas daninhas;
c) redução do número de produtos químicos liberados no meio-ambiente;
d) proteção dos lençóis freáticos;
e) compatibilidade total com o sistema de plantio direto, conservação do solo com um menor número de passadas do equipamento pulverizador; e
f) eliminação de fitotoxicidade para as culturas seguintes.

    
    Uma lavoura de soja protegida contra doenças e invasoras.       
           
Na Europa - A primeira exportação contendo soja geneticamente modificada foi realizada em 1996 pelos EUA. Antes da colheita da safra de 96, o produto já obtivera a aprovação de países importadores referentes à liberação em campo, impacto ambiental, comercialização e consumo. A União Européia (15 países) e o Japão a aprovaram para comercialização e consumo sem restrições, ou seja, sem a necessidade de rotulagem. Comprovou-se cientificamente que a soja modificada é essencialmente equivalente à soja tradicional, diferindo apenas no gene de resistência ao herbicida glifosato. Não foi encontrado com testes científicos nessa soja nenhuma alteração no que tange a alergenicidade, inibidores naturais, fatores nutricionais e teor e qualidade de óleo e proteína.                                   
    Após a sua aprovação pela União Européia uma nova regulamentação para alimentos nunca antes utilizados (“novelfoods”) foi sancionada pelo Conselho de Ministros no final de 1996 e pelo Parlamento Europeu no início de 1997. Esta regulamentação inclui não somente alimentos provenientes de organismos geneticamente modificados, mas também qualquer outro novo alimento de qualquer fonte. O regulamento, publicado no Jornal Oficial da Comunidade Européia em 14 de fevereiro de 1997, entrou em vigor em maio. Mas ainda falta definir se os produtos derivados de biotecnologia e anteriormente aprovados serão incluídos nesta regulamentação.  
    O regulamento abrange toda a Europa e os sistemas de regulamentação para avaliação da qualidade e segurança de novos alimentos e serve de base para rotulagem de alimentos que substituirá normais nacionais da Inglaterra e Dinamarca, por exemplo. A primeira já determinou que a rotulagem não será requerida para soja Roundup Ready. A regulamentação da Dinamarca foi contestatada pela União Européia e lá a rotulagem não é exigida.

    
    Quando as invasoras infestam a soja tradicional, os prejuízos podem ser totais.
     
    TRÊS NOVAS UNIDADES PESQUISAM TRANSGÊNICOS PARA A PIONNER

    A Pioneer Sementes Ltda espera iniciar a comercialização de produtos transgênicos em um período aproximado de três ou quatro anos, quando executadas as fases de pesquisas programadas e, em seguida, obtida a liberação pelo Governo. Já está com três unidades operando em pesquisa em Toledo e Londrina, no Paraná, e em Itumbiara, Goiás. O programa de melhoramento genético de sementes, que tem sido a principal atividade da Pioneer no mundo inteiro, iniciou-se na década de 30 e desde então os melhoristas da empresa vêm mantendo um ganho de produtividade de grãos situado ao redor de 60 kg/ ha/ano. A cada ano milhares de parcelas experimentais são plantadas, avaliadas e colhidas, ao mesmo tempo em que outras milhares de plantas são manualmente autofecundadas ou cruzadas por mais de 300 melhoristas da empresa em todo o mundo. E toda essa força de trabalho, interligada com um sistema único de análise de dados e troca de informações, gera cerca de 500 novas linhagens a cada ano e mais de 50 híbridos chegam ao mercado no período.                                     
    Os melhoramentos convencionais foram reforçados, nos últimos anos, pelo avanço da biotecnologia, ciência que também por vezes é denominada engenharia genética, que causou não só uma revolução no trabalho como também, e especialmente, na opinião pública. Os veículos de comunicação, comentam os técnicos, estão dedicando cada vez mais espaço à área, por se tratar de assunto novo e que, sem dúvidas, trará grandes benefícios para a humanidade em especial nas áreas da agricultura, pecuária, farmacêutica ou médica, por exemplo. Mas há preocupação com a divulgação de opiniões apressadas mal fundamentadas, até sugerindo a possibilidade de efeitos danosos à humanidade. Na agricultura, a biotecnologia, incorporada ao melhoramento convencional, colabora decisivamente para aumento do ganho genético em produtividade de grãos e, principalmente, agregar novos valores aos futuros híbridos, através do isolamento, modificação e transferência de genes que conferem, por exemplo, resistência a doenças e pragas, tolerância a certos grupos de herbicidas, produção de altos teores de óleo e aminoácidos essenciais, além de materiais com defesas próprias aos principais patógenos dos grãos armazenados e contaminantes de rações, as perigosas micotoxinas.

