Sementes de Milho

Edição XVIII | 03 - Mai . 2014
Silmar Teichert Peske-silmar@seednews.inf.br

            A produção de sementes de milho envolve um processo sofisticado para disponibilizar ao agricultor os melhores materiais com alta qualidade em quantidade e na hora certa. Nesta matéria serão apresentados aspectos e operações deste processo sofisticado, como híbridos e variedades, potencial produtivo, tipo de semente, eventos GM, finalidade, gestão da demanda e programação da produção.

                Híbridos e variedades

               No Brasil são cultivados praticamente 16 milhões de hectares de milho, dos quais, ao redor de 90% são com materiais híbridos, gerando um negócio estimado em três bilhões de reais por ano, com a venda de 13,5 milhões de sacas com 60.000 sementes. 

               Em termos de carga genética, o milho pode ser dividido em híbrido simples, híbrido triplo, híbrido duplo, variedade e linha pura.

              O híbrido simples é obtido pelo cruzamento entre duas linhas puras, enquanto o híbrido triplo é obtido pelo cruzamento entre uma linha pura e um híbrido simples, e o híbrido duplo é obtido pelo cruzamento entre dois híbridos simples. Por outro lado, em geral, uma variedade é constituída por uma população de meios irmãos, enquanto uma linha pura é constituída de materiais homozigotos. A maior heterose é do híbrido simples, enquanto a menor (zero), é da linha pura.


            Cada um destes materiais possui suas características próprias em relação à produção de sementes. Praticamente em todos os híbridos deve-se despendoar (a macho-esterilidade é pouco usada atualmente por estar relacionada a suscetibilidade à doença) o material que servirá como mãe para a produção de sementes, e ter uma adequada razão de semeadura, que pode variar de 1: 1 a 1:4, dependendo do tipo de híbrido e da capacidade do macho em produzir grãos de pólen. A produção de sementes de um híbrido simples é pequena por hectare, pois é o resultado do cruzamento entre duas linhas puras que possuem baixa produtividade. Por outro lado, a produção de sementes de híbridos triplos e duplos é alta, pois se utiliza como mãe um híbrido simples que possui um alto potencial de produtividade.

           Em relação a variedades, a produção de sementes é mais fácil, entretanto também se recomenda despendoar as linhas que servirão como mãe, as quais serão colhidas para semente. Isto mantém um pequeno grau de heterose na população, o que propicia estabilidade de produção e aumento de produtividade. As linhas puras são obtidas por autofecundações sucessivas para a obtenção da homozigose, processo importante para obtenção dos híbridos.

            Na obtenção destes materiais genéticos muito trabalho é realizado para verificar a habilidade combinatória e desempenho a campo, pois o resultado é função da carga genética e do ambiente. Neste sentido, ter à disposição um bom banco de germoplasma é essencial. O milho apresenta uma grande variabilidade genética, cuja maior coleção está no Centro Internacional de Melhoramento de Milho e Trigo (Cimmyt), no México, composta por mais de 30.000 acessos. 




            Potencial produtivo

            A produtividade média do cultivo de milho no Brasil é pouco superior a 5t/ha, enquanto nos EUA está próxima a 10 t/ha, diferença essa bastante acentuada, acarretando que nos EUA o cultivo do milho seja mais atraente ao agricultor do que a soja, sendo o inverso do que ocorre atualmente no Brasil (em sua maioria), em que a soja traz mais retorno econômico.

            Essa diferença deve-se a diversos fatores, como manejo agronômico, nutrição das plantas, genética, mercado, entre outros. Muitos agricultores brasileiros sabem disso e adotam estas práticas avançadas, alcançando produtividades superiores a 12t/ha, com excelente retorno de seus investimentos, entretanto a produtividade média, como registrado anteriormente, ainda é baixa.

            Em termos de genética, o percentual de uso de híbridos simples e triplos está aumentando no país, estimando-se que mais de 40% da área seja cultivada com esses materiais, sinalizando que o agricultor está reconhecendo os benefícios de um material superior. Junto com este conhecimento vem uma melhor adoção das práticas agronômicas de manejo do solo, adubação, densidade de semeadura, entre outros, com benefícios para todos.


             Posicionamento

             O desempenho de qualquer material é função de sua carga genética e do ambiente. Assim, os materiais devem ser testados em vários locais para determinar seu nível de adaptação. 

           O Brasil, com suas dimensões continentais, apresenta uma grande dificuldade para que um material produza bem em todos os locais. Existem os fatores de longitude, de latitude, altitude, estação do ano, terras altas, terras baixas, arenosas, argilosas entre outras características. Assim, centenas de amostras de sementes de cada material são distribuídas para as distintas regiões do país para verificação de seu desempenho agronômico. É normal avaliar-se de 10 a 15 materiais por região e apenas um ser utilizado para comercialização. 

