Agroinformática muito além da ferramenta

Edição XIV | 04 - Jul . 2010

    O agronegócio é notadamente importante para o desenvolvimento econômico e social do país e torna-se desnecessário justificar a sua relevância como segmento econômico, mas, motivado pelo notório avanço tecnológico da última década, a agroinformática parece ser a derradeira fronteira, mantendo a sua necessidade ainda latente e merecendo mais atenção do que tem sido dada a ela até o presente.

    Ressalto, desde já, que este ensaio sobre o tema não pretende encerrar o assunto, portanto não tem a menor pretensão de ser conclusivo. Na essência, apenas se propõe à provocação, buscando, de um lado, reapresentar pontos já discutidos noutros momentos ou mesmo reunir percepções diante da prática que encontro com frequência nas organizações do setor, sem algo efetivamente novo do ponto de vista conceitual, apenas objetivo. De outro, pretende suscitar reflexões sobre os exercícios de algumas organizações, discutindo o modo de lidar com esta realidade, que pode ser nova para aqueles que pretendem implantá-la, ou recorrente, para os que já lidam com ela e enfrentam dificuldades.

    Embora a Tecnologia da Informação, que obviamente não se resume à informática, seja relevante para os vários setores econômicos como ferramenta, ainda são reduzidos os estudos sérios que estabeleçam referências em torno do tema. No agronegócio, o uso da TI é ainda menos discutido do que nos demais setores, o que pode refletir em parte a sua baixa adoção. Devemos levar em consideração que a TI abrange principalmente a microeletrônica, as telecomunicações e os softwares como elementos integrados e interdependentes.

    Fornecer informações rápidas e precisas para tomar decisões é o principal desafio da TI, tornando-se essencial para a sobrevivência e crescimento das empresas como um todo, bem como as do agronegócio, motivado principalmente pela rapidez com que as mudanças são transmitidas entre os diferentes elos das cadeias, e destas, por sua vez, na relação intercadeia, cada vez mais importante para definir a capacidade competitiva dos seus agentes integrados. 

    Neste contexto, à medida que o agronegócio se profissionaliza e se candidata a promotor do desenvolvimento, deixando de ser coadjuvante, torna-se mais dependente da utilização destes recursos de modo eficiente para capacitá-lo a se consolidar como setor e sustentar a sua própria ampliação. Contudo, a tecnologia da informação sempre deve ser vista como um instrumento fundamental, nunca a solução dos problemas de gestão em si. Localizar e utilizar melhor esses recursos tem sido o grande desafio para o agronegócio.

Como a Oferta se Arranja
    A oferta de programas para atender esse mercado com grande nível de especificidade ainda é incipiente. Grandes software-houses só recentemente começaram a se interessar efetivamente por este espaço, que até o momento estava sendo ocupado por pequenas empresas, que reunindo soluções caseiras com grande limite de expansão e de assistência técnica, atendiam as demandas desse momento.
    A situação é compreensível, uma vez que a maioria dessas empresas detinha experiência na área de consultoria, algumas de gestão, mas a maioria nas várias áreas de tecnologia de produção. O que de um lado era um diferencial, de outro representava dificuldades iminentes, motivadas pela falta de profissionais especializados que, assim como os profissionais de produção, também deveriam conhecer a realidade do agronegócio.
    Até agora, os players desse mercado apenas fizeram alguns movimentos buscando se arranjar melhor, mas é certo que o locus concorrencial ainda não está consolidado. As grandes empresas do setor de software começaram a enxergar no agronegócio um mercado potencialmente lucrativo e, como estratégia, têm sistematicamente optado por fazer aquisições e, eventualmente, fusões societárias com pequenas empresas de software, ao invés de apostar no desenvolvimento próprio dos sistemas.
    Essa prática de adquirir know-how ao invés de produzi-lo revela a anterior falta de interesse por um sistema econômico que historicamente era encarado como marginal. Se observados os dados da ABES (Associação Brasileira das Empresas de Software), percebemos que das mais de 8.000 empresas cadastradas, apenas 2,5% delas se dedicam a atender as demandas do agronegócio, o que ainda revela pouca atratividade.
    Segundo dados da Embrapa Informática Agropecuária, aproximadamente 70% das empresas de softwares para o setor vem dos estados de São Paulo, Minas Gerais e Paraná – o que aponta o elevado nível de concentração, embora esteja longe de representar qualquer sinal de arranjo empresarial.
    Embora estas empresas sejam oriundas, principalmente, de estados com elevada representatividade no agronegócio, os principais inibidores apontados pela pesquisa voltam-se para dois fatores já apontados anteriormente: a falta de mão-de-obra qualificada e o desconhecimento do mercado. Empiricamente é concebível acreditar que os dois fatores estejam amparados justamente no fato de que ainda é um mercado em formação e, por isso, as características não estejam bem definidas.
    Ainda são poucas as empresas fornecedoras de software preparadas para atender grandes empresas rurais, que possuem, assim como as demais, problemas em utilizar a tecnologia da informação. Estas se localizam principalmente nos estados de Mato Grosso, Goiás, Tocantins, Bahia, Maranhão, Piauí, dentre outros, alguns notadamente ainda no estágio de fronteira agrícola, mas que de pronto apresentam elevado padrão tecnológico e decisivo potencial gerencial. Normalmente, por serem extensões de empresas originárias em regiões já desenvolvidas ou mesmo por se caracterizarem como associações de investimento.

