O Negócio de Sementes em Expansão no Mundo

Edição II | 04 - Jul . 1998
Equipe SEEDnews-seednews@seednews.inf.br
    Uma leitura mais ou menos atenta no noticiário econômico dos jornais mostra aos observadores que os polos de domínio estão se alterando e que negócios milionários se realizam em todo o mundo visando ao controle da produção de alimentos através da semente. As grandes corporações compram a qualquer preço empresas detentoras de patente de variedades vegetais com boa produtividade, a pesquisa se volta para novas áreas, como a biotecnologia, e o agricultor, no fim da cadeia produtiva, nem mesmo sabe que semente pode ou não usar, e se deve ou não pagar por ela.                           
    No último dos meganegócios do gênero, a gigante Monsanto e a American Home anunciaram uma fusão avaliada em US$ 34 bilhões para atuar exatamente no setor agrícola, de olho nas sementes, não mais apenas conhecidas apenas pelo caráter reprodutivo, passando a veículos de transporte de tecnologia. Em especial o mercado visado é o dos agroquímicos, via semente. Em todo o mundo os pesquisadores passam a ter seu trabalho protegido por leis demarcadoras dos direitos autorais e os agricultores mais e mais são levados a usar sementes que induzem a alta produtividade, pagando não só quando a compram, mas também se a reproduzem por conta própria, na segunda safra. O Brasil, que dá os primeiros passos no ramo com a regulamentação da Lei de Proteção de Cultivares, promulgada em 97, estuda agora as alterações na Lei de Sementes, para enfrentar a evolução mercadológica.  
                                  
   Muitas mudanças ocorreram na indústria de sementes dos Estados Unidos, gerando efeitos dramáticos em sua estrutura. Mudou especialmente o tamanho das empresas ampliadas, seja por compras, seja por incorporações. No entanto parece que a maneira de negociar não mudou, pois muitas nem os nomes trocaram, por razões de marca e de clientes. Se as grandes cresceram, as pequenas que permanecerão no negócio terão de se tornar criativas e adequar-se às grandes mudanças. Ao invés, por exemplo, de cultivar variedades de domínio público, poderão servir como franqueadas de outras companhias. Ou sua sobrevivência significaria a diversificação de atividades, como na área de agroquímicos.                                         
    Em alguns casos empresas pequenas, com bom gerenciamento, cresceram e compraram seus antigos competidores. Mas nos EUA a maioria dos negócios significou a compra, por empresas do ramo de agroquímicos, de outras já estabelecidas, para incorporar mercado, agregando seus produtos à semente. A segunda grande mudança, não propriamente uma novidade, mas em expansão, é o uso da semente para transportar tecnologia. Antes levava fungicidas e outros produtos, porém agora a semente incorpora genes específicos, ou características, que permitem a diferenciação de práticas agronômicas. A soja Roundup Ready e o algodão Bt, junto com outras características de alterações transgênicas, proporcionaram transformações nos últimos anos. Nessa área as mudanças para o futuro são ilimitadas. Essas transformações também mudaram a relação de preço entre grão e semente, da mesma forma ocorrida com os híbridos no início do século. A diferença desses com as variedades estava na produtividade. Agora houve redução dos custos de produção. Todavia, também há ênfase na produtividade nos programas de melhoramento e algumas das novas tecnologias estão sendo introduzidas nas sementes das variedades já de há muito conhecidas.                      Quando a produtividade não é afetada e a característica alterada permanece nas futuras gerações, ocorrem problemas nos programas de marketing das empresas. Elas gastam enormes somas para que uma nova tecnologia alcance o mercado, e para auferir recompensa pelo esforço, deve alterar o marketing. Para algumas variedades nos EUA, assim, os gricultores são forçados legalmente a pagar até pelas sementes que reproduzem. Para algumas características especiais os agricultores pagam taxa de licenciamento. E essas sementes podem custar mais do que o dobro das de uma variedade tradicional. Isso tudo funciona bem devido à lei de proteção de cultivares. Para complicar, muitas vezes há patentes de diferentes companhias embutidas na semente na mesma embalagem.                                 
   Todas essas situações merecem análise e conduzem a várias alternativas, ainda sem respostas claras. A questão de se formar joint ventures com empresas detentoras de patentes sobre determinada característica, para introduzi-las em variedades de domínio público, ainda é polêmica. A decisão é difícil, pois as joint ventures podem outorgar direitos exclusivos de comercializar as sementes e a exclusividade sobre as variedades de domínio público gera controvérsia. Os agricultores acreditam que os seus impostos são utilizados para criar essas variedades e se consideram enganados caso tenham que pagar royalty para utilizá-las. As incorporações e compras de empresas reduziram muito o número dos distribuidores de sementes. Para complicar mais a situação, se as variedades públicas deixarem o mercado ou tiverem reduzida participação, provavelmente as empresas poderão cobrar mais por suas sementes, diminuindo o lucro do agricultor.                            
   Até o presente, o marketing público tem sido inferior ao do setor privado, por orientação superior. O limite de competição do setor público dos EUA também é polêmico. Não está claro se deve permanecer na condução da pesquisa básica, provendo o setor privado com materiais promissores, ou conduzir o melhoramento até o desenvolvimento de uma nova variedade. As empresas gostariam de ter a última opção, porém os agricultores temem que se o setor privado controlar todas as variedades gerará problemas no setor agrícola a médio prazo. Considerando as incorporações e fusões já ocorridas, essa hipótese, provavelmente, não vai ocorrer. Outra recente novidade gerada pelas mudanças na estrutura do negócio de sementes foi a disposição do agricultor de buscar na Justiça a proteção de seus direitos. Há um sentimento de que o agricultor não está mais tratando com o seu vizinho comerciante de sementes, mas negociando com a Corporação América, que tenta tirar-lhes cada centavo possível. Essa atitude motiva os processos.                               
    No Mississippi, em 1998, já ocorreu a primeira reunião de uma comissão de arbitramento para assuntos de sementes desde a sua criação em 1972. A política agrícola nos EUA tem um papel importante na indústria de sementes. Pela tendência atual o Governo não mais decide o que o agricultor deve plantar. Estes podem cultivar a área que quiserem, o que é bom para eles mas em contrapartida cria problemas para o produtor de sementes. Dessa forma os agricultores do Sul podem esperar até o último momento para decidir-se sobre o plantio de arroz, soja, milho, sorgo ou algodão, o que depende em parte da sua disponibilidade dos equipamentos. Mas, se ele tem maior flexibilidade, acaba causando problemas de planejamento para o produtor de sementes. Uma área que direta ou indiretamente afeta a indústria de sementes é o programa de auto taxação pela produção. Nesse programa os agricultores recolhem uma pequena contribuição sobre a sua produção de grãos, destinada à pesquisa e promoção de produtos, ajudando de forma acentuada o setor público. A maior parte da tecnologia de sementes transgênicas tem sido desenvolvidas no setor privado, que obtém retorno dos seus investimentos, em maior escala do que o público. Sem esse dinheiro o setor público estaria praticamente morto.                         
    Na cultura da soja, o programa financia a produção, marketing, processamento e desenvolvimento de produtos. Os agricultores pagam hoje nos EUA US$ 38 pelo direito de utilizar as sementes e não lhes é permitido guardá-la para o ano seguinte. No início da biotecnologia, o financiamento de pesquisa na agricultura decidiu não mais investir em pessoal e equipamento para conduzir o estudo de ponta na área. Feitas as contas, constata-se que o custo dos contribuintes seria menor do que os atuais valores associados à compra de sementes caso o governo não tivesse decidido cortar investimentos. Isto não quer dizer que toda a pesquisa deveria ser conduzida pelo setor público, pois nossos agricultores têm hoje muito mais variedades proporcionando-lhes maiores benefícios. 

