Certificação Disciplina Processos de Produção de Sementes

Edição VII | 03 - Mai . 2003
Clovis Terra Wetzel-diretoria@seednews.inf.br
Cilas P. Camargo-cilascamargo@hotmail.com
    Neste momento, em que calorosas discussões abordam processos de rastreabilidade, identidade preservada, certificação e a nova lei brasileira que está em vias de ser aprovada, a SEED News convidou dois históricos sementeiros para aprofundar o assunto. 
                  
    Com a queda das barreiras alfandegárias e exigências de natureza técnica, no pós-globalização da economia, e com o excesso de produção no mundo, surgiu a necessidade de se caracterizar os produtos agrícolas e garantir sua qualidade – diferenciando-os de alguma maneira – desde o comércio internacional até o consumo domiciliar, na tentativa de minimizar a questão igualitária das commodities. Isto reforçou a idéia de controlar a qualidade dos produtos da agricultura, através de procedimentos específicos, desde sua produção até o ponto final para o consumo. Assim, estabeleceram-se parâmetros de qualidade e metodologias de averiguação dos procedimentos adotados nos sistemas de produção integrada no processo conhecido como certificação.
               
    Conceituação               
   A Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), conceitua a certificação como sendo um “conjunto de atividades desenvolvidas por um organismo independente da relação comercial, com o objetivo de atestar publicamente, por escrito, que determinado produto, processo ou serviço está em conformidade com os requisitos especificados”. Tais requisitos podem estar enquadrados ao atendimento da certificação nacional, de disposições de países importadores ou do mercado internacional.               
  As atividades desenvolvidas pelo processo de certificação incluem a análise da documentação pertinente, realização de auditorias e inspeções na empresa produtora; coleta e ensaios dos bens produzidos ou comercializados. Uma gama de produtos originados na agricultura, está sendo certificada, no Brasil, como sementes e mudas, produtos orgânicos, frutas frescas e cultivares para a produção de sementes. A certificação de produtos provenientes de plantas geneticamente modificadas e alimentos transgênicos está por ser estabelecida.               
   Além de verificar as características dos produtos, a certificação estabelece normas técnicas e procedimentos de produção, de sistemas e de prestação de serviços, bem como padrões de qualidade, seguindo as regras da International Standardization Organization, conhecida pela sigla ISO. A metodologia da certificação alicerça-se em alguns princípios, como o da normalização; auditorias e inspeções; rotulagem e rastreabilidade.


