A Soja Amplia as Fronteiras Agrícolas

Edição II | 02 - Mar . 1998
Equipe SEEDnews-seednews@seednews.inf.br
    Nunca houve um produto que, como a soja, ampliasse tão rapidamente as fronteiras agrícolas brasileiras. Estima-se que este ano a safra ultrapassará as 30 milhões de toneladas, um recorde absoluto. E as projeções indicam colheita de 70 milhões de toneladas para o ano 2003, isto é, um acréscimo de mais de 130 % em cinco anos. E que em 10 anos metade da soja consumida no mundo será produzida no Brasil. A tecnologia já existe. O país tem hoje 12,8 milhões de hectares cultivados com soja, cada um com uma produtividade média de 2,3 toneladas. Mas a produtividade cresce e já é possível obter-se 3,2 toneladas por hectare. Como se espera a integração de 12 milhões de hectares ao cultivo, nos próximos cinco anos, a conta é simples aritmética: alcançaremos as 70 milhões de toneladas. Para se ter uma ideia do que isso significa é preciso comparar-se o número com o da safra recorde dos EUA, deste ano, que chegou aos 74 milhões.

                                         
   
    Como os norte-americanos já não dispõem de área para incorporar - apenas se a retirarem do milho, o que não se acredita por ser este produto a base da agricultura nacional - é de se supor que em breve o Brasil dominará o mercado mundial de soja. Mas nem tudo são flores, ou seria de perguntar-se porque nossa produção não é maior agora. Há problemas enormes, poucos com soluções em andamento. Os principais: perdas na colheita e um sistema de transporte altamente deficiente, baseado em rodovias na maior parte, em ferrovias deficientes e em portos de ineficiência comprovada. O custo de transporte da soja brasileira, devido às imensas distâncias e à falta de um sistema integrado rodo-ferro hidroviário, significa remuneração menor para o sojicultor nacional do que a recebida por seus colegas norte- americanos e argentinos.                                Considerando o preço vigente em Chicago, de US$ 250 a tonelada, por exemplo, o chamado custo Brasil faz com que o produtor brasileiro receba US$ 209 dólares por tonelada, contra US$ 222 pagos ao agricultor argentino e US$ 232 ao norte-americano. Somente o frete até ao porto custa em média no Brasil US$ 33 dólares, contra 17 na Argentina e 15 nos EUA. É isso que precisa mudar. Essas conclusões, entre outras importantes, emergiram das palestras proferidas na Conferência Internacional da Soja, realizada no Rio de Janeiro de 26 a 28 de janeiro, organizada pela IBC do Brasil Ltda, uma empresa especializada em eventos de alta qualidade.                                                                                                                                                                                                                                                                                                                        Além disso, a soja surge como a principal fonte de proteína para os próximos anos, substituindo produtos de origem animal. Usada para alimentação humana tradicionalmente no Oriente, há bem pouco passou a ser vista sob esse aspecto também no Ocidente, onde sempre foi encarada como produto básico de ração animal. Mas isso vai mudar. Nos EUA, por exemplo, lojas de alimentos e supermercados já oferecem imensa variedade de alimentos à base de soja, mais saudáveis especialmente para quem teme o colesterol.      
        
