A arte de fazer acordos

Edição XVIII | 04 - Jul . 2014

            Arte é uma palavra singela, mas que no seu bojo encerra alguns aspectos definidores da espécie humana, particularmente a consciência e a capacidade de expressar percepções do ambiente e dos sentimentos que emergem, dando lugar a emoções e ideias. Contudo, no sentido restrito a que me refiro nesse ensaio, está a habilidade, a técnica de perceber os interesses dos players no ambiente (inclusive os seus), para harmonizá-los e chegar a bom termo.

         Acordo, por sua vez, tem na essência um aspecto muito importante para entender o propósito e o real significado: vem do coração. Etimologicamente, a palavra vem do Latim accordare, uma variante de concordare, que por sua vez significa ‘estar em harmonia, concordar’, de ‘con’ (junto) somado a ‘cor’ (coração). Por aplicação, nenhum acordo pode ser válido ou duradouro se efetivamente este não for o real desejo das partes.

           Da ideia de arte, de pronto, destacamos pelo menos um aspecto primordial para quem busca ou reconhece a importância e a necessidade dos acordos. Ela reside em saber o que se busca nessa negociação, quais os limites de concessões e de avanços. O incauto pode pensar: como limites de avanços? Em qualquer negociação, quanto mais concessões forem obtidas das outras partes, melhor! Mas não é o que a experiência tem demonstrado. Ganhos exagerados, tidos como anormais pelas circunstâncias, têm efeitos nefastos no médio e longo prazos.


             A Capacidade de construí-los garante os avanços

             Em boa medida, o mundo vive e sobrevive cada vez mais de acordos e da arte de construí-los. 

           Tácitos, negociados, contratuados ou apenas acordados verbalmente. Existe, inclusive, o viés lógico da teoria dos contratos aplicado à gestão da macro e da meso-economia que garante a estrutura de funcionamento. Em se tratando de agronegócio, a abordagem contratual das cadeias justifica a elevada e necessária sincronia entre todos os agentes que compõem o ambiente e sobremaneira garantem a governança do sistema. 

            O agronegócio está repleto deles. E sempre que os acordos não foram possíveis ou descumpridos por alguma parte, resultaram em conflitos, perdas para todos os envolvidos e frequentemente em sanções de parte a parte. Desde que o homem desceu das árvores, talvez poucas vezes na história da humanidade essa arte foi tão necessária e vital para o próprio ser humano, como agora. A cada dia que o ser humano se torna mais letal (não apenas no sentido bélico), mais importante se faz a capacidade daqueles que constroem acordos e harmonizam interesses.

          São os acordos que mantém o equilíbrio da humanidade. A sociedade moderna não sobrevive mais sem os acordos, que resultam, por sua vez, de jogos de interesses e muitas vezes de extensas negociações, arranjos coletivos ou corporativos, com as concessões necessárias para que tudo se organize a bom termo. Algumas rápidas outras mais demoradas.


             Um exemplo do Agronegócio

         Especificamente no agronegócio, muitos são construídos diariamente. Contudo, sempre é importante levar em consideração que todo e qualquer acordo ou aliança se dá pensando nas estratégias para se obter vantagens competitivas duradouras frente aos concorrentes, principalmente se não são apenas competidores locais.

            Historicamente, grandes embates são travados envolvendo a agricultura e o agronegócio, mas muitos, cuja importância transcende os interesses de determinados setores, passam para a esfera da segurança nacional (e no caso do agronegócio, a segurança alimentar). Todos, fundamentalmente, são estratégicos para o desenvolvimento do país. 

          A título de exemplo, diante da crise do petróleo e o risco de segurança alimentar, Japão e Brasil envidaram esforços significativos, já no início da década de 1970, para o estabelecimento conjunto do Programa de Cooperação Nipo-Brasileira para o desenvolvimento agrícola no cerrado brasileiro.

         Importante destacar que nesse caso, assim como em outros, a questão dada não era apenas harmonizar os possíveis interesses e benefícios recíprocos entre as partes, decorrentes do acordo, e sim as pesquisas sobre a viabilidade do desenvolvimento em si, nessas regiões. 