    
    No milho a empresa está mapeando os genes para aperfeiçoar técnicas de biotecnologia.
                
    Atualmente, a Pioneer realiza pesquisas de diversos tipos, em especial com a sequência gerada com o gene presente na bactéria Baccilus thuringiensis, com vistas a resultados nas culturas do milho e algodão, por exemplo. 
              
    “A busca de melhor qualidade nutricional e combate a doenças e pragas são os objetivos das pesquisas atuais.”  
              
    A contribuição possível pelos diferentes métodos na área da biotecnologia, afora o da transformação, é quase infinita, segundo os especialistas, para quem o aumento da demanda  de volume e qualidade de alimentos, pela crescente população mundial, não poderá ser suprida sem o uso desse novo ramo da ciência biológica. No Brasil, a Pioneer Sementes Ltda começará os testes a campo com híbridos transgênicos no ano agrícola 97/98, após ter obtido o Certificado de Qualidade de Biossegurança (CQB) para as três unidades operativas localizadas em Toledo-PR, Londrina, PR, e Itumbiara-GO, além de uma autorização emitida pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança do Ministério da Ciência e Tecnologia. Todos os trabalhos nessa área são regulados por entidades governamentais, no Brasil e exterior. Nos EUA, a empresa comercializou produtos transformados pela primeira vez, em 97, obtendo excelentes resultados. No Brasil, a Pioneer espera comercializar produtos transgênicos dentro de três ou quatro anos, após devidamente completadas as pesquisas programadas e obtida a liberação pelos órgãos governamentais.     
     
    O GENE Bt

    “Fala-se muito em pesquisa utilizando o gene Bt. Mas, afinal, o que é o gene Bt ? A resposta está aqui.”  
               
    O gene Bt, como é chamada uma sequência de DNA presente na bactéria Baccilus thuringiensis, é um dos exemplos práticos e atuais do uso da biotecnologia em culturas como a do milho e algodão. Ele sintetiza uma proteína tóxica para certos insetos que atacam o milho. Ensaios preliminares mostram que esse gene tem uma atuação bastante específica, pois apenas controla de maneira letal algumas espécies de insetos da ordem Leipidóptera. A propósito, dessa espécie faz parte uma das mais importantes pragas da cultura do milho no Brasil, a lagarta do cartucho (ou Spodoptera frugiperda). O uso comercial de híbridos contendo o gene Bt reduz a necessidade de aplicação de inseticidas E como acontece? O meio utilizado é conhecido como transformação.                                  
   O gene , também conhecido como CryLA(b) foi isolado da bactéria Bt no laboratório. A essa sequência de DNA (ou gene CryLA(b)) adicionaram-se outros genes conhecidos como promotores e marcadores, obtendo-se assim uma cadeia construída em laboratório. Os genes promotores têm como função ajudar a incorporação da “construção genética” do DNA da planta hospedeira, no caso o milho, e também na expressão desse gene no seu novo hospedeiro. Já os genes marcadores, também presentes na construção genética, sinalizam aos  pesquisadores se o gene foi ou não incorporado ao DNA da planta hospedeira com sucesso. Ao término da construção os pesquisadores incorporam essa nova sequência no núcleo das células de plantas de milho (onde ficam os cromossomos que contêm o DNA). A incorporação se dá por diferentes métodos, o mais conhecido deles o do canhão acelerador de partículas, onde a construção gênica é aderida a cápsulas de ouro ou tungstênio e literalmente bombardeada sobre milhares de células de plantas de milho.                     Após o bombardeio, as células regeneram-se e dão origem a plantas que conterão ou não os genes incorporados. O processo de transformação é rápido, porém milhares de células são bombardeadas e poucas darão origem a novas plantas, das quais uma quantidade ainda muito menor terá o gene introduzido expressando-se completamente. Aliando-se ao baixo número de plantas transformadas efetivamente, tem-se ainda uma série de outros genes, presentes na construção, igualmente incorporados, aumentando a complexidade do trabalho que envolve uma transformação eficiente.   