Início - A soja chegou ao Brasil nos anos 50, a partir de variedades importadas dos EUA, por isso mesmo próprias para o cultivo nos Estados do Sul, mais frios. A cultura baseou-se na estrutura montada para a produção de trigo, aproveitando as máquinas existentes. Beneficiou-se da fácil adaptação das variedades e principalmente da carência de óleos vegetais no país, insuficientes para o  consumo, como lembra o agrônomo Paulo Roberto Galerani, da Embrapa em Londrina. Também as condições favoráveis do mercado externo e a carência de óleo para substituir a gordura animal a favoreceram.                               
    Hoje a cultura está ainda baseada no Sul (48,5%), mas seguida de perto pelo Centro Oeste (36,1%). Nas regiões Sudeste (9,45%), Nordeste (5,75%) e Norte (0,2%) a área é menor. Na safra 96/97 o Sul representava 45%, o Centro Oeste 40%, Sudeste 9,5%, Nordeste 4,7% e Norte 0,8%, com um total de 11,335 milhões de hectares contra os 12,787 da safra atual. O Sul cresceu em 98, mas à custa do milho, cuja área decaiu em função dos preços do produto. A grande esperança situa-se verdadeiramente na região do Cerrado. O Centro Oeste, uma região antes desacreditada, será em cinco anos a principal área de cultivo do país, na sua opinião. Embora o Sul ainda apresente maior área, sua produção praticamente equivale à do Centro Oeste, em razão da maior produtividade dos Cerrados.                                      
    O Sul já não tem mais espaço para a soja, exceto se a retirar de outras culturas. Mas o Cerrado, onde hoje se usam 47 milhões de hectares para pastagens e culturas anuais e perenes, tem uma área potencial de 136 milhões. Há ali, portanto, mais 89 milhões de hectares para o plantio. É claro que não é fácil, pois o preparo exige investimento, mas a produtividade compensa os esforços, pois pode chegar a 3,2 toneladas/ha, na sua opinião. Aliás, a produtividade é crescente. Em 1970 estava em 1213 quilos/ha, em 80 chegava a 1770, em 90 alcançava os 1.800 e no ano passado alcançou o patamar de 2.300. Galerani acha que ainda há espaço para crescimento. Mas há mais, ainda.                                             
   A introdução de variedades mais produtivas, resistentes a doenças e adaptadas às condições de clima, tolerantes ao alumínio e menos atraentes a insetos, além de e principalmente mais propícias à alimentação humana, farão a diferença na abertura de novos mercados. Por tudo isso reina certa euforia no setor quanto ao futuro da cultura da soja. As novas técnicas pontificam. No manejo de solo, surge a semeadura direta como solução para cerca de 40% dos agricultores. Outros 21,8 % ainda usam a grade na aradura, 16% a escarificação, 11,5% a subsolagem e 9,9% a técnica convencional.                                             
     Há o que se melhorar na correção de solo, onde 62% dos cultivadores a praticam a cada três anos, 20% de dois em dois, 13% anualmente e cinco por cento ainda não a fizeram. Da mesma forma, 40% da área total da cultura no país nunca recebeu uma semente inoculada. Quanto às doenças, a liderança permanece com o oídio, que ataca 14% da área de cultivo, seguido pela podridão vermelha (10%) pelo cancro da haste (8,55%), o nematoide de galha (1,2%) e o nematóide de cisto (1,2%). Tudo isso faz com que se perca 14% do que se produz. Algo como quatro milhões de toneladas, em números de 1998. Mas o futuro, como aliás é pacífica a opinião geral, e confirma Galerani, está na biotecnologia, que fará a diferença entre o que temos e conhecemos e o que teremos em breve. Mas o fortalecimento dos serviços de extensão rural estão na pauta de prioridades, pois não haverá transferência de tecnologia aos produtores sem essa  melhoria.                                    
   Hoje, na sua opinião, a qualidade da extensão está pouco acima do caos. Como, também, terá de se atacar de frente a questão das perdas de colheita, que no Brasil atingem números inacreditáveis.                                  
Transporte - Mas é o transporte o calcanhar-de-Aquiles da cultura da soja no Brasil, na opinião de Luis Antonio Pagot, diretor superintendente da Hermasa, Navegão da Amazônia AS, ligada ao poderoso grupo André Maggi, um dos maiores - ou maior - produtores de soja do país. Ferrovias deficientes, totalmente defasadas no tempo, e portos desequipados e  entravados por questões sindicais estão dificultando o escoamento da produção. Em grandes extensões a soja é transportada por caminhões, quando a ferrovia e as hidrovias trariam maior rendimento ao produtor. O frete acaba com a competitividade do agricultor.                                    
    Pagot é contundente ao dizer que no Brasil não existem hidrovias, na perfeita definição do termo. O que temos são calhas de rios, desprovidas de sinalização, sem estações de telemetria, placas e tudo o mais necessário a uma hidrovia de verdade. O grupo Maggi associou-se ao estado do Amazonas para construir o porto de Itacoatiara, ao custo de US$ 30,7 milhões. Como o rio Madeira não merecera ainda estudos à altura, o grupo gastou US$ 1,3 milhões para elaborar a carta eletrônica do rio, usando recursos próprios. As autoridades portuárias afiançavam que navios de grande calado não navegariam na área. Para contrariá-las agora aportam em Itacoatiara os imensos navios da classe Panamax, com capacidade de até 80.000 toneladas. “E tudo isso sem sacanagem portuária, nem espera alguma”.                                      
    Esse esforço resultou na atual possibilidade de se escoar soja por Santarém, em lugar de fazê-lo pelo porto de Santos, o que demandava incríveis gastos com caminhões e ferrovias. Somente em 1997 Itacoatiara movimentou 320 mil toneladas de soja para exportação, a metade do grupo Maggi. Para 98 a expectativa é de que se exportem no mínimo 550 mil já contratadas, além do desembarque de um número superior a 100 mil toneladas de fertilizantes. O porto, como se vê, passa a ser fator de economia nos dois sentidos. Além do mais, abre-se nova rota para a Bolívia, exportando-se produtos de Mato Grosso e Rondônia, e escoando-se parte da soja daquele país.                                        
    Hoje a Bolívia exporta, via Uruguai, um total de 300 mil toneladas, o que demanda 44 dias até Roterdam, na Holanda, quando a mesma soja, enviada por Itacoatiara, levaria apenas 27 dias, proporcionando ainda uma economia de 30%.   
            
