Armazenamento

Edição IV | 04 - Jul . 2000
Leopoldo Baudet-lmbaudet@ufpel.edu.br
Francisco Amaral Villela-francisco.villela@ufpel.edu.br
    No Brasil, o ataque de pragas, instalações inadequadas e falta de conhecimentos técnicos para a prática da armazenagem são responsáveis por perdas que chegam a mais de 20% da safra de grãos. Em sementes, as duas principais causas dos problemas de armazenamento são a baixa qualidade das sementes que vão para o armazém e a secagem inadequada. As sementes e os grãos são commodities altamente perecíveis, e, se armazenados corretamente, podem manter sua qualidade e viabilidade mesmo por décadas. Ainda assim, as sementes, como outras formas de vida, não podem permanecer viáveis indefinidamente e deterioram-se após algum tempo. Estas commodities são suscetíveis a ataques de insetos, ácaros, fungos, roedores e pássaros. Logo, somente boas práticas de armazenamento conservam a qualidade física e fisiológica a um alto nível.
 
Qualidade inicial –
A produção de sementes ou grãos de alta qualidade inicia no campo. A época de colheita é crucial para reduzir as chances de haver deterioração a campo, já que deixando as sementes no campo além do período em que estão prontas para serem colhidas (umidade favorável à debulha ou trilha mecânica) aumentam as chances de ocorrerem condições climáticas desfavoráveis, tais como chuvas e orvalhos fortes, que fazem flutuar a umidade das sementes. Se aliado a isto ocorrem altas temperaturas, a deterioração é mais rápida ainda. A colheita no momento certo e com os devidos cuidados é a chave para a produção de sementes de alta qualidade. Isto porque, na colheita, as sementes estão no máximo ou próximo do máximo de qualidade fisiológica (germinação e vigor) e todas as atividades subseqüentes, como a secagem, beneficiamento e armazenamento devem ser projetadas para a manutenção do nível de qualidade estabelecido ou inicial até a próxima temporada de semeadura, ou ao menos para minimizar a taxa de redução da qualidade.
Capacidade de armazenamento – O período crítico para determinar a capacidade de armazenamento é a época de colheita, quando se recebe a máxima quantidade de grãos ou sementes no ano. A diferença máxima entre o recebimento e a expedição é a quantidade de espaço requerido para armazenamento dos grãos. O gerenciamento implica em tomada de decisões: o que é melhor – construir um armazém relativamente grande para evitar riscos de deficiência de espaço na época de colheita, ou construir um pequeno, para reduzir os custos da empresa e evitar espaços vazios. Não se justifica a construção de um armazém que iguale ao recebimento, porém é importante programar a capacidade de secagem para permitir uma colheita contínua e o armazenamento a granel (regulador de fluxo) com as sementes pré-limpas e secas. No caso de um armazém já existente, a alternativa de utilização de silos de madeira de distribuição radial do ar tem a vantagem de poderem ser instalados dentro do armazém para diferentes capacidades, desde 300 sacos, permitindo um melhor controle dos lotes, bem como armazenar lotes de menor tamanho a granel no armazém. A Tabela 1 pode ser de grande ajuda para programar o espaço do armazenamento a granel.