    Certificação de sementes               
    Pela legislação brasileira, existem dois sistemas oficiais de produção de sementes e mudas – o de certificação e o de sementes fiscalizadas.               
   A certificação brasileira de sementes está consubstanciada ao sistema norte-americano e, como em todo o mundo, prevê a produção de quatro classes de sementes: genética, básica, registrada e certificada, teoricamente como sucessivas gerações, a partir dos estoques de sementes em poder das entidades de pesquisa (semente genética), criadoras de cultivares.               
    O sistema de certificação de sementes segue os princípios gerais da certificação, ou seja, da normalização, com o estabelecimento de procedimentos, normas técnicas e padrões de qualidade; da inspeção de todas as fases de produção, incluindo armazenagem; e da identificação dos lotes de sementes ou rotulagem. As entidades certificadoras funcionam nos estados e pertencem à estrutura das secretarias de agricultura ou do próprio Ministério da Agricultura. Ao examinar a certificação de sementes no Brasil, verifica-se que a mesma está de acordo com os preceitos da ABNT, no que se refere aos pontos essenciais: estabelecimento de procedimentos, normas e padrões de qualidade, definidos de forma independente da relação comercial do produto. É um processo definido por lei e, ao mesmo tempo, um serviço prestado pelas entidades estaduais certificadoras.               
    No caso, a semente produzida resulta de um arcabouço de certificação clássico, utilizado em grande número de países, resultando num produto publicamente atestado por entidade própria para este fim, mas que pode ser contestado legalmente, inclusive utilizando o Código de Defesa do Consumidor.               
   Na temporada 2000/2001 no Brasil, foram produzidas 1.277.177 toneladas de sementes controladas, das quais 87.561 toneladas eram do programa de certificação, e 1.189.616 toneladas do programa de sementes fiscalizadas – aproximadamente 7 e 93%, respectivamente. A tabela inclusa mostra estes dados da produção de sementes de algodão, arroz, feijão, milho, soja e trigo, bem como os de batata e plantas produtoras de forragens. No programa de certificação, nos casos de arroz irrigado e feijão, obtiveram- se produções de cada espécie, equivalentes a 16% do total produzido; 10% para algodão, arroz de terras altas (de sequeiro) e de trigo; 6% para soja e 3% para milho.               
    Estas informações, além de expressarem aproximadamente o tamanho do mercado de sementes das respectivas culturas, indicam a tendência atual de privilegiar a certificação de sementes de arroz irrigado, milho e feijão, sob a influência das novas cultivares protegidas e utilizadas, na esperança, inclusive, de melhor proteger os licenciamentos realizados. A soja e o trigo destacam-se com maiores quantidades produzidas, no geral, por um lado, devido a tradição. Por outro lado, a questão de buscar proteção para as cultivares protegidas tem o seu peso. Como pode ser observado na tabela, os números da produção de batata-semente indicam uma tendência de os bataticultores utilizarem mais material registrado, apesar do preço ser relativamente mais elevado, quando comparado à certificada, para assegurar um nível mais alto de sanidade nas lavouras do produto para consumo.               
   Em contraste, a produção de sementes de plantas provedoras de forragem, sob controle governamental, concentra- se na categoria ‘Fiscalizada’, com 99% do volume produzido. Há que se considerar que a classificação da produção de sementes, vista neste artigo, reflete o mercado consumidor de ‘Certificadas’ e ‘Fiscalizadas’, no país, como mostra a série histórica, de pelo menos os últimos 10 anos. No entanto, observa-se, a grosso modo, uma leve tendência de crescimento relativo da oferta de sementes básicas e certificadas, variando de espécie para espécie.               
    Finalmente, saliente-se que a estrutura da produção existente tem proporcionado condições para uma contribuição efetiva para a manutenção de ganhos contínuos de produtividade da agricultura brasileira, no que lhe cabe, como nas cultivares de última geração e que apresenta eficiência na produção, oferta e distribuição, apesar dos incentivos governamentais serem praticamente ausentes.              
  
    Produtos orgânicos              
    A agricultura orgânica estende-se mundo a fora, com uma estimativa de plantio de 22,7 milhões de hectares, dos quais 47% estariam na Oceania, 22% na Europa, 21% na América Latina, 7% na América do Norte, 2% na Ásia e 1% na África. Os produtos orgânicos estariam movimentando 24 bilhões de dólares neste ano de 2003, e 30 bilhões em 2005. O crescimento desse mercado cresceria, de 2002 a 2005, a uma média anual de 15%, em 16 países da Europa, da América do Norte e no Japão.  
              
    “O processo de certificação de sementes já conta com mais de meio século de existência.”

    
    Produção de sementes no Brasil ano 2000/01, por categoria.                
 
    Na América Latina estariam sendo utilizados 4,744 milhões de hectares para a produção de ‘orgânicos’: 67% na Argentina, 14% no Uruguai, 6% no Brasil, 2% no Peru e 1% no Paraguai, perfazendo 4,292 milhões de hectares, ou 90% do total, na região. No Uruguai a área dedicada aos ‘orgânicos’ representaria cerca de 4% da área total plantada com culturas anuais; na Costa Rica, 2%; na Argentina, 1,86%; na no Chile, 1,5%; e no Brasil, 0,08%. Embora estes números dêem uma boa idéia da agricultura orgânica no mundo, eles devem de ser  considerados com cautela, apenas como estimativas, face a pouca organização do setor e de suas estatísticas.               
    Embora, em parte, sem garantia de origem e com certificação incerta, a produção orgânica no Brasil envolve um grande número de produtos: acerola; açúcar mascavo; arroz, café, cacau; castanha de caju; guaraná; hortaliças frescas e processadas; óleo de dendê; palmito, soja e suco de laranja. Destes, o açúcar orgânico parece constituir o produto de maior êxito no mercado internacional. Contudo, segundo o noticiário da imprensa, a falta de regras para os produtos orgânicos de origem vegetal está entravando o desenvolvimento desse negócio no Brasil. A legislação direcionada ao tema “orgânicos” se restringe às duas instruções normativas, sem força de lei.               
    A expectativa do mercado internacional de “orgânicos” é tão grande, que propiciará ao Brasil sediar a conferência internacional sobre o tema, a realizar- se em setembro próximo, no Rio de Janeiro. Entretanto, graças ao surto naturalista, ambientalista e de preservação da saúde, em todo o mundo, estimulado pelo uso generalizado e em grande escala de agroquímicos (desde a Revolução Verde) – denominados até maldosamente de “agrotóxicos”, e ultimamente, pela questão dos alimentos transgênicos, a produção de orgânicos é uma realidade, a ser enfrentada.          
      
