Transgênicos
Relações Causais
Edição IV | 05 - Set . 2000 Organismos transgênicos ou organismos geneticamente
modificados (OGMs) são as plantas e animais que têm seu código genético alterado
com o objetivo de melhorar algum índice de desempenho, como produtividade,
custo de produção, resistência a doenças, valor nutricional, etc.
Atualmente, o que tem impulsionado o plantio
de soja transgênica está relacionado com a melhoria da eficiência na produção.
Certas variedades de soja foram alteradas geneticamente para ter maior
resistência a herbicidas, permitindo que os produtores usem menos deste tipo de
agroquímico nas suas plantações sem sacrificar a produtividade ou a qualidade
do que produzem.
A discussão sobre a aceitação e uso de
organismos transgênicos é muito complexa pois afeta milhões de pessoas e
interesses no mundo todo. De um lado consumidores pouco informados, confusos,
desconfiados e desejosos de consumir produtos sem risco algum para sua saúde,
pressionam os governos para tomarem uma posição contrária à liberação dos
alimentos a base de organismos transgênicos ou pelo menos tornar compulsória
sua identificação nas embalagens destes produtos.
Os governos hesitam tomar uma posição,
aguardando por evidências científicas para decidirem a respeito do assunto.
Grandes cadeias de supermercados e processadores de alimentos, principalmente
na Europa, já se recusam a usar ingredientes provenientes de organismos transgênicos
nos produtos que comercializam. A curto prazo, os produtores de soja têm um
grande dilema. Eles podem plantar soja transgênica e com isto se beneficiam do seu
custo de produção mais baixo ou podem optar pela soja não transgênica, com
maiores custos mas cuja aceitação não corre o risco de rejeição pelo mercado em
função da sua origem genética.
Os defensores dos transgênicos também dizem
que seu cultivo causa menos erosão no solo e benefícios ambientais, uma vez que
se usa menos herbicidas na plantação. A taxa de adoção dos transgênicos pelos
produtores tem sido expressiva. Em três anos, o uso da soja transgênica saiu de
zero para mais de 40% nos Estados Unidos, primeiro país a aprovar o uso das
variedades transgênicas. Outros grandes países produtores, tais como o Brasil e
Argentina, têm resistido ao uso dos transgênicos nos seus solos.
A oposição ao uso da soja transgênica tem
sido impulsionada por dois tipos de preocupações. Primeiro, porque acredita-se
que ela tem algum efeito negativo para a saúde humana. Em segundo lugar, se diz
que a introdução de variedades resistentes a herbicidas pode alterar o equilíbrio
da natureza e trazer problemas no futuro. Os consumidores europeus têm sido os
mais fortes opositores ao uso de plantas transgênicas.
Para a descrição das relações que são relevantes
para estudar-se o debate sobre a soja transgênica e seus efeitos no complexo da
soja, dividiu-se o quadro geral em setores para poderem ser analisados os inter-relacionamentos
entre eles.
Relevância da Perspectiva Global
A decisão de um fazendeiro entre plantar soja
transgênica ou não transgênica pode estar sendo mais influenciada pelos consumidores
de outros países do que pela preferência dos consumidores de seu próprio país. Os produtores de um país estão altamente interconectados com os consumidores de
outros países. Estas ligações são importantes também na discussão sobre produtos
transgênicos num contexto global, que vai além dos atuais debates de cunho
filosófico e político. Isto tem a ver com os interesses de grandes empresas,
grupos sociais organizados, novas oportunidades de negócios e com a balança
comercial de cada país, o que tem uma influência enorme nas fragilizadas
economias do Brasil e Argentina, por exemplo.
O comércio global de soja (inclui grãos,
farejo e óleo) é um grande negócio que vem crescendo cada vez mais. Em 1997,
três países responderam por 78% (em valor) deste comércio mundial: EUA, Brasil
e Argentina.
Setores e Relações Causais
Um dos desafios para explorar os assuntos que
cercam o debate sobre transgênicos é que o sistema subjacente é muito complexo
e altamente inter-relacionado, como pode ser verificado na figura1.
