Sementes Também Morrem

Edição VI | 03 - Mai . 2002
James Delouche-JCDelouche@aol.com
    Como todos que trabalham na agricultura já sabem, as sementes também morrem. Fatores como umidade, calor e fungos antes da colheita; danificação durante o manuseio; ataque de insetos e roedores; condições adversas de armazenamento; condições adversas de solo na semeadura; e a própria deterioração do processo de envelhecimento, entre outros, levam as sementes à morte. Porém, enquanto a morte das sementes é caso de grande preocupação para quem trabalha com as mesmas, o que chama a atenção de muitas pessoas, assim como da mídia, não é que as sementes morram, mas sim que elas vivam por tanto tempo!

Sementes dos avós

    Durante o tempo em que trabalhei no Laboratório de Sementes da Universidade do Mississippi/EUA, devo ter recebido centenas de amostras de sementes “velhas” para testes de germinação. 
    Eram sementes que haviam sido encontradas pelos mais diversos tipos de pessoas, nos mais variados locais, como velhos baús, arquivos, armários, garagens, e até mesmo cofres. A única coisa que estas sementes tinham em comum era a “antigüidade”, tendo geralmente mais de 30 anos. Em quase 90% dos casos, essas sementes estavam mortas, enquanto as demais 10% apresentavam uma baixa germinação. Como já era  esperado, as amostras com sementes germináveis (de mais de 30 anos) eram de espécies com sementes “duras”, trevos (Trifolium spp, Melilotus spp), as Lespedezas, alfafa (Medicago sativa), e diversas invasoras, tais como Rumex spp, Convolvulus spp e outras.

Recordes de longevidade em sementes

    Recordes de longevidade sempre atraíram a mídia. Já foram publicados relatos impressionantes de germinação de sementes de trigo e cevada encontradas nos túmulos dos antigos egípcios.  Após exame dos fatos, contudo, foi concluído que estes relatos eram simplesmente inválidos. A maior parte dos registros de germinação de sementes antigas parece ser o resultado de erros na autenticação e determinação da idade das amostras ou de deliberada desonestidade. Em um caso de germinação de sementes retiradas de um túmulo egípcio, as plantas resultantes eram reconhecidamente de uma variedade de trigo moderna! O relato de maior longevidade de sementes é de 10.000 anos, para sementes de lupinus ártico (Lupinus spp). A determinação da idade dessas sementes, contudo, nunca foi rigorosamente validada. O mais amplamente divulgado e autenticado relato de longevidade é o das sementes do lótus indiano (Nelumbo nucifera), descobertas na China em 1923, que apresentavam em torno de 1.200 anos. Contudo, na realidade, existe um número substancial de bem documentados registros de longevidade de sementes na classe de 100 a 200 anos, e de muitas na faixa de 50 a 100 anos, sendo as principais fontes de sementes mais antigas as plantas colecionadas em herbários e/ ou museus, das quais as idades podiam ser facilmente determinadas. Como observamos nas análises de sementes “velhas”, as sementes que são de vida longa em armazenamento sob condições de ar seco (como, por exemplo, no caso dos herbários) são geralmente de espécies pertencentes às famílias nas quais o principal mecanismo de dormência é a impermeabilidade à água da cobertura da semente (dureza). A sua maior longevidade pode ser atribuída à manutenção de um conteúdo de umidade baixo e estável, em contraste com as sementes “não duras”, que perdem ou ganham água de acordo com as flutuações da umidade relativa.

Excesso de umidade, calor, ataque de fungos e insetos, danos mecânicos, más condições de armazenamento e/ou de solo podem levar as sementes à morte.

Sementes no solo 

   A longevidade das sementes no solo é uma importante característica para a evolução, sobrevivência, distribuição e sucessão das espécies vegetais. Ela tem profundas implicações na ecologia da agricultura e, é claro, é de especial interesse para ecologistas e cientistas que estudam invasoras. Os resultados dos testes de germinação de experimentos com sementes enterradas no solo representam alguns dos melhor documentados registros da sobrevivência das sementes por longos períodos no solo. Um experimento clássico desse tipo foi conduzido nos Estados Unidos, iniciando em 1902, no qual foram colocadas sementes de invasoras e de espécies cultivadas em potes de argila com solo esterilizado, enterrados a diferentes profundidades.  As sementes de espécies invasoras sobreviveram por mais tempo, em qualquer profundidade no solo, enquanto poucas espécies de sementes cultivadas sobreviveram por 20 anos: Trifolium spp, Poa pratensis e Nicotiana tabacum. Apesar de nos parecer estranha a grande longevidade observada em sementes enterradas no solo, considerando que associamos longevidade de sementes com boas condições de armazenamento, baixo conteúdo de umidade e baixa temperatura, devemos lembrar que na natureza as sementes ficam armazenadas no solo e não em salas com ar condicionado. Sementes são mortais. A morte parece inevitável. Mas, a condição terminal não vem subitamente, exceto como conseqüência de dano mecânico drástico ou abuso de temperatura, e sim existe uma fase de transição entre a plena vitalidade e a morte, fase esta que será examinada em um próximo ensaio.

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