"As sementes devem ser utilizadas pelo agricultor para desempenharem sua função e para isso devem ter qualidade e estar disponíveis em quantidade na hora certa. Há milênios, o agricultor está ciente da importância da semente, levando-a consigo para locais distantes, pois dela vem seu alimento, entre outras utilidades."
Os tempos passaram, a sociedade evoluiu e atualmente tem-se um sistema de sementes que contempla, além do agricultor como usuário, a criação de cultivares superiores, a produção comercial de sementes, a indústria, as cooperativas, as revendas e o governo.
O sistema envolve o uso e abastecimento de sementes das variedades superiores dentro de uma plataforma legal que assegura a devida proteção a quem investe e desenvolve.
Neste sentido, há no Brasil um sistema em funcionamento envolvendo todos os atores do processo. Entretanto, com o passar dos anos, o sistema está apresentando um desequilíbrio, principalmente na área de criação e desenvolvimento de novas e melhores cultivares. Com a lei de proteção de cultivares no país, em que se estimulou a iniciativa privada a entrar no sistema de sementes, houve uma forte mudança de cenário, uma vez que, atualmente, no caso de soja, algodão e milho, mais de 90% das sementes utilizadas no país são oriundas de cultivares desenvolvidas pela iniciativa privada. Para as outras culturas a tendência se mantém, porém com percentuais inferiores.
Ocorre que o retorno da criação e desenvolvimento das cultivares no Brasil se dá através de royalty, pago pelo produtor de sementes ao obtentor, o qual em muitos programas não cobre os custos, pois a semente que o agricultor salva, para uso próprio, não paga o referido royalty. A solução é aumentar o royalty sobre a semente comercial, que está ao redor de 10% do valor da semente, ou desenvolver um mecanismo para que a semente salva também colabore com algo. Para se ter uma ideia da grandeza da situação, inserimos junto ao texto uma tabela sobre o percentual de semente salva no país, das principais espécies.
Desta maneira, para sementes de soja, 36% da área cultivada são implementados com sementes que não passaram pelos canais normais de comercialização. Esta área equivale a praticamente 600.000 toneladas de sementes que não pagaram royalty a quem criou e desenvolveu a cultivar. Os valores variam entre as espécies; no caso de milho, em que mais de 80% correspondem a material híbrido, o uso de sementes comerciais é superior a 90%; por outro lado, no caso de feijão, mais de 80% das sementes utilizadas pelos agricultores são sementes salvas ou de origem desconhecida. Para esta espécie, como pode ser constatado, o retorno financeiro, via coleta de royalties para quem cria e desenvolve cultivares, não é atrativo, razão pela qual 100% das cultivares disponíveis para os agricultores são de origem pública.
Consciente de que o aumento de produtividade das espécies, principalmente na última década, deveu-se ao uso de sementes de alta qualidade das cultivares criadas e desenvolvidas por programas de melhoramento, a Associação Brasileira dos Produtores de Sementes de Soja (ABRASS) programou uma visita à França para verificar in loco o sistema francês de sementes. A delegação da ABRASS foi constituída pelos membros de sua diretoria – a Aprosmat, Aprosoja e Abrapa – representantes do parlamento e consultores. A SEED News foi convidada a acompanhar a comitiva.
A visita foi programada, buscando obter informações junto ao ministério de agricultura francês e suas organizações sementeiras, à associação dos obtentores de sementes, produtores de sementes, cooperativas, sindicato de agricultores e agricultores. Um senador da república e um prefeito também receberam a comitiva. A seguir, apresentaremos o sistema francês para estimular o uso de sementes de alta qualidade das cultivares melhoradas.
A França é o principal país agrícola da Comunidade Europeia (CE), com um cultivo de 4,9 milhões de hectares de trigo, de 3,1 milhões de milho, entre outras espécies, perfazendo mais de 27 milhões de hectares cultivados no país. As sementes de trigo são principalmente para consumo interno; por outro lado, as sementes de milho são largamente exportadas. Em termos de negócio de sementes, a França possui o terceiro maior mercado mundial, com transações da ordem de 2,1 bilhões de euros por ano. Entretanto, em relação à exportação, é o principal país, com negócios de 1,4 bilhões de euros. Vale lembrar que o Brasil é o quarto país em termos de mercado de sementes, com um valor de 2,0 bilhões de euros anuais, dos quais apenas 120 milhões referem-se à exportação (dados da ISF de 2013).
Há na França 72 empresas de melhoramento vegetal que, sob licenciamento, fornecem sementes de cultivares superiores a 246 produtores de sementes, que utilizam 17.000 cooperantes. Para sementes de trigo, em especial, são 15 empresas de melhoramento vegetal, sendo 12 nacionais e três estrangeiras – inclusive trigo híbrido está sendo cultivado no país. Como ilustração da importância do melhoramento vegetal na França, salienta-se que foi um francês, em 1938, Ernest Tourneur, que criou a Associação Internacional dos Melhoristas (Assinsel), que desde 2002 compõe a Federação Internacional de Sementes (ISF).
A Organização
A importância e a grandeza do negócio de sementes na França fez com que fosse criado o Grupo Nacional Interprofissional de Sementes (GNIS), constituído pelo governo e pelos atores da cadeia de sementes do país – como obtentores, produtores de sementes, cooperantes, agricultores e a indústria –, podendo ser considerada uma estrutura original com fundos privados que presta serviço público. É na entidade que são negociados os contratos, o tipo de multiplicação, licenciamento, coleta de royalties, aspectos técnicos de qualidade de sementes, relação com cooperantes, entre outros aspectos.
O GNIS permite aos seus membros acesso a dados estatísticos, pesquisa de mercado, comunicação e aspectos regulatórios, entre outros. Outra grande função é o serviço de certificação de sementes, delegado pelo ministério de agricultura. Possui 200 funcionários mantidos com a arrecadação de 1% do valor da semente comercializada.
Merece destaque o modo de operação do GNIS frente a temas envolvendo vários atores da cadeia de sementes, pois o conflito de interesses é permanente. Objetivos claros e bem definidos levam a um consenso entre seus membros, e quando isso ocorre o governo regulamenta com facilidade. Acordos obtidos (normalmente de forma voluntária) tornam-se obrigatórios pelo governo, daí a importância do GNIS. Nas raras vezes em que não houver acordo o governo entra em ação para mediar uma solução ou alternativa.