    Armazenamento em sacos
Umidade de Equilíbrio – É de suma importância conhecer quais são os mecanismos de transferência de umidade entre as sementes e grãos e o ar ambiente. O bom entendimento destas relações ajuda o produtor a tomar as melhores decisões com relação ao período seguro de armazenamento para as mesmas e a melhor operação das unidades armazenadoras. A umidade das sementes e grãos se estabiliza quando estes são expostos a um ambiente específico por um período de tempo.
    A umidade final que as sementes alcançam num determinado ambiente se chama Umidade em Equilíbrio. A umidade em equilíbrio depende do tipo de sementes, da temperatura do ar e da Umidade Relativa (%UR) do ar (Tabela 2). Se a umidade das sementes é maior do que a umidade em equilíbrio, haverá secagem. Do contrário, sementes com umidade menor apanharão umidade do ar. A importância prática disto é de predizer quando as sementes vão perder ou absorver umidade num determinado ambiente de armazenamento.
Temperatura – O ar quente retém mais umidade, porém as sementes deixadas num ambiente quente terão uma umidade em equilíbrio mais baixa. Por exemplo, na tabela 2 pode-se observar que sementes de soja deixadas num ambiente com 70% de UR equilibram a uma umidade de 12,4 a 15oC; de 12,1% a 25oC; e de 11,7% a 35oC. A temperatura e a umidade são interdependentes, de maneira tal que se a umidade aumenta, a temperatura deve diminuir. Ademais, baixas temperaturas diminuem a atividade de fungos, já que os fungos mais comuns crescem mais rapidamente sob temperaturas de 30 a 35oC, e a maioria dos insetos que atacam as sementes são mais ativos sob tais temperaturas. Abaixo de 20oC, seu crescimento e reprodução são muito reduzidos, e abaixo de 10oC ficam dormentes.
Umidade – A umidade do ar (UR) tem um efeito maior do que a temperatura, já que afeta diretamente a umidade em equilíbrio das sementes. Os fungos do armazenamento não se reproduzem nem crescem em sementes em equilíbrio com UR menores que 65%, o que corresponde a umidades em torno de 10,5% para sementes de soja, e de 13% para cereais, em ambientes com temperatura mé dia de 25oC.
Condições de armazenamento – As principais condições para o sucesso no armazenamento de sementes em sacos são: boa ventilação; proteção do piso de concreto contra a umidade; controle de roedores; isolamento térmico – em áreas muito quentes é aconselhável o uso de estrados de madeira na base das pilhas; e localização do armazém, de modo a facilitar a ventilação e evitar o sol direto (leste-oeste). As sementes armazenadas em pilhas de sacos permanecem sempre mais quentes do que a temperatura mínima do ar dentro do armazém.
Sementes de soja – Para sementes de soja armazenadas em sacos, da colheita até nova semeadura, a umidade da semente deve estar no máximo em 12%. Grau de umidade da semente de 13% já é marginal. As pilhas devem ser montadas em locais limpos e ventilados no armazém. Para sementes que ficam armazenadas de um ano para outro, a umidade da semente deve ser de no máximo 10%, com temperatura do armazém de 15oC ou menos. Em regiões tropicais, a umidade da semente de soja deve ser de 12% ou menos, e a temperatura média do armazém, de 15oC. Também é importante lembrar que nestas regiões o maior problema não é o armazenamento das sementes em si, mas a época de colheita e a secagem, que são realmente os gargalos.

    Armazenamento a granel
Secagem – O gerenciamento apropriado da armazenagem é essencial para manter alta a qualidade da semente. Se as mesmas são colhidas com umidade acima de 13 a 14%, a secagem é necessária. Se for 16% ou menos, as sementes podem ser secas com ar ambiente. Se for mais, devem ser secas com secadores convencionais intermitentes (ou contínuos adaptados para intermitentes), ou em silos secadores com fluxos de ar ou vazões de 10 a 15 m3/minuto por tonelada de sementes, e a temperatura usada deve ser suficiente para não reduzir a umidade relativa do ar abaixo de 40%.