Ferrovia - Já o sistema ferroviário acredita que funcionaria melhor se houvesse um planejamento para o escoamento uniforme e constante durante todo o ano, segundo Fernando Gonçalves, que substituiu o presidente da Fepasa, Renato Pavan, no seminário. Não seria viável, disse, criar uma estrutura para escoamento durante três meses ao ano, que permaneceria ociosa nos outros nove. Ele acha que a solução também estaria na exportação através dos grandes navios da classe Cape Size, de até 120 mil toneladas. Sua intervenção não se sustenta, segundo pessoal da área de navegação da Vale do Rio Doce. Não se planeja dessa forma, apenas para a safra e num sentido somente.

    
  
   A mesma ferrovia que leva a soja traz o fertilizante e tudo o mais para a área de produção. E o lucro permite a operação. Gonçalves admite que o sistema ferroviário está estrangulado em vários setores, especialmente em torno de São Paulo, onde há necessidade de substanciais reformas. Hoje não passam pela área suburbana de São Paulo mais do que 6.000 toneladas por ano, posto que a malha está sobrecarregada. Já o porto de Santos opera com uma capacidade de 1.200 toneladas por ano, por falta de equipamento. O gargalo está fechado. Que a potencialidade permanente da ferrovia é lucrativa não se discute.                             A soja não é escoada apenas na forma de grão. Boa parte dela é exportada como farelo e de óleo. Agora mesmo a Cargill está investindo forte na ampliação de sua capacidade de esmagamento de grãos e na estrutura de transporte. Em 98 a Cargill pretende transportar por ferrovia cerca de 70 mil toneladas de óleo de soja. No total, a empresa quer transportar três milhões de toneladas de produtos pela via férrea. O sistema usado é o do frete antecipado, isto é, a empresa paga antes de usar o serviço. Aliás, um dos diretores da Cargill disse há dias que se o Governo desse a Fepasa de graça o contribuinte teria menos prejuízo, tal sua ineficiência e problemas que causa ao escoamento do produto nacional.                                       
    A deficiência no setor ferroviário é um dos mais fortes componentes do chamado custo Brasil. A malha ferroviária nacional tem apenas 36 mil quilômetros, 30 mil dos quais  construídos antes de 1930. Menos de 20 mil estão em condições satisfatórias de uso. A Argentina tem 40 mil. Além de mal conservada, a malha é também mal localizada, desprezando áreas e com vasto potencial produtivo, que deixam de crescer. O presidente da Fepasa, Renato Pavan, acha que se a safra do ano 2005 pudesse toda ser transportada por via férrea o Brasil economizaria US$ 450 milhões, equivalente aos 1,7 milhão de toneladas de óleo diesel consumidos a cada ano pela frota de caminhões. O transporte rodoviário, na sua opinião, só se justifica para distâncias de até 200 quilômetros.                             
   A soma a ser economizada em um ano, segundo Pavan, é a que investirá nos próximos cinco anos a concessionária da antiga Malha Sudeste  (Rio, São Paulo, Belo Horizonte) em modernização, privatizada em setembro de 96. Em um ano o setor aumentou sua atividade, de 45 milhões de toneladas de carga para 51 milhões, graças à recuperação de linhas, vagões e locomotivas.  
              
