O Sistema do Agronégocio de Sementes

Edição IV | 03 - Mai . 2000
Silmar Teichert Peske-silmar@seednews.inf.br
    A crescente demanda por alimentos, associada ao aumento da população do planeta e aos sinais de esgotamento progressivo da capacidade de expansão das áreas agricultáveis, face a problemas como a erosão e a diminuição dos mananciais de água, tem aumentado os desafios da moderna agricultura. Cada vez mais, é imposto aos responsáveis pela produção de alimentos um novo modelo agrícola, baseado na eficiência e na produtividade cada vez maior, em áreas preferencialmente menores.

    Para fazer frente às exigências do mercado consumidor, no que se refere a uma melhor qualidade de vida via alimentação e diante dos avanços científicos, o Sistema do Agronegócio em Sementes (SAG - Sementes) aumentou de forma acentuada nos últimos anos. Entre os componentes do Sistema, alguns merecem destaque especial pela atual participação no negócio, como é o caso dos gens – cujo processo de identificação, transferência e incorporação está sendo comercializado – e as traders, indústria e supermercados, que estão exigindo produtos cada vez melhores e tipificados, além do consumidor final, que está bastante criterioso quanto aos alimentos que consome.
   A Abrasem, juntamente com a Braspov, realizaram, em março último, um evento abordando vários componentes do SAG-Sementes, cujas palestras proferidas por profissionais estreitamente relacionados com o sistema, serviram de base para apresentação dessa matéria da SEEDNews.

    Disponibilidade de Gen
   Com o avanço da biotecnologia, possibilitando com relativa rapidez a identificação, transferência e incorporação de gens com funções para produção de produtos medicinais, industriais ou para aspectos agronômicos, o negócio sementes teve um tremendo impulso.
    Os gens encontrados na natureza não podem ser patenteados, pois são considerados como uma descoberta e não uma inovação. Porém, e os muitos negócios que estão sendo feitos entre as empresas, envolvendo gens? O que realmente está ocorrendo é que o processo de obtenção e transferência do gen é patenteável, e é isso que está sendo negociado. No momento, há menos de 20 gens sendo utilizados para incorporação em cerca de dez espécies, entretanto o potencial é enorme.
    Em relação ao patenteamento, é bom salientar que, caso o gen encontrado na natureza fosse patenteável, isso teria um grande impacto na agricultura, pois, mesmo o agricultor que guarda sua semente para uso posterior, teria que pagar alguma coisa ao detentor da patente do gen. Imagine o tamanho do negócio, já que, em termos globais, são utilizados mais de 130 milhões de toneladas de sementes. Desse total, apenas ao redor de 20% são utilizados com sementes comerciais.
    Assim, o que se tem hoje é o patenteamento do processo, que é realizado no INPI (Instituto Nacional de Propriedade Industrial), no Ministério de Ciência e Tecnologia, enquanto o gen com sua característica e função agronômica é protegido na Lei de Proteção de Cultivares no Ministério da Agricultura e Abastecimento, cuja produção comercial vai só até a semente.
    A conscientização das empresas em relação à importância dos gens na agricultura é tão grande que praticamente todas estão investindo somas enormes de recursos humanos e financeiros para obterem os gens de prateleira, ou seja, para usarem de acordo com as conveniências.
    A patente é um mecanismo que organiza e protege comercialmente processos e produtos, e quando envolve processo com várias etapas, a situação torna-se complexa, sendo comum empresas processarem outras por suposto uso indevido de uma etapa do processo de obtenção e/ou transferência de incorporação de um gen. O exemplo mais recente é o acordo entre as empresas gigantes Monsanto e Novartis, em que cada uma retira os processos abertos contra a outra.