 
Aeração – A aeração é necessária, independente da umidade do produto, pois reduz a temperatura da massa de sementes, o que ajuda a manter a qualidade das mesmas. A aeração periódica evita que ocorra migração de umidade dentro de silos. Grandes mudanças de temperatura ambiente, como as que ocorrem no outono ou na primavera, causam variações na temperatura interna da massa de grãos ou sementes, onde as áreas perto das paredes do silo, quando instalado na rua – como é o caso dos silos metálicos –, mudam de temperatura mais rapidamente do que aquelas no interior da massa, criando correntes de ar. À medida que o ar vai aquecendo, retém mais umidade, a qual, ao entrar em contato com a massa mais fria, condensa e se acumula. Na maioria dos casos, se acumula no centro do silo. A alta umidade pode produzir aquecimento ou, em casos extremos, se a aeração não é ativada, uma crosta preta de grãos deteriorados dentro do silo.
    A aeração periódica evita que problemas aconteçam ao manter as temperaturas dentro do silo equalizadas, quebrando as correntes de ar e redistribuindo a umidade dentro do silo. As sementes, como regra geral, devem ser aeradas quando a UR do ar está entre 50 e 75%, e as temperaturas na faixa desejável para armazenar. Durante o inverno, sempre que houver uma diferença de 5oC ou mais entre a temperatura do produto no interior do silo e a temperatura ambiente média do dia, a aeração deve ser ativada para mudar a temperatura da semente ou grão. Esta temperatura deveria estar sempre o mais perto possível da temperatura ambiente média diária e o fluxo de ar necessário deve ser entre 0,5 a 1 m3/minuto por tonelada. Deve-se lembrar que quanto mais ar por tonelada, mais rápido a temperatura muda até o nível desejado. Uma vez que a aeração é ativada, o ventilador deve permanecer ligado até que a temperatura na totalidade do silo com o produto tenha mudado. Se isto não acontece, pode haver aquecimento no local onde a frente de aeração se encontra, e sua gravidade dependerá das diferenças em umidade e/ou temperatura na zona de aeração e do produto circundante. A operação do ventilador pode ser controlada pelo uso de termostato e umidostato.     Em geral, com um fluxo de ar de 1,0 m3/min/tonelada demora ao redor de um dia para mudar a temperatura do grão armazenado.
Controle de qualidade – Grãos e sementes armazenadas devem ser vistoriadas freqüentemente para prevenir problemas maiores, uma vez que todo problema pode ser rapidamente corrigido se detectado a tempo. Nas épocas de clima quente, o grão deve ser vistoriado semanalmente, e a semente diariamente. A forma mais fácil de detectar problemas em grãos armazenados é pelo cheiro. Para isto deve-se ligar o ventilador e cheirar o primeiro ar que vem da massa de grãos. De preferência, deve-se escolher dias em que a temperatura do ar seja igual ou menor do que a temperatura dos grãos. No caso de um ventilador de alta potência, é bom que uma pessoa fique cheirando em cima da massa de grãos, enquanto outra liga o ventilador. O cheiro de mofo é a primeira indicação de que está ocorrendo um problema. O cheiro de produto fermentado indica que o problema é mais sério.

    
 
    Outro meio de controle é o registro da temperatura do primeiro ar que atravessou a semente, a qual deve ser igual à da última vistoria, a não ser que o silo tenha sido aerado nesse intervalo. Uma diferença de 2 – 3oC pode indicar algum problema, pelo que o controle de temperatura passará a ser diário. Dentro do silo, o melhor local para vistoriar é na superfície da massa no centro, num círculo de 2m e até um braço de profundidade, para detectar crostas, aquecimento, mofo ou mesmo grão germinado. Para corrigir os problemas no silo, a aeração deve ser realizada de imediato e continuamente até o problema ser superado. Em alguns casos, se o problema é muito sério, deve-se recorrer a transilagem. O grão transilado deve ser vendido rapidamente. Sistemas de termometria sofisticados que permitem um bom controle estão no mercado nacional.
    Também para sementes armazenadas em sacos ou a granel, a vistoria deve ser feita freqüentemente com amostragens em vários pontos do armazém ou silo. Fichas de controle de temperatura (três vezes ao dia), umidade da semente e umidade relativa do ar (Psicrômetro). Simultaneamente e na medida do possível, testes rápidos de viabilidade (Tetrazólio, pH do exsudato) devem ser realizados para manter um perfil de qualidade das sementes durante todo o período de armazenamento e evitar surpresas negativas no período da fiscalização e/ ou comercialização.