Muito Além da Ferramenta
    A utilização da TI ou especificamente da informática, obviamente, não representa a solução dos problemas de gestão, além de não garantir melhores resultados econômicos para as empresas. Pelo contrário, se as soluções forem mal planejadas ou apoiadas em decisões intempestivas, podem até agravá-los. Na prática, informatizar uma empresa, principalmente rural, requer muito mais do que uma ferramenta eficaz demanda mudança na matriz e no comportamento de gestão, especialmente do gestor principal, o qual, na maioria das vezes, é o próprio dono.
    Embora, potencialmente, a TI possa desempenhar, de um lado, o importante papel de integração dos setores das cadeias produtivas, melhorando a eficácia, e, de outro, auxiliar no processo decisório dos empreendimentos, a prática tem demonstrado que é justamente a primeira, a atividade relevante que tem desempenhado, ao invés de interferir decisivamente na gestão organizacional dos agentes.
    Além de mexer no que fazer, a implantação de sistemas informatizados interfere acima de tudo no que não é mais possível fazer, uma vez que os processos se tornam mais rígidos e necessitam ser planejados com seriedade e eficácia, para, posteriormente, haver cumprimento, sob pena de engessar atividades corriqueiras.
    As reclamações mais veementes dizem respeito exatamente a esse engessamento, o que evidencia a efetiva falta de um modelo mais estruturado, o que pode ser entendido com um novo modelo que reduz o poder de decisão dos empresários, não permitindo mais que sejam tomadas decisões ao sabor do humor do empresário. 
    Segundo dados oficiosos, coletados em empresas do setor, o nível de utilização dos sistemas informatizados, mesmo depois de adquiridos e implantados, ainda é muito baixo, não alcançando 30%. Parte dessa indelével dificuldade deve-se também a falta de diálogo entre os desenvolvedores e os respectivos demandantes de software, o que, muitas vezes, torna o produto final de difícil manuseio.
    As boas notícias são de que há avanços significativos em curso, o mercado e o nível de informatização são crescentes, a mudança do perfil gerencial dos líderes também está em ritmo acelerado e a necessidade de profissionalização do setor é evidente.
    A idéia de que os softwares existentes são complexos é uma realidade. Contudo, não há como ser diferente, uma vez que as atividades que envolvem a sua implantação requerem um conjunto de parâmetros que necessitam ser integrados e possuem complexidade natural, típica das atividades agropecuárias. Um software agrícola, naturalmente, requer complexidade na sua construção, para que, dessa maneira, possa oferecer informações confiáveis e capazes de conduzir a decisões adequadas.
    Por fim, por parte dos gestores, há a necessidade de melhorar o nível de entendimento das ferramentas e indicadores de gestão. Os softwares estão muito além da realidade da maioria dos produtores e de seus colaboradores. Poucos produtores possuem conhecimento técnico suficiente para entender o significado das informações que podem ser extraídas dos aplicativos. 


Até a próxima.
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