    Fitomelhoramento
    O negócio de sementes e os benefícios dos agricultores aumentam quando há novas variedades no mercado, sem isso todos perdem. As novas variedades, além de trazerem avanços, também trazem a esperança de algo melhor.
   Esse aspecto, mais o fato de o mecanismo das sementes ser um ótimo veículo para levar aos agricultores os grandes avanços tecnológicos, motivou as empresas a investirem grandes somas na obtenção de germoplasmas que mais se adaptassem às necessidades dos agricultores, com qualidade apreciada também pelas donas de casa. O fenômeno fez com que as empresas de sementes que possuem programas de melhoramento próprio se concentrassem, devido à exigência de altos investimentos, normalmente com retorno somente a médiolongo prazos.
   No Brasil, essas empresas são em número inferior a dez (desconsiderando as estatais). E entretanto, para que suas sementes cheguem aos agricultores no tempo e lugar certos, utilizam-se dos produtores convencionais de sementes (sem programas de fitomelhoramento) que, apesar de terem diminuído um pouco, ainda são mais de 1000. Esses produtores de sementes são utilizados principalmente na comercialização de sementes de soja, arroz, algodão e trigo. Já no caso dos híbridos de milho e sorgo, mais de 90% do comércio é realizado pelas próprias empresas detentoras do material.
    Salienta-se que as grandes empresas possuem mais de 70% do mercado de híbridos (milho, sorgo), entretanto, em relação às autógamas (soja, arroz e trigo), esse percentual é inferior a 50%, pois a Embrapa ou as instituições estaduais de pesquisa, com sua larga tradição, bons materiais liberados nos últimos anos e um bom programa promocional de seus produtos, possuem uma grande fatia desse mercado. Outro aspecto dos programas estatais de pesquisa é que atuam também em culturas com menor expressão comercial, como amendoim, centeio, ervilhaca, milheto, colza e forrageiras, atendendo, assim, também a estes nichos de mercado.
    A relação entre as grandes empresas de sementes e os produtores convencionais de sementes ocorre principalmente através do licenciamento de variedades. É evidente que o negócio tem que ser bom para todos os integrantes; assim, as empresas comprometem- se com alguns aspectos do agronegócio, sendo o principal o fornecimento de materiais genéticos de alta qualidade, enquanto o produtor de sementes compromete- se a pagar, entre outras obrigações, um royalty pelo uso desses materiais.
   Basicamente, os requisitos que as empresas buscam nos produtores convencionais são a idoneidade, adequação das instalações, comprometimento, limitação da produção e a fatia de mercado, enquanto a habilitação fica condicionada ao cadastro comercial, produção mínima ( ex.: 10.000 sacas de 50kg ) e mercado. É evidente que em todas as relações há parâmetros de avaliação, que, por parte do produtor de sementes, envolvem nesse caso o atendimento (área semeada e colhida, produção recebida, aprovada e comercializada), reciprocidade, fatia de mercado e assiduidade.
    O licenciamento envolve um contrato com várias cláusulas, entre as quais destacam-se:
a) relação de troca - que em geral é de 2 a 5 kg de grãos por saco de 50 kg de semente, ou seja, de cada saco que o produtor de sementes produz ou vende, paga o equivalente de 2 a 5 kg de grão do produto ao detentor da variedade;
b) qualidade da semente - esse aspecto merece um comentário especial, pois há, de acordo com a lei de sementes, um padrão nacional e/ou estadual. Entretanto, as empresas exigem que as suas sementes tenham uma qualidade superior ao mínimo estabelecido por lei. Assim, para sementes de soja, em vez de 80%, o percentual de germinação é de 85%;
c) promoção e venda - a classificação de sementes por tamanho (soja), sacaria de papel, unidade de beneficiamento de sementes em adequado estado de conservação e manutenção, são requisitos que devem ser obedecidos;
d) exclusividade - as empresas não estão requerendo exclusividade, entretanto, é evidente que quanto maior for a relação, mais fácil será a comunicação entre as partes.