    PERDAS E QUEBRA TÉCNICA EM GRÃOS ARMAZENADOS
    A produção brasileira de grãos vem crescendo anualmente, entretanto, a rede armazenadora apresenta deficiência em relação à capacidade instalada, distorção quanto à distribuição espacial e inadequação no que se refere à modalidade de manuseio da produção agrícola, sendo grande parte armazenada no sistema ensacado, em detrimento do sistema a granel. Esses fatores contribuem para aumentar de forma acentuada as perdas ocorridas na pós-colheita.
   Um país dedicado à produção de grãos deve apresentar um sistema equilibrado de armazenagem, em nível de propriedade rural, coletor, intermediário e terminal, levando em consideração as peculiaridades regionais. No Brasil, a capacidade de armazenagem na propriedade agrícola atinge apenas 5%, chegando, em países da América do Norte e da Europa, a 50%. Diversas vantagens determinadas pela secagem e o armazenamento a granel, na propriedade rural, podem ser ressaltadas:
a) planejamento da colheita, permitindo sua execução na época mais recomendada tecnica mente;
b) possibilidade de proceder a antecipação de colheita, diminuindo as perdas qualitativas e quantitativas, causadas pelas condições climáticas desfavoráveis, pelo ataque de insetos e pássaros e pela incidência de microrganismos;
c) diminuição do custo de transporte, em razão da remoção do excesso de água e de impurezas;
d) comercialização fora da época de colheita, quando, em geral, o produto alcança um preço mais satisfatório;
e) redução do congestionamento nos armazéns coletores intermediários, ocorrência típica nos picos de colheita da safra.

    Um dos problemas mais acentuados apresentado pelo sistema de armazenamento no país, refere-se ao transporte, tendo em vista a precariedade da infra-estrutura, tanto rodoviária, quanto ferroviária ou hidroviária, especialmente no pico de colheita da safra de grandes culturas. Em virtude da baixa capacidade de armazenagem em nível de propriedade, os produtores dependem do sistema rodoviário para o transporte de seus produtos. O processo é agravado pelas condições deficitárias das estradas, na maioria das vezes não asfaltadas, que dão acesso às propriedades rurais.
   Há necessidade de uma política de incentivo ao armazenamento a granel na propriedade rural, possibilitando a redução dos custos de produção e das perdas por deterioração do produto e o planejamento da comercialização.
   O armazenamento em sacaria, na medida do possível, é desaconselhável, levando em conta a movimentação excessiva do produto, o custo da mão-de-obra e de sacaria e o dispêndio de tempo. O manuseio a granel, além da redução do custo operacional e do volume de armazenamento, em comparação ao sistema ensacado, permite a utilização da aeração e facilita o expurgo, que se constituem em eficientes métodos de conservação.
   As perdas de grãos armazenados podem ser quantitativa ou física, determinadas pela redução do peso seco; e qualitativa ou desmerecimento, constatadas pela alteração dos atributos intrínsecos essenciais do produto.
    No Brasil, as perdas anuais de grãos na pós-colheita alcançam 20 a 30%, estando envolvidas no processo diferentes combinações de fatores bióticos e abióticos. Dentre os fatores bióticos, podem ser destacados os insetos, pertencentes às ordens Coleóptera (besouros) e Lepidóptera (traças), que atacam os grãos armazenados; e os fungos de armazenamento, dos gêneros Aspergillus e Penicillium, que proliferam com maior freqüência. A infestação dos grãos, freqüentemente iniciada no campo, pode encontrar condições propícias ao desenvolvimento de gorgulhos e traças no armazém. Os prejuízos causados não são limitados à redução do peso do produto, mas determinam alteração do valor nutritivo e depreciação do valor comercial.
    Com relação aos fatores abióticos, devem ser enfatizados os papéis exercidos pela umidade e pela temperatura do produto e do ambiente de armazenagem. A manutenção do grão com teor de água elevado causa aumento na atividade respiratória, que, influenciado pela temperatura, contribui para a aceleração do processo deteriorativo, devido à elevação da atividade metabólica, determinando acréscimo no consumo de reservas e liberação de calor e água.
    A quebra técnica representa a diminuição da massa do produto armazenado em decorrência da atividade respiratória do grão ou semente; do ataque de insetos, pássaros ou roedores; da movimentação interna do produto; do tipo de estrutura armazenadora, entre outros fatores. A atividade respiratória do grão é influenciada, basicamente, pelo teor de água, temperatura e integridade física do produto, bem como pela presença de impurezas, fatores que, associados, podem favorecer o desenvolvimento de microrganismos e o ataque de insetos. É importante enfatizar que a quebra técnica não inclui a variação do peso determinada pela modificação do teor de água do produto.
    Levando em conta experiências práticas em unidades de armazenamento, foi estabelecido, no Brasil, um índice oficial de quebra técnica de 0,15% por mês de armazenagem, sem levar em consideração, todavia, a região, o ciclo agrícola e a modalidade de armazenamento.
 

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