    Arma potente, mas precisa de complemento                
    A biotecnologia é a mais nova e a mais potente arma posta ao serviço do agricultor que busca competitividade, mas deve ser recebida apenas como isso, e não solução definitiva dos problemas da agricultura. Ela deve ser e será complementada, pois não se constitui em fórmula milagrosa, e com tal atitude realística precisa ser entendida, na opinião de Alberto Leonardo, gerente de Insumos da JOSAPAR- Joaquim Oliveira Participações, empresa gaúcha.                
    Sem dúvida as mudanças que as sementes transgênicas estão ocasionando até sugerem que, como alguns pensam, chegou-se a algo perto da grande solução, mas ainda há necessidade de muita pesquisa para se resolver problemas que recém começam a surgir, diz Alberto, que observa com interesse as alterações até mesmo na estrutura de negócios do maiores grupos multinacionais do setor, muitas delas vendendo suas empresas químicas para investir em outras, essencialmente agrícolas. Há uma migração em massa, diz. O empresário, muito atualizado e recém chegado de uma viagem de estudos à Alemanha, afirma que ninguém tem ainda uma noção da envergadura que assumem essas transformações. “Sabe-se que a biotecnologia tornou algumas coisas irreversíveis, que ela veio para ficar. Mas não se pode prever aonde tudo isso vai acabar”. Alberto destaca, por exemplo, as duas linhas diferentes que a agricultura terá, daqui por diante, uma usando a semente transgênica, em busca de maior produtividade e a outra mantendo a linha tradicional, dominada por sentimentos ecológicos, mas que apresentará um produto final mais caro, devido aos custos. Alberto acredita que a semente transgênica trará consideráveis vantagens, mas haverá casos em que demandará solução complementar. As diferentes condições de clima e solo, por exemplo, exigirão novas tecnologias suplementares.                               
   Ele mostra que nos EUA, por exemplo, onde cerca de 2.500 variedades de soja são plantadas, houve mudança genética em cerca de dez apenas, adaptadas a condições médias do país. Em outros locais a produtividade, mesmo das transgênicas, nem sempre será interessante como as cultivares tradicionais. E o custo para desenvolver cada variedade, hoje estimado em cerca de US$ 200 milhões, impedirá que se pesquise uma para cada microrregião. E exemplifica: uma região com características diferenciadas, mas onde se comercialize anualmente em torno de US$ 15 milhões de sementes, certamente não estimulará a criação de uma variedade própria. E nem sempre a transgênica, destinada a outro clima, será a solução. Daí a necessidade complementar.                              
   O empresário, grande produtor de sementes de arroz, também acha que a resistência ao transgênico hoje é devida em grande parte à falta de conhecimentos, se bem que não descarte certa dose de contrainformação estimulada por quem perderá clientes, como vendedores de produtos químicos (não os fabricantes, que podem mudar de ramo). “Há gente também se aproveitando para vender produtos tradicionais para países conservadores, como a Alemanha, a preços mais interessantes”, informa. Aliás, qualifica a resistência mais de econômica do que ecológica. Há quem perderá dinheiro, como vendedores de herbicidas, interessados em que se pense que a semente transgênica é um monstro. Alberto acredita, porém, que a nova tecnologia poderá resolver problemas hoje angustiantes. No arroz, por exemplo, para combater certas pragas já está sendo necessário um verdadeiro coquetel de defensivos. A própria tecnologia, como o desenvolvimento do plantio direto, propiciou a proliferação de pragas que eram controladas quando a terra era revolvida. Uma solução mais barata virá certamente da biotecnologia.  
 
