Produção de Semente Básica

Edição II | 06 - Nov . 1998
Antonio Carlos Souza de Albuquerque Barros-acbarros@ufpel.edu.br
    Quando se pensa em agronomia, imediatamente estabelece-se relação com o campo, a produção e os trabalhos diários ali desenvolvidos. A agricultura moderna e as novas  tecnologias estão se espalhando pelo mundo, mas invariavelmente, ligadas à semente. “Nunca imaginávamos que poderíamos estar envolvidos profissionalmente com a gênese, a base e a origem de toda a agricultura - a semente.” A.C.S.A Barros  
                  
    A Semente Básica é a primeira geração da Semente Genética, aquela que foi obtida pelo fitomelhorista. Para que se defina melhor a semente básica, primeiro é preciso definir a semente genética. A genética é a semente mãe, é a nova variedade, é a nova criatura, desenvolvida pelo pesquisador e que ao ser multiplicada no campo por quem a criou, vai dar origem à semente básica.                            
    Ainda sobre a semente genética, é importante ressaltar que foi obtida através do trabalho do melhorista e que muitas vezes leva 8, 10 ou mais anos para ser criada. Essa nova variedade foi selecionada por suas qualidades a partir de uma planta, de uma semente, de uma raiz ou em alguns casos, de um tecido obtido em laboratório, onde foi incorporado algum gene que vai dar resistência frente ao inseto, ao herbicida, enfim, agregando uma nova tecnologia.                          
    Mas tudo isso que foi feito, melhorado e multiplicado, resulta em pequenas porções de sementes, ou seja, de gramas a poucos quilos de Semente Genética. O que resta fazer? – Tornar essas pequenas quantidades mais disponíveis, em maior quantidade, ao produtor de sementes, e esse ao agricultor. E a fórmula é bem simples: multiplicar novamente, produzindo, aí sim, a Semente Básica.                             
    Caso não se tivesse a semente básica, os custos da semente da nova variedade seriam elevadíssimos, e a compra de, por exemplo, 10 g daquela nova semente, ou seja, da nova variedade, praticamente seria inviável pela pouca quantidade de semente disponível e pelo alto custo. Assim, a semente básica tem como objetivo, obter mais quantidade, aumentando a disponibilidade de sementes para o produtor a um custo mais baixo. E, na medida em que o programa de sementes avança, maior será a disponibilidade da nova variedade, por um preço ainda menor.                                   
   Um programa dinâmico terá sementes/variedades novas, rapidamente disponíveis para o produtor, pois esse é o maior objetivo. É sabido que novas variedades têm valor somente quando chegam às mãos dos agricultores para serem amplamente “plantadas”, mantendo, porém, inalteradas as características superiores obtidas através do melhoramento. Para tanto (é preciso enfatizar), faz-se necessário aumentar a quantidade de sementes disponíveis e tornar suficiente o suprimento de sementes para a demanda desse novo produto pelo agricultor.                    
   No Brasil, a Embrapa é um dos exemplos da importância de que se reveste a produção de Sementes e a sua multiplicação, pois possui um Serviço de Produção de Sementes Básicas, criado na década de 70, com unidades espalhadas em todas as regiões do país. Dessa mesma forma, as empresas privadas possuem o seu sistema de manutenção e multiplicação de semente genética, para produzir a semente básica e garantir a sobrevivência e permanência no mercado das novas variedades que desenvolvem.   
                     