Os principais setores do sistema são:
a)
percepções do consumidor - as atitudes e impulsos do consumidor influenciam a
demanda pelos produtos transgênicos e não transgênicos e pelo seu concorrente
comum, os produtos substitutos da soja;
b) economia
da soja transgênica - relativa ao setor produtivo da soja transgênica e seus
produtos derivados;
c) economia
da soja não transgênica e
d)
capacidade de segregação - capacidade de separarse a soja transgênica da não
transgênica, desde a produção até o consumidor.
Estes setores relacionam-se com as seguintes
variáveis do sistema em estudo: preocupação com os transgênicos, que
retrata as desconfianças do consumidor com os produtos transgênicos; demanda
por proteína e óleo; demanda por substitutos da soja; e estoque de terra
disponível para a produção de soja.
Percepções do Consumidor
De certo modo, o consumo da soja não tem
diferença do consumo de qualquer outro bem. Os grupos de interesse investem em
campanhas pró e contra os transgênicos para propagar suas convicções sobre os benefícios
ou malefícios desta tecnologia.
O setor chamado percepções do consumidor tem
impacto na preocupação com os transgênicos através da imagem dos transgênicos na
mídia, a qual é fundamental, pois representa a intensidade e o tom das
mensagens na mídia relativas aos produtos transgênicos. Por exemplo, uma imagem
positiva alta significa maior número de fatos favoráveis aos transgênicos na
mídia; enquanto uma imagem negativa alta significa que há mais fatos negativos sobre
os transgênicos na mídia do que fatos positivos.
Dois fatores são externos ao sistema e
influenciam diretamente a imagem dos transgênicos na mídia: os fatos positivos
e os fatos negativos sobre transgênicos. Se pudéssemos ver o futuro, saberíamos
a influência destes fatos na preocupação com os transgênicos, e assim seria
mais fácil tomar decisões estratégicas hoje.
Estes dois setores apresentam estruturas semelhantes.
O custo da produção influencia negativamente o lucro líquido, isto é, quanto
maior o custo de produção, menor o lucro líquido. Isto é um farto muito importante
que diferencia os dois tipos de soja, uma vez que um dos benefícios apregoados
a favor da soja transgênica é que seu custo de produção é menor em relação à
soja não transgênica. Um aumento no lucro líquido encoraja os fazendeiros a
tomar a decisão de cultivar mais terra para produzir soja, o que tem efeito
alguns meses à frente com o incremento da produção. Isto por sua vez puxa para
cima o estoque, causando uma pressão negativa na variação de preço. Com o preço
mais baixo, o lucro líquido tende a cair contrabalançando a tendência inicial de
alta.
“A demanda relativa pelos dois tipos de soja
tem um papel importante na regulação dos respectivos preços.”
Quanto maior o preço, menor a demanda pelo
produto. O produtor, por sua vez, tentará maximizar seu lucro líquido, seja
através da redução nos custos de produção ou do aumento da produção, usando
para isto mais terra ou procurando obter uma melhor produtividade.
Capacidade de Segregação
As atividades neste setor estão relacionadas
à habilidade para segregar a soja transgênica da soja não transgênica, desde a
produção na fazenda, passando pelo processamento e sistemas de distribuição até
o consumidor final. Um aumento no nível de preocupação com os transgênicos, provoca
uma maior demanda por segregação que, por sua vez, força a construção
progressiva de uma infra-estrutura de segregação que dê ao consumidor segurança
na escolha dos produtos de sua preferência, gerando, com o passar do tempo,
confiança na infra-estrutura de segregação. Quanto mais confiança o consumidor
tiver, menor será o nível de preocupação com os transgênicos, contrabalançando
a tendência de alta desta variável. Deve-se ressaltar ainda neste setor, que o
custo do desenvolvimento da infra-estrutrura de segregação terá impacto no
custo de produção dentro de cada uma das economias.
O conceito infra-estrutura de segregação, neste
contexto, vai além da capacidade de separação física dos grãos e linhas de
processamento. Para promover a confiança na infraestrutura de segregação, será
necessário incluir o desenvolvimento de tecnologia de teste de identificação da
genética dos produtos; métodos de rastreamento e rotulação; e educação do
consumidor.