    OGM e alimentos transgênicos               
    Desde 1998, que uma decisão da Justiça Federal manteve a proibição do plantio de OGM e da comercialização e consumo de seus alimentos derivados, contendo ingredientes transgênicos. Como em outras partes do mundo – em países da Europa e da Ásia-, se instalou no Brasil uma grande polêmica nacional sobre o tema, movida por questões ambientais, de biodiversidade, ideológicas e partidárias, sendo a discussão nacional, em grande parte, alimentada pelos movimentos ambientalistas e naturalistas.               
    Saindo fora da polêmica dos transgênicos e das discussões sobre o tema – entre os do “contra” e os “a favor”–, chegou-se na atual safra à realidade de que cerca de 80% da  produção de soja no Rio Grande do Sul é constituída da cultivar denominada genericamente de RR, transgênica para resistência aos herbicidas do grupo glifosato. Após sucessivas reuniões e exaustivas argumentações, a soja transgênica da atual safra gaúcha foi liberada, devido ao problema econômico de grande magnitude e de seu reflexo social, que se afigurou. Até fechar esta edição da revista SEED News, a situação, que liberou a comercialização das 8,6 milhões de toneladas da soja gaúcha, das quais, estima-se, cerca 7 milhões de toneladas seriam transgênicas, era a seguinte:
a) A demora na regulamentação da MP 113, levou os agricultores a venderem mais da metade de sua produção como transgênica;
b) a rotulagem da soja seria obrigatória para os lotes que tivessem 1% ou mais de ingredientes transgênicos;
c) muita controvérsia surgiu em relação aos custos da rotulagem;
d) o Governo Federal bancaria os referidos custos, para os pequenos agricultores;
e) o Ministério da Agricultura emitiria uma Instrução Normativa, estabelecendo as regras de credenciamento de laboratórios, para a realização dos referidos testes;
f) a Casa Civil da Presidência da República faria publicar um decreto regulamentando a certificação da soja geneticamente modificada, como determinado pela MP 113;
g) a profusão de declarações de autoridades, entidades de classe e políticos, sobre o tema em pauta, não confirmaram se a intenção do Governo era a de liberar a atual safra 2002/2003, de soja, ou se era também a de proibir (mais uma vez) o plantio de sementes de cultivares OGM – no mais espantoso jogo de cena jamais observado na discussão da problemática agrícola brasileira; e
h) finalmente, toda a movimentação e discussão, a liberação da soja transgênica gaúcha, foi confundida com a sua certificação.    
            
    Palavras finais               
    Evidencia-se a liberação das plantas transgênicas e seus produtos no país, embora continue a ser produzida o tipo convencional, em especial no caso da soja, o que revela a necessidade de estabelecer um sistema de certificação eficiente, para atender àqueles mercados, incluindo-se a soja orgânica.               
   A certificação de sementes certamente requer melhoramentos e adaptação à realidade da transgenia. A certificação de mudas é urgente. Por último, o rastreamento da qualidade das sementes e das mudas, no âmbito do mercado de certificação, bem como o das sementes comuns, deve ser, da mesma forma, reestruturado. A fiscalização do mercado global de sementes e mudas deve ser encarado como positivo para contribuir com o aumento da produtividade das culturas e da competitividade da agricultura.               
   O processo de certificação de sementes já conta com mais de meio século de existência, podendo ser utilizado com pequenas adaptações para os outros produtos (orgânicos, transgênicos etc). Isso, com certeza, viabilizará vários empreendimentos em termos globais.
  

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