    UM PRODUTO AINDA CONTROVERTIDO

   Três pesquisas de opinião, duas realizadas nos EUA e uma na Europa, mostraram que os consumidores têm níveis variados de conhecimento e de aceitação de alimentos fabricados a partir de produtos geneticamente modificados. Contudo, as diferenças não impedem que o consumidor de qualquer lugar tenha os mesmos hábitos. Uma consulta patrocinada pelo Conselho Internacional de Informações sobre Alimentos (sigla IFIC em inglês) descobriu que a maioria dos consumidores americanos pouco sabe sobre a biotecnologia da planta, mas acredita (78% deles) que trará resultados positivos para as respectivas famílias. Nem todos são entusiastas da ideia de consumir produtos geneticamente alterados, mas aceitariam comê-los em lugar de outros que tivessem sido tratados quimicamente para prevenir pragas ou insetos. Do modo como responderam, uma diferença de 22 por cento dos entrevistados mostrou aversão maior aos agentes químicos.
    A empresa Novartis também patrocinou uma pesquisa semelhante, geradora de resultados compatíveis, e que demonstrou claramente o encadeamento entre atitudes do consumidor em relação à biotecnologia e os praguicidas de origem química. 

    “A resistência aos produtos transgênicos é menor do que aos tratados com praguicidas químicos.”            
   
    Eles consideram inseguros os defensivos químicos e, se pudessem escolher entre produtos oriundos da bioengenharia e os tratados quimicamente, 73% deles consumiriam o produto geneticamente modificado. As duas pesquisas também mostraram que os consumidores querem etiquetas nos alimentos geneticamente modificados; 93 % no estudo da Novartis e 78% no da IFIC. Acredita-se que a diferença tenha causa no ceticismo do consumidor diante da eficiência de instituições governamentais.                                
    Já o professor Thomas Hoban, do Departamento de Sociologia e Antropologia da Universidade Estadual da Carolina do Norte, estudou hábitos de consumidores fora dos EUA e concluiu, entre outras coisas, que os europeus do norte são melhor informados. Assim, por exemplo, enquanto os alemães e austríacos declararam-se formalmente contra a biotecnologia, na maioria do norte da Europa apenas de 35 a 50% dos entrevistados acreditam que ela constitui um “risco de saúde sério”.                             
    Comparados os números com os dos EUA isto poderia implicar numa relação inversa entre conhecimento do consumidor e aceitação. Mas no Japão, cujo consumidor tem um grau de informações quase tão alto quanto o europeu do norte, a aceitação permanece forte. Misturando os dados, Hoban especula que as atitudes dos europeus podem ter mais a ver com as atividades do Greenpeace e organizações semelhantes do que com qualquer outra coisa.
    Embora recentes acontecimentos possam fazer parecer que a antipatia européia para com a biotecnologia seja extremada, o estudo de Hoban demonstrou que os alemães - o grupo de maior resistência aos alimentos geneticamente modificados- na verdade têm índices de preocupação bastante baixos. A biotecnologia está apenas em oitavo lugar -com 44% - na lista de risco do consumidor, bem abaixo da preocupação com a data de vencimento (59%) e da coloração artificial (49%). Na escala de risco delineada pelo alemão quanto aos alimentos, ocupa o primeiro lugar a preocupação com os resíduos químicos (com 79% de votos), o que sugere que mesmo os consumidores germânicos podem se assemelhar aos colegas americanos muito mais do que se suspeitava.

Colaboraram com esta matéria: Roberto Rissi, da Cargil; Jorge de Souza, da Zêneca; Gloverson Moro, da Novartis; Alberto Leonardo, da Josapar; Lineu Rodrigues, da Agroceres; Rodrigo L. Almeida, da Monsanto.  

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