    Custo               
    É possível imaginar quanto custaria esse trabalho e o produto desse trabalho, ou seja, a nova variedade? Imagine-se que o obtido aqui é apenas um punhado de sementes, ou poucas gramas, ou poucos quilogramas daquele material melhorado em que se colocou muito  trabalho e a esperança de contribuir com o agricultor e trazer o retorno do que foi investido em tempo, conhecimento e dinheiro de quem acreditou no trabalho. Multiplica-se, então, a semente genética e se obtém a semente básica, resultando, ainda, uma pequena quantidade. Quanto custaria essa semente se fosse colocada, já nessa fase, à disposição do consumidor/agricultor? Saliente-se, uma vez mais, que estamos diante de semente de alta qualidade e que quando a semente Genética foi multiplicada para a produção da Básica, estava sob a supervisão do melhorista, garantindo-lhe a integridade e identidade genética. Tudo seria resumido da seguinte forma, considerando-se as proporções para soja e selecionando-se 400 plantas:                        
   Coloca-se as sementes de cada planta em uma linha, perfazendo assim 400 linhas. Cada planta é examinada atentamente para verificar a uniformidade dentro da linha como entre linhas. Normalmente, 20% da produção é rejeitada por problemas de desuniformidade. Assim, das 400 linhas iniciais colhesse apenas as sementes de 320 linhas de plantas. Considerando 100 sementes por planta com emergência de 80% e que 10 sementes pesam uma grama, tem-se: 320 linhas com 80 plantas cada, totalizando 320 x 80 = 25.600 plantas ou 2.560.000  sementes ou 256 kg. Desconsiderando todas as outras etapas, somente esse processo custa ao redor de R$ 20.000,00. Assim, cada kg de sementes custa 20.000,00 / 256 = R$ 78,13/kg.                              
    Novamente cabe a pergunta: Qual o valor dessa semente? É possível quantificar? Sem dúvida, o valor dessa semente – que é a genética – é incalculável, ou seja, não tem preço. Justifica-se tal afirmativa pelo fato de que tudo foi investido nesse produto. E, com essas quantidades, é impossível distribuir para todos os produtores, sendo fundamental multiplicar mais vezes para diminuir seu custo e ter semente em quantidade. Começando com os 256 kg tem-se em três gerações 6.912 t de sementes certificadas para venda aos agricultores. Dessa maneira, por todas as razões e números expostos, deve-se entender e valorizar a Semente Básica, que é onde inicia a caminhada para a disponibilização da semente para o agricultor.



A EXPERIÊNCIA DA EMBRAPA   
 
   O fitomelhoramento tem promovido uma constante e gradativa evolução do desempenho das cultivares colocadas à disposição do agricultor, destacando-se o crescimento da produtividade. Este crescimento é fortemente influenciado pelo potencial de rendimento, a tolerância a estresses e a resistência às pragas e doenças, que são fatores determinados por características genéticas, cuja expressão depende da autenticidade e pureza varietal do material cultivado. A variação genética das plantas é progressivamente reduzida através do melhoramento, para se maximizar a frequência de genes favoráveis, o que resulta na uniformização de caracteres morfológicos.                               
    O interesse na manutenção da uniformidade de uma população de plantas é sintetizado pelos seguintes aspectos:
·         necessidade agronômica de se maximizar o desempenho da cultivar recomendada e de se assegurar a máxima eficiência das operações agrícolas;
·         exigência legal de se atender aos requisitos da lei de proteção de cultivares e das normas de certificação da produção e do comércio de sementes;
·         necessidade estética relacionada com a percepção de qualidade.
 
    O lançamento de uma cultivar resulta em dois compromissos importantes para a instituição de pesquisa e melhoramento: a manutenção da nova cultivar e o provimento de sementes para o agricultor.                            A manutenção da nova cultivar é a perpetuação de um pequeno estoque de sementes de altíssima pureza, isento de sementes indesejáveis, a ser usado como base para multiplicações futuras. A transferência da nova cultivar da instituição de pesquisa para o agricultor é um processo organizado que inicia-se pela produção de sementes genéticas e a produção de sementes básicas, as quais são colocadas à disposição dos produtores de sementes para a obtenção das gerações posteriores. O desafio presente neste processo é a regularidade no fornecimento das sementes básicas, em volumes compatíveis com a demanda, com um nível de qualidade que assegure a satisfação dos clientes.                            
   A regularidade no fornecimento  de sementes básicas a cada safra é essencial para a manutenção da cultivar no mercado. Como o processo de produção de sementes constitui-se numa cadeia de elos interdependentes, é importante o suprimento de sementes básicas a cada ano, para que o produtor de sementes possa instalar seus campos e atender a sua clientela normalmente.



A tecnologia pós-colheita é essencial para a manutenção da qualidade da semente.               
 