Mercados - Que o transporte debilita a posição da soja brasileira é a tese também do presidente da Abiove, Associação Brasileira das Indústria de Óleos Vegetais, Cesar Borges de Souza, que lamenta a falta de investimentos nas ferrovias, mas vê com bons olhos o futuro. A safra de 99, na sua opinião, será em grande parte escoada no Mato Grosso do Sul pela via férrea. No ano seguinte a do Mato Grosso. E para as hidrovias, então, acha que um papel de grande importância lhes reserva o futuro. Mas é o mercado crescente e promissor que o atrai. Cesar Borges acha que a perspectiva é de maior produção e crescimento nas exportações de grãos e farelo. Mas isso é bom só até certo ponto, pois melhor seria processar essa matéria prima, abastecer melhor o mercado interno e inclusive desenvolver novos produtos.

    
    
 
   Hoje a soja representa 53% da produção de oleaginosas em todo o mundo, e contribui com 63% da produção de farelos. É também a principal matéria prima para o fabrico de óleos vegetais, com 29%. Das 151 milhões de toneladas que serão produzidas no mundo, é a previsão, 123 milhões acabarão em farelo e 28 milhões em óleo. Os EUA terão 49% desse total, o Brasil 20% e a Argentina 10%, vindo a seguir a China com 9%. Os EUA esmagarão 32%, o Brasil 17% e a Argentina 10%. Curiosamente, em quarto lugar surge a União Européia, que não produz mas esmaga. A Europa comprará 15,8 milhões de toneladas de grãos, que na maior parte transformará em rações animais, o Japão 4,9 e a China 3 milhões (esses dois para consumo humano) mesma quantidade importada pelo México. Os EUA exportarão 26,5 milhões, o Brasil 7,4 e a Argentina 1,5.                                       
   Já o total previsto de exportação de farelo de soja será de 36 milhões de toneladas, produto do qual o Brasil é o maior vendedor, com 10,9 milhões, seguido pela Argentina com 9,4 milhões e pelos EUA com 6,6 milhões. A Europa ainda é a maior compradora, com 15,3 milhões de toneladas, e o Japão o segundo, com 4,5. A Argentina é a maior exportadora de óleo de soja, com 2 milhões de toneladas. O Brasil exporta 1,3 milhão e os EUA 1,1. A China comprará 1,7 milhão e o Irã 400 mil toneladas. Daí, na análise de Cesar Borges, percebesse o potencial do mercado. A Asia, que compra hoje 23% da produção mundial, com 8.211 milhões de toneladas, ainda é uma incógnita em razão da crise econômica emergente.        
              