Estratégias
O nível de preocupação com os transgênicos
regula a demanda relativa e, no final das contas, o preço da soja transgênica
em relação à soja não transgênica. Ao mesmo tempo, um nível alto de preocupação
com os transgênicos poderá incrementar a demanda por substitutos da soja, uma
vez que esta resulta em vários produtos que podem ocupar seu lugar no
atendimento da demanda por proteína e óleo. Isto pode trazer sérias
conseqüências para o complexo da soja no futuro.
As discussões sobre soja transgênica no
Brasil têm levado à proibição de se plantar tais sementes. Isto significa que o
produtor brasileiro não tem a opção de usar a terra conforme sua vontade. Esta
medida pode ser um reflexo das pressões dos consumidores europeus, maiores importadores
da soja brasileira, visando assegurar um estoque razoável de soja não
transgênica, com um custo baixo de segregação, não pressionando assim
demasiadamente as variáveis preço e custo de produção. A medida que se implante
uma infra- estrutura de segregação (em qualquer país produtor de soja)
confiável e a custos razoáveis, a vantagem competitiva brasileira deixará de
existir, fazendo crer que esta estratégia de restrição ao plantio dos transgênicos
pode ter alguma eficácia neste momento, mas isto funcionará por um tempo
limitado.
O governo americano está subsidiando o
produtor a plantar soja, pagando um preço mínimo que, em setembro de 1999, era
cerca de 20% superior ao preço de mercado. Com um patamar de preço garantido, o
que o produtor americano tem a fazer para maximizar seu lucro é reduzir o custo
de produção e aumentar a produtividade. Como o custo de produção da soja
transgênica é menor que o da soja não transgênica, na prática o governo
americano está induzindo o uso de sementes transgênicas, fazendo com que 40% das
sementes usadas na safra colhida em 1999 seja proveniente de material
geneticamente modificado.
Entretanto, o mercado dá sinais claros de que
existe demanda por soja não transgênica e está pagando, inclusive, um prêmio
(preço adicional) ao produtor pela soja não transgênica. As técnicas de
marketing dizem que o melhor caminho é produzir o que mercado quer comprar. Desta
forma, inevitavelmente, em mais ou menos dias à frente, o agricultor americano
colocará no seu rol de opções de plantio todas as sementes de que dispõe e
cultivará a terra visando tirar proveito de todas as oportunidades de mercado.
Os fatos nos dão sinais claros do que será o
agronegócio da soja no século 21. De acordo com o Prof. Steve Sonka (I999),
“Historicamente e ainda hoje, a comercialização da soja pode ser vista dentro
de um sistema tipo commodity. No futuro, parece provável que este sistema não
será substituído unicamente por um outro sistema tipo commodity. É provável que
o sistema de comercialização da soja no futuro seja bem mais complexo e
dinâmico. Será complexo porque provavelmente coexistirão vários sistemas alternativos.
Um fazendeiro poderá comercializar parte da sua produção em um sistema tipo
commodity, parte em um sistema de identidade preservada (segregada) e parte num
sistema tipo commodity, onde vários atributos determinarão o valor final do
produto. Estas alternativas podem coexistir se cada uma delas atender
satisfatoriamente aos diversos tipos de consumidor.”
Conclusões
Pretende-se que este trabalho seja capaz de
auxiliar a dar uma sustentação ao debate sobre transgênicos, através da
melhoria no processo de comunicação sobre o tema e no estabelecimento de um
referencial que permita aferir com mais objetividade os progressos desta
discussão.
Trabalhos baseados neste arcabouço conceitual
básico poderão vir a ser desenvolvidos para examinar as peculiaridades de cada
um dos setores descritos neste artigo, desenvolver modelos adaptados às
situações locais de cada país e desenvolver um modelo global capaz de retratar este
complexo problema de forma flexível, com o auxílio do instrumental matemático e
computacional que se dispõe hoje para simular dinamicamente o desempenho de
sistemas ao longo do tempo.
Autor desta matéria: Paulo R. C. Villela.