    A qualidade da semente básica é resultante de medidas preventivas, de um acompanhamento rigoroso em todo o processo de produção e, se necessário, de medidas corretivas. As medidas preventivas são aquelas destinadas a impedir ou reduzir a possibilidade de aparecimento de problemas no processo de produção, como escolha de uma região propícia para a produção de sementes, seleção criteriosa de cooperador e de área, uso de sementes produzidas sob rígido controle de qualidade e com os padrões requeridos, época de plantio adequada, isolamento necessário, cuidados com limpeza de máquinas e equipamentos, e capacitação do pessoal envolvido no processo de produção.                             
    O acompanhamento é realizado através de inspeções de campo, verificações de regulagens e avaliações do desempenho de colhedoras e máquinas de beneficiamento, e análises de amostras de sementes coletadas no decorrer do processo de beneficiamento. As medidas corretivas, como o rouguing, destinam-se a aprimorar um ou mais atributos de qualidade do campo ou do lote de sementes. A execução criteriosa do rouguing requer treinamento do pessoal e constante supervisão do trabalho, sendo portanto, mais recomendável a sua execução nas classes de sementes genéticas e básicas, em que as áreas são relativamente menores, e o pessoal envolvido no processo de produção habitualmente é mais sensível para a questão da pureza varietal.                            
   A Embrapa, desenvolve programas de melhoramento de diversas espécies, das quais são lançadas inúmeras cultivares adaptadas a diferentes regiões. É necessária uma estratégia especial para a produção de sementes básicas e distribuição destas cultivares em todo o território nacional. Esta missão é realizada pela Embrapa – Sementes Básicas (SPSB), que assegura o estabelecimento e reconhecimento da marca e dos produtos da empresa no mercado. Com o objetivo de maximizar o aproveitamento das sementes básicas, reduzir o prazo de adoção e aumentar a área plantada com as novas cultivares, a Embrapa – Sementes Básicas desenvolve um programa de difusão em conjunto com os centros de pesquisa.                          
   Através de unidades demonstrativas, as cultivares em fase de lançamento são apresentadas aos produtores de sementes e agricultores, juntamente com cultivares existentes no mercado e linhagens promissoras. Dessa maneira, os clientes têm contato com as novas cultivares geradas pela pesquisa, avaliam o seu desempenho, discutem as suas características e o seu manejo com pesquisadores e difusores, e são estimulados a adotá-las. Os campos de produção de sementes básicas têm se constituído em instrumentos úteis para a observação e validação das cultivares lançadas pela pesquisa.                              
   A necessidade de se dispor de um estoque significativo de sementes básicas na ocasião do lançamento da cultivar é o principal ponto de referência para o planejamento da produção. O planejamento inicia-se com uma alta taxa de incerteza, pois a multiplicação das linhagens é iniciada quando ainda não há definição quanto ao seu lançamento. As multiplicações são realizadas paralelamente aos ensaios de avaliação do material, e a cada ciclo de ensaios os materiais com desempenho inferior vão sendo descartados. A apresentação prévia das linhagens a serem lançadas nas unidades demonstrativas, tem permitindo prever de forma mais acertada as perspectivas do material no mercado e dimensionar o volume de sementes básicas a ser ofertado no seu lançamento.                            
  O comportamento e a aceitação da cultivar são monitorados para se dimensionar o suprimento de sementes básicas, e para se identificar o momento oportuno para sua substituição por uma nova cultivar. A multiplicação de linhagens e a produção de sementes genéticas são realizadas junto aos centros de pesquisa, ou nas unidades de produção da Embrapa – Sementes Básicas que têm área apropriada para a instalação das parcelas de multiplicação e equipe treinada para este trabalho. O produto dessas multiplicações é utilizado na instalação dos campos de produção de sementes básicas das unidades cuja produção é realizada em maior escala e que têm atuação mais intensa junto ao mercado.                              
   A lei de proteção de cultivares abre novas perspectivas para as organizações que fazem melhoramento genético vegetal. O estabelecimento de contratos de licenciamento para a produção de sementes permite a remuneração dos esforços dispendidos na criação de novas cultivares e dá uma certa estabilidade para o setor. As sementes básicas passam a ter uma maior importância estratégica nesta situação, pois a sua disponibilidade é determinante na definição do número e dimensão dos contratos de licenciamento, e em consequência, dos valores a serem arrecadados através de “royalties” e com a própria venda de sementes básicas.                         
   Através da semente básica é possível, hoje, controlar o acesso de produtores de sementes às novas cultivares, definir a distribuição espacial da sua produção, regular a disponibilidade de sementes aos agricultores e até mesmo interferir nos preços praticados no mercado de sementes.  

    O PROCESSO DE PRODUÇÃO DA MONSOY       

    Sistemas modernos de produção agrícola requerem uma alta precisão no estabelecimento das lavouras. Com um trabalho forte e dispendioso, realizado com técnicas avançadas e apropriadas para a cultura da soja, a Monsoy mostra como é possível disponibilizar aos seus multiplicadores uma semente de qualidade superior. Vários são os fatores responsáveis pelo sucesso do programa de melhoramento da qualidade genética das sementes, que vem sendo executado pela empresa.                       
   Dentre eles, destacam-se o profundo conhecimento do seu banco de germoplasma, devido ao mapeamento genético de suas linhagens; o direcionamento para a obtenção de cultivares específicas que atendam clientes específicos, através de métodos convencionais ou da biotecnologia; o reconhecimento rápido e seguro da presença de determinados genes com o auxílio de marcadores moleculares, a mecanização dos experimentos, que permite um aumento significativo no número de linhagens em teste; e a informatização na coleta, análise e divulgação dos dados.                               
   Mesmo com a utilização intensiva de alta tecnologia, o tempo mínimo necessário entre os cruzamentos e a recomendação de uma cultivar é de oito anos. De maneira concisa, as sementes provenientes dos cruzamentos são são semeadas no campo em linhas individuais para avanço de geração e estabilização do material. Nesta fase, milhares de linhas já passam por um processo de seleção com base em características fenotípicas.