Futuro - Um dos maiores componentes na equação do mercado futuro é a redução na área agricultável, a medida de terra cultivada para alimentar uma pessoa, em vários países. Hoje essa unidade está fixada em 0,07 hectare. Para o ano 2025 acredita-se que não terão área suficiente para alimentar suas populações Israel e a China, além do Quênia, Bangladesh, Vietnã, Jordânia e Coréia do Norte, onde o desastre já é real. A China, com seus bilhões de habitantes, é portanto o grande mercado dos próximos anos. E a soja, tradicional alimento chinês, será a fonte de suprimento de proteínas daquele povo. De um total de 32 mil toneladas de farelo importadas em  92, os chineses evoluíram e já anunciaram a compra de 5,1 milhões em 98, quando consumirão 12,5 milhões no total. E o óleo de soja, de 217mil toneladas em 92, teve sua compra aumentada para 2,2 milhões.                                         
    Além disso, a China passa por um processo de alteração estrutural, ocupando parte de seus esforços na industrialização em detrimento da agricultura, onde seu maior problema é a disponibilidade de solo. Uma das questões que sobressaem é se há vantagem no  esmagamento da soja ou se a venda em grãos é mais rentável. Este ano, da produção estimada de 30 milhões de toneladas, 7,5 milhões serão exportadas e 21,2 milhões  esmagadas, permanecendo o resto em estoque. O consumo interno de farelo estima-se em 5,6 milhões de toneladas e a exportação planejada em 11,2 milhões. Já o óleo tem um consumo interno de 2,8 milhões, exportando-se 1,3.                                  
   A escolha depende de muitos fatores, desde os de ordem tributária aos mercadológicos. As barreiras alfandegárias, recurso protecionista de alguns países como o Japão e os EUA, representam um dos grandes obstáculos à exportação do produto industrializado. Cesar Borges considera a safra recorde brasileira deste ano a resultante de um conjunto de circunstâncias favoráveis, como as altas cotações da soja em 97, que capitalizaram o produtor; a desoneração do ICMS nas exportações, acabando com uma situação que servia de chacota entre os importadores estrangeiros; e principalmente pelo aumento de uso de insumos. Aliás, a capitalização aponta para um crescimento geométrico dos insumos modernos que, acrescido da melhoria no sistema de transporte, e sua consequente redução de custos, significará certamente aumento de produção nas próximas safras.                             
    A perspectiva dos analistas é de que a demanda mundial de farelo de soja cresça em média três por cento ao ano, o que, junto com as mudanças estruturais em andamento na China (e sua necessidade de alimento), e a disponibilidade de terras no Brasil, apontam para um futuro promissor da cultura de soja brasileira.   
        
    “A China será o principal comprador de soja, nos  próximos anos.”    
                 
    Especiais medidas visando ao aumento da competitividade, como a discussão das barreiras alfandegárias -os EUA impõem uma sobretaxa de 20,8% no óleo de soja, contra 7% nos demais óleos comestíveis, e o Japão 30% - juntamente com a redução do custo Brasil poderão significar mudanças significativas, também.                                      
    Mas o protecionismo internacional é a maior barreira para a soja brasileira no setor. O Japão, que em 93 importou 5.031 mil toneladas, processando 3.790, comprou naquele ano 917 mil toneladas de farelo e apenas duas mil de óleo, com a sobretaxa de 30%. Em 96 suas compras caíram para 4.870 (processou 3.682) de grão e 739 mil de farelo. Apenas mil  toneladas de óleo entraram no país. A indústria de soja do Brasil queixa-se hoje principalmente de ser penalizada por uma tributação que não é cobrada na exportação de matéria para indústrias de outros países. Isso precisa ser resolvido se quisermos melhorar a competitividade internacional.     Além disso, há ainda a questão do ICMS interestadual de 12%, que onera as empresas, pois a isenção na exportação não desobriga o imposto nas operações entre Estados, obrigando-as a operar com créditos tributários.                                      
   Como consequência o produto acaba sendo exportado em grão, com queda da atividade industrial brasileira, perda de empregos e redução do valor adicionado, afirma a indústria. A Argentina já adotou medidas compensatórias para beneficiar sua indústria, atualmente em melhores condições do que a brasileira. Medidas sugeridas pelo setor integram a harmonização da política tributária no Mercosul e a redução do custo Brasil, onde já há uma perspectiva favorável, mas ainda se vê nítida desvantagem do produtor brasileiro frente a seus colegas argentinos e norte-americanos.                                      
    Os pontos fortes do negócio da soja no momento  são a disponibilidade de terras e o bom nível de produtividade agrícola, bem como o excelente padrão tecnológico no plantio e processamento. O Brasil tem ainda tradição no fornecimento de produtos oleaginosos ao mercado mundial e no mercado interno conta com a aceitação generalizada do óleo de soja. O uso de farelo na produção interna de carnes também conta, junto com a estrutura existente para a captação de financiamentos externos.                                            
   De outra parte, retardam o desenvolvimento da soja, segundo os industriais, a falta de organização específica dos produtores, a competitividade deteriorada pelo custo Brasil, o protecionismo japonês, dos EUA e União Européia, a falta de promoção de mercado e o baixo nível de integração com países do pacto Andino, um mercado em potencial. Além disso, a indústria aponta um excesso de capacidade instalada frente a oferta de oleaginosas, em especial devido ao atraso na aplicação da biotecnologia no país.     
                 