         Nesse sentido, percebe-se a relevância, quando transcendeu as relações públicas dos ministros e embaixadas dos dois países, para cooptar a participação de organizações privadas e suas representações. Mas, embora os interesses fossem legítimos e claros e os esforços robustos, o acordo apenas logrou resultados efetivos quatro anos depois das primeiras tratativas, com a criação nos respectivos países das organizações que tocariam o empreendimento. Parte dos resultados desse acordo pode ser vista facilmente analisando os dados de produção e produtividade do centro oeste brasileiro.


            Os acordos comerciais

          Outros vários podem ser tomados como exemplos vigorosos do empenho de homens e mulheres, no sentido de resgatar interesses e manter a competitividade de países e organizações. Uma das áreas amplas é a dos acordos internacionais que a cada dia se tornam mais importantes, dada a fluidez da economia.

           Hoje, praticamente todos os grandes acordos comerciais são discutidos tendo por base a Organização Mundial do Comércio – OMC, criada em janeiro de 1995 (até porque boa parte das principais economias do mundo são signatárias), mas o embrião desse organismo é o Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio – GATT (da sigla em inglês), estabelecido em 1947 e cuja última das oito rodadas de negociação foi a do Uruguai, que durou de 1986 a 1994.

A arte de fazer acordos é tão importante no contexto mundial, e cada vez mais, que a OMC, ao não conseguir concluir as negociações sobre a Rodada Doha (a última), acabou vendo surgir um número crescente de assinaturas de acordos de livre comércio bilaterais.


             Acordos recentes

         Mais recentemente, os temas energéticos e o dos organismos geneticamente modificados (OGMs) têm tomado particular importância nas mesas de negociações e assumido papel preponderante nos posicionamentos estratégicos de nações, alianças estratégicas, grupos, associações e empresas individuais.

           China e Rússia, por exemplo, assinaram, em maio passado, um esperado acordo comercial (um dos maiores, mais explícitos e mais demorados), de aproximadamente US$ 400 bilhões, para fornecimento de gás natural da Rússia para a China, por trinta anos. O acordo levou 10 anos para ser fechado e, além do contexto econômico e de segurança energética, possui forte relevância geopolítica.

           Em relação aos OGM, diariamente novos eventos biotecnológicos colocam os players em posição de disputa e de necessidade de acordos para que os avanços se concretizem e as inovações possam ser colocadas em marcha. Um dos mais recentes (pelo menos até o momento em que escrevo esse texto) é o acordo da União Europeia (EU) sobre o tema.

          Se arrastando já por algum tempo, agora em final de maio (e ratificado em meados de junho) o Conselho dos países-membros da UE chegaram, finalmente, a um acordo sobre a questão dos OGMs. O entendimento tem caráter histórico, uma vez que as posições contrárias de países importantes dentro do bloco, como França, por exemplo, vinham dificultando e atrasando a obtenção de autorizações.

          De modo raso, o acordo alcançado estabelece que cada Estado poderá decidir se autoriza ou não o cultivo de transgênicos em seu território, mas nenhum deles poderá proibir o trânsito de OGMs autorizados no bloco. Um novo patamar de negociação já está em andamento. Dessa vez é para que o Parlamento Europeu ratifique o acordo.

           Percebe-se com relativa obviedade que acordos de todos os níveis regem a humanidade, e por isso um dos grandes desafios de qualquer gestor é o de construir pactos que perdurem, convergindo interesses, e desse modo contribuam para os propósitos dos seus, sejam eles pessoas físicas, jurídicas, organizações individuais, coletivas ou públicas. As coações ou imposições de qualquer gênero, normalmente, não logram êxito neste campo.

            Por isso, somadas às competências e habilidades técnicas em cada profissão, surgem as características imprescindíveis de elevada capacidade de negociação e de sensibilidade quase romântica para harmonizar interesses e minimizar conflitos, como um perfil indelével do profissional de sucesso.

            Até a próxima.


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