 
Colheita e trilha individual de plantas.                           
 
    Estas linhas são colhidas e trilhadas separadamente para a obtenção de sementes que, normalmente, são suficientes para o plantio de pequenos blocos. Paralelamente, parte das sementes são utilizadas para testes de resistência a doenças e pragas em casa de-vegetação e em laboratório. As sementes provenientes dos blocos são utilizadas em testes preliminares de produtividade (duas repetições em três locais). Na geração seguinte, o volume de semente já permite a realização de testes com três repetições em 10 locais diferentes. Com base nestes resultados, as  100 linhagens mais promissoras são testadas por dois anos nas principais regiões produtoras de soja do Brasil.                             
    Estes ensaios são denominados “elite” e as principais cultivares da empresa e da concorrência estão presentes para comparação de ganhos genéticos. É importante salientar que este é um processo dinâmico, pois todos os anos centenas de cruzamentos são realizados. Isto significa que todos os anos estamos trabalhando em todas as fases do processo. Para abreviar o tempo de lançamento de uma cultivar e gerar uma quantidade suficiente de sementes para suprir a demanda das regiões onde as linhagens comprovam superioridade em relação às cultivares do mercado, é necessário purificar e multiplicar, concomitantemente, sementes das linhagens que estão no ensaio elite. Esta é uma prática onerosa, pois somente uma pequena parte daquelas linhagens são eleitas.


Cultivares passam por exaustivos testes de campo.
 
    “O tempo mínimo necessário entre os cruzamentos e a recomendação de uma cultivar é de oito anos.”
                   
    Os procedimentos técnicos para a produção da semente de classe genética ou básica das cultivares seguem a orientação e o acompanhamento de profissionais altamente qualificados. Os campos de produção são instalados em locais onde o aspecto sanitário, a fertilidade do solo e o clima são favoráveis ao bom desenvolvimento da soja. Além das práticas de inoculação e tratamento fungicida das sementes, momentos antes do plantio, e o controle das plantas daninhas, várias inspeções são realizadas durante todas as fases da cultura, para o controle de pragas, doenças e possíveis misturas varietais. Neste último caso, a eliminação das misturas é realizada normalmente nos períodos de floração e pré-colheita, numa operação chamada “rouguing”, quando é possível visualizar características típicas da variedade, tais como: altura de planta, cor de flor e de pubescência, entre outras.                              
   Como o número de cultivares é elevado, a manutenção da identidade genética é altamente dependente da eficiência na limpeza das máquinas, veículos transportadores e equipamentos de beneficiamento por ocasião da troca de cultivar. Para este tipo de limpeza é bastante utilizado ar comprimido. A lavagem constante das máquinas pode diminuir a sua vida útil. Outra medida adotada para se evitar a mistura varietal é colher primeiro a bordadura dos campos, destinando os primeiros sacos para consumo.                              
   Como é feito o planejamento da produção de sementes de classes superiores, já que estas devem ser produzidas bem antes que o agricultor decida comprar a semente? As bases para a tomada de decisão do volume de semente fiscalizada por cultivar que será produzida daqui a dois anos são:
a) as previsões de tamanho e participação de mercado com o lançamento de cultivares que possuam valores agregados de grande interesse para os agricultores;
b) a porcentagem teórica ideal de cultivares levando em consideração o seu ciclo, e o nível tecnológico da macro-região em que serão produzidas;
c) as demandas reportadas pela rede de franquia e por agricultores.          
                   
    Estas informações são compiladas e utilizadas para os cálculos de área de campos de produção e volume de semente nas classes anteriores. Este exercício é gratificante no sentido de que correções nos planos iniciais podem e normalmente são feitas a nível regional ou de cultivar mas, provavelmente, não impactam a disponibilidade ou a sobra de sementes numa determinada safra. Os riscos de erro no setor comercial também podem ser minimizados pela adoção de medidas simples no planejamento, por exemplo, nenhuma cultivar deve representar mais que 10% do mercado de sementes.

Colaboraram com esta matéria: Hugo D. C. Villas Bôas - EMBRAPA, Rosivaldo Illipronti Jr. - MONSOY.                

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