Liderança - A continuar a evolução da cultura de soja brasileira nesse ritmo o país assumirá a liderança mundial na produção da oleaginosa na próxima década, na opinião de Nelson Mamede, diretor comercial da Sadia,  que observa especialmente a indisponibilidade de novas áreas para plantio nos EUA, atual maior produtor. O Brasil poderá incorporar facilmente 10 milhões de hectares nos próximos anos. Já os EUA, para plantar mais soja, teriam de usar terras ocupadas pela cultura do milho, o que não lhes interessam. Por isso vai estabilizar a produção de soja norte-americana, que dependerá, para aumento, apenas da tecnologia.                               
    Mamede porém defende a ideia de se melhorar o aproveitamento industrial do produto, pois ser grande exportador de farelo não ajuda o valor agregado. O atual modelo de precificação é danoso, afirma, por depender apenas de fatores externos. Além disso defende a maior profissionalização do produtor nacional, dos quais poucos conhecem o consumidor final para atender às suas reais necessidades.    
           
Sustentação
- Antes oscilando em função do clima, o mercado mundial mudou principalmente devido ao crescimento substancial do consumo, o que nos leva a um movimento de preços sustentados que vigora há dois anos, explica o jornalista Silmar Muller, diretor da “Safras & Mercados”. Um setor altamente globalizado, com três grandes fornecedores, EUA, Brasil e Argentina, registra agora um grande aumento de consumo, o que exige maior produção. E mudou o mercado. A melhoria das condições econômicas na Ásia -antes da crise- levou ao maior consumo de proteínas, na forma de produtos de soja, em índices de 15% ao ano.                            
    A deterioração das economias asiáticas é agora o fator desconcertante, de consequências ainda imprevisíveis. Mas Silmar considera a China o ponto de desequilíbrio, com seu aumento de importações, capaz de compensar perfeitamente a redução asiática. Por isso a situação ainda é muito boa, e os estoques mundiais se encontram abaixo dos níveis de segurança. Na sua opinião, no entanto, o produtor brasileiro perdeu esse ano a melhor época de comercialização, com preços altos. Isso porque se encontrava capitalizado, sem necessidade de vender. O mercado deve se manter estável no primeiro semestre, caindo um pouco no segundo.     Mas tudo são especulações, adianta, pois o mercado depende também do clima. De qualquer forma, o estímulo de melhores hábitos alimentares na Ásia deve tranquilizar o produtor nacional. Além disso, surge com força o hábito de consumo de produtos à base de soja nos EUA, o que aumenta potencialmente o mercado.      
         