    “A biotecnologia e o direito autoral do melhorista foram os pivôs da mudança no relógio “semente” do Mundo.”   
                 
    Em áreas onde o desenvolvimento foi paralelo, como em soja, a relação de preço entre o grão e a semente é mais favorável para o agricultor do que as transgênicas. Não se trata de dizer que a relação está errada, pois houve imensos investimentos antes que o primeiro dólar retornasse. Considerando o nível de competitividade na indústria de sementes dos EUA, altos retornos são necessários se a empresa quiser permanecer no negócio. Dizendo de uma outra forma, os agricultores se beneficiou por ter o setor privado melhor  visão do que o público ao investir nessas tecnologias de ponta. Então, como um comercial de automóvel ilustrou bem, informando “você pode pagar-me agora ou mais tarde”, que se deve pagar pela tecnologia nem se discute. A questão é como e quando pagar.                             
   No futuro próximo a tendência continuará, desde que não haja mudança na estrutura mercadológica. Muitas pequenas empresas tornar-se-ão pontos de venda, em vez de produtores de sementes. Sem dúvidas a sobrevivência levará a todo tipo de operações, mas o provável é que a maior parte do negócio sementes permaneça em mãos de poucas empresas. Outra mudança previsível é a produção, para mercados específicos, de mais sementes com valor agregado. Com o avanço da engenharia genética a tendência tende a se popularizar. Exemplos disso seriam o milho com maior conteúdo de óleo ou proteína, e soja para consumo humano. Também há dúvida sobre se o agricultor guardará sua própria semente, o que se espera venha a diminuir, com a introdução de maior tecnologia. Todas as indicações apontam para o aumento das atividades do setor privado com as empresas multinacionais.                             
   Essas companhias estão no negócio para trocar as sementes, não as variedades. Todos os casos acima estão conectados a dois fatores, a biotecnologia e a lei de proteção de cultivares. Se não se proteger a propriedade intelectual os agricultores sofrerão a longo prazo, pois as variedades  são específicas para determinados ambientes e as empresas não as levarão para locais sem garantia do devido retorno. Há quem veja a agricultura do futuro como uma fábrica e não como um modo de viver. Alguma coisa similar já ocorreu nos EUA com a indústria de frangos. Quem tiver bom gerenciamento vai sobreviver, mas o futuro certamente será olhado de forma diferente.

    
 

Autor desta matéria: Warren Couvillion Ph.D. - Professor (EUA). 

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