   Inclusive as empresas estatais estão se adaptando com ferramentas mais ágeis para licenciarem seus produtos aos produtores convencionais de semente. Nesse sentido, a Embrapa está sendo utilizada como referência, pois publica periodicamente um edital para licenciamento de seus materiais. Este é um mecanismo sui generis para fazer frente às necessidades de colocar no mercado rapidamente mais e melhores produtos.
    Há um consenso de que essa parceria entre a empresa e o produtor convencional de sementes profissionalize o setor. Poucos foram os que não se adequaram e saíram do negócio.
   Como pode ser observado, o setor de sementes está bem organizado, principalmente para as grandes culturas, fazendo com que os materiais de alta qualidade cheguem aos agricultores rapidamente, na hora e quantidade certas, para que estes produzam o que e quanto o mercado necessitar. É evidente que esse processo onere um pouco o custo da semente, entretanto seus benefícios são imensuráveis, quer na qualidade do produto ou no aumento das alternativas para o agricultor. Até pouco tempo, o número de variedades disponíveis para o agricultor era bastante restrito, algumas das quais com mais de 20 anos no mercado, por falta de alternativas. Isso agora é passado.
    Registra-se que o produtor convencional de sementes está apreensivo, devido a sua fragilidade no sistema, pois necessita de materiais desenvolvidos por outros, os quais detém o poder do licenciamento.
    Na ausência de novos materiais, os negócios são prejudicados. Isto é um sentimento real, entretanto, as empresas de sementes necessitam dos produtores convencionais como pontos de multiplicação e promoção de seus produtos. Em espécies autógamas, pode se considerar como um fato que as empresas de sementes necessitam dos produtores convencionais de sementes.

    Integração das cadeias produtivas
   As interações do novo ambiente de negócios com a cadeia produtiva apresentam implicações em novas relações contratuais, posicionamento da indústria, demonstração de benefício e o novo papel do setor de sementes.
    Na dinâmica de mercado constata- se, entre os fatores alavancadores de mudança, os avanços tecnológicos da biotecnologia e da informática, a exigência dos consumidores para produtos com qualidade garantida, e a crescente preocupação com questões ambientais. Por outro lado, têm-se fatores restritivos, como legislação não adequada, deficiência de infra- estrutura e pouco envolvimento da indústria de transformação e alimentação.
   Ainda em termos de mercado, aparece o processo de rotulagem de produtos (transgênicos), o qual visualiza-se como um desafio inevitável, pela exigência do consumidor que, diga-se de passagem, pela lei mercadológica, está sempre com a razão.
   Com os avanços tecnológicos, cada vez mais produtos com qualidade (alimentícia ou industrial) superior aparecerão no mercado, evidentemente com preço diferenciado, implicando no dimensionamento desses nichos de mercado para um adequado planejamento na produção de sementes, que originarão os produtos com qualidade superior.
    Neste contexto, as empresas de sementes podem ser consideradas como geradoras de tecnologia, e os produtores convencionais de sementes como seus pontos de multiplicação, para chegarem mais rapidamente com seus produtos aos agricultores, esses à indústria de transformação, e essa, por sua vez, ao supermercado e à dona de casa.
   No ambiente do SAG-Sementes não se poderia deixar de registrar a exigência crescente do agricultor por sementes de alta qualidade, fazendo com que florescesse a prática do tratamento de sementes com fungicida e/ou inseticidas (mercado de mais de oitenta milhões de dólares), principalmente para as grandes culturas e hortaliças, e do condicionamento osmótico e coating para sementes de hortaliças, em que só no Brasil há três empresas dedicando-se a esse negócio.

    Compra do grão
    Pode-se considerar que três são os produtos que os consumidores encontram no mercado: o convencional, o orgânico e o transgênico. A semente é essencial para qualquer um deles.
   Para que o mercado realmente tenha a qualidade que deseja, há necessidade de estritos controles de processos (produção, transporte, armazenamento e industrialização). Isso, de acordo com a Cargill (uma das grandes traders), irá acarretar:
1) envolvimento de agências de certificação, pois há necessidade que alguém não envolvido com o processo, ateste sua conformidade;
2) menores estruturas de armazenamento, isso devido às diferentes qualidades de produto, os quais não poderão ser misturados para poderem usufruir de preços compensadores;
3) processo de limpeza de equipamentos mais apurado que, pela experiência de quem trabalha com sementes, sabese que se pode demorar até mais do que um dia para ter os elevadores (ou outros equipamentos) realmente limpos. Esses procedimentos podem, facilmente, acarretar um aumento no custo do produto de 5 a 15 dólares por tonelada.

   A dona de casa é praticamente o consumidor final – a última engrenagem do sistema, que inicia na sementinha desenvolvida pelas empresas de sementes, recebendo, portanto, especial consideração e tendo atendidas suas preferências e expectativas. Nesses tempos em que a qualidade de vida cresce de importância, o consumidor fica mais seletivo quanto a sua alimentação.

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