 

             O país adotou nos últimos anos o milho safrinha, com milhões de hectares semeados, o que requer materiais de ciclo mais precoce, pois é semeado após a soja e tem pouco tempo para produzir, antes que a chuva desapareça. Isto desencadeou um programa especial de pesquisa nas empresas e atualmente o potencial produtivo dos materiais posicionados para safrinha estão produzindo à semelhança dos materiais de verão, inclusive as empresas estão ofertando híbridos simples, o que não ocorria até pouco tempo. 


             Tipo de semente

           O milho foi uma das primeiras sementes a ser classificada por tamanho para facilitar a semeadura, assim é classificado em chatos e redondos (classificação por espessura da semente) e cada um em mais quatro ou cinco larguras. As sementes com maior largura também são classificadas em dois comprimentos (curto e longo). Assim, pode-se ter facilmente 12 tamanhos de sementes para um determinado híbrido ou variedade.



            O maior tamanho de sementes, em geral, é oriundo da peneira 24 (24/64 avos de polegada, que é igual a 9,5 mm), ou seja, uma semente que passou pelos redondos da peneira 24 e ficou retida na peneira 22, enquanto a menor semente é geralmente aquela que passou pela peneira 16 (16/64 avos de polegada, que é igual a 6,35mm) e ficou retida na peneira 14. 

             Em termos de qualidade fisiológica, não há diferença entre os materiais, quer sejam grandes, pequenos, chatos ou redondos. Entretanto, em relação ao número de sementes por grama, a diferença é acentuada, sendo que a maior semente possui 2,5 sementes/grama e a menor 4,5 sementes por grama. As empresas de sementes vendem seu produto em sacas com 60.000 sementes, independente do tamanho e forma, significando que uma saca pode pesar desde 24 kg até 13,3 kg. Felizmente, o agricultor, de um modo geral, entende este posicionamento das empresas, o que é importante, pois o estande de uma cultura é estabelecido por plantas por hectare e não por peso de semente por área.

            A classificação das sementes realmente facilita a semeadura, minimizando os inconvenientes de falhas e duplos. Isto requer das semeadoras um dispositivo de distribuição bastante apurado para distribuir as sementes. Neste sentido, é comum as empresas de milho, assim como empresas específicas, apresentarem distintos pratos para a semeadora, em função do tamanho e forma da semente de milho. 




            Eventos 

            O milho foi a segunda espécie a ter materiais GM comerciais e, atualmente, tem-se milho tolerante a herbicida e resistente a insetos, simples e piramidados, em relação a herbicida com mais de uma forma de atuação, assim como para os insetos que atualmente já há materiais com dupla ação de resistência. Assim, um híbrido pode ser convencional, GM simples, GM piramidado, e GM Bt com mais de uma forma de ação.



            Como pode ser observado, existem várias opções, e a empresa que não quiser perder market share, busca produzir todos esses materiais. O processo torna-se mais complexo ainda, pois em muitos híbridos a mãe é GM, enquanto o pai não, estratégia utilizada pelas empresas para minimizar o risco de pirataria e utilização de material F2. Como é sabido, em F1 tem-se uma população de plantas homogêneas, ou seja, todas com a mesma carga genética. Entretanto, em F2 tem-se a maior variabilidade genética entre a população de plantas, das quais muitas não apresentarão tolerância a herbicida e nem resistência a insetos, trazendo grandes inconvenientes, quer seja de manejo ou de produtividade. 


             Carry over

             A obtenção de um híbrido leva tempo e custa muito dinheiro. Assim, o planejamento da produção de sementes deve ser realizado com bastante cuidado, e mesmo assim, como é realizada com um ano de antecedência, correções de rumo são frequentes. 

            O agricultor não deixará de produzir o seu milho, caso uma determinada empresa não tiver semente. Desta forma, as empresas tendem a produzir um pouco a mais do que a demanda estimada e, caso sobre semente, esta normalmente não é descartada, pois pode levar a empresa à falência, pelos prejuízos decorrentes. Neste sentido, as empresas utilizam o carry over, ou seja, armazenam as sementes para a próxima safra.  

           O carry over é possível devido a alta tecnologia e à estrutura de negócio utilizada pelas empresas, em que colhem o milho próximo ao ponto de maturidade fisiológica (máxima qualidade), secam até 12-13% e esfriam imediatamente para manter a qualidade fisiológica das sementes. Perder 1% do market share no Brasil significa perder vendas de 30 milhões de reais.

            Há ocasiões em que a demanda é tal, que mesmo as sementes em carry over não são suficientes para atender a demanda, sendo necessária a multiplicação das sementes na entressafra. No Brasil, isto é relativamente fácil de contornar pelos diferentes climas que o país possui, entretanto em muitos outros locais isto não ocorre, como nos EUA e países da Europa. Para atender satisfatoriamente seus agricultores, as empresas de milho destes locais produzem as sementes no hemisfério sul, principalmente no Chile, Argentina e Uruguai. É um negócio de centenas de milhões de dólares, do qual o Brasil está começando também a usufruir.




                Finalidade do milho

                Praticamente 80% do milho produzido no Brasil destinam-se à ração animal, quer seja em grão ou em silagem, em que mais de um milhão de hectares são cultivados nas bacias leiteiras do país.