Biotecnologia
- A maior arma tecnológica para o aumento da produção é a biotecnologia, sem dúvida alguma, é opinião unânime. E o primeiro produto a ser lançado, pelo menos o que está em fase de testes mais avançada é a soja Roudup Ready, da Monsanto, um sucesso de vendas nos EUA e na Argentina. É com a introdução da soja transgênica que o agricultor poderá usar menos inseticidas, herbicidas e fungicidas, com toda a economia que isso significa. Vai poupar também em combustíveis, já que haverá menos transporte e aplicação daqueles produtos. Igualmente obterá maior renda, devido ao melhor manejo de ervas e pragas. Isso tudo sem se falar nos benefícios ecológicos proporcionados.                                           
    O agrônomo Geraldo Berger, gerente do projeto Roundup Ready, credita à essa soja notável expansão do potencial que o setor  obterá nos próximos anos, enfrentando o crescimento da demanda mundial. Mais, ainda, garante que a Roundup, no Brasil, já virá adaptada às condições climáticas regionais, pois o gene resistente ao herbicida foi introduzido em variedades já testadas. Sem dúvida, afirma, será a novidade que alterará todo o sistema de produção. Foi iniciado seu estudo em 1983, nos EUA, com a comercialização liberada em l996. Todos os problemas, portanto, foram sanados nesse período. Em síntese, trata-se de uma nova proteína isolada de um microorganismo encontrado no solo. É uma inserção no DNA da planta, proporcionando uma herança mendeliana estável, quer dizer, não se altera nas gerações seguintes.                              
    Quando se aplica o herbicida nas invasoras, sua eliminação se dá através do bloqueio da função metabólica dessa planta. Já a soja, pela ação de uma enzima, resiste ao bloqueio, mantendo a ação vegetativa mesmo sob a ação do herbicida. Nos EUA foi alvo de mais de 300 testes com 150 linhagens diferentes, verificando-se desde a sua agressividade e competitividade frente a outras plantas até a performance agronômica.                 A principal conclusão é de que a soja se mantém viva, apesar do herbicida, sem causar qualquer impacto ambiental. No Brasil conta com a aprovação da CTNBio para plantio em testes desde maio de 97, em pequena escala, em projeto desenvolvido com a Embrapa, Coodetec e a Universidade de Viçosa. E desde outubro de 97 está aprovada no país sua importação para fins industriais, na proporção de 17% com outras variedades.     Espera-se, em princípio, seu lançamento comercial ocorrerá na safra 99/2000.      
                  
Governo
- O Governo brasileiro está ciente da importância da soja para a economia nacional e vem adotando medidas para incentivar a produção, diz Benedito Rosa do Espírito Santo, da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura. E nem poderia ser diferente, pois a soja tem papel de destaque na recuperação da renda agrícola e por decorrência no desempenho global da economia. Afinal, o complexo soja se tornou nos últimos 15 anos o principal produto do agribusiness brasileiro, gerando uma renda direta (grão, farelo e óleo) de cerca de US$ 8,5 bilhões.                                 
    Essa oferta vigorosa tornou também o Brasil o segundo maior consumidor de farelo e óleo de soja. O farelo possibilitou ao país a posição destacada como exportador de aves. Nos últimos três anos o Brasil saiu do patamar médio de 20 milhões de toneladas/ano para os 30 milhões graças, entre outras coisas, a medidas como a resolução do Banco Central que permite ao produtor rural, enquanto tomador final, assumir o risco cambial de financiamento, e à isenção do ICMS nas exportações. A estabilidade econômica igualmente é apontada como fator de incremento, pela previsibilidade nos recursos financeiros e confiabilidade nas negociações de vendas antecipadas.                                      
    Mas o que parece ser realmente importante é a posição governamental de apoiar a atividade privada em diversos patamares. Assim, a privatização dos portos e da malha ferroviária, além de importantes segmentos da própria rede rodoviária estão entre as medidas que afetam diretamente o incremento da produção. Mas Benedito aponta outro fato como acelerador do processo, que é a entrada de grandes empresas privadas na pesquisa e produção de sementes. O Governo, diz ele, vê com o maior interesse e boa vontade a chegada das grandes organizações no setor sementeiro, pela diversidade de operações e a possibilidade de proporcionar resposta rápida às necessidades dos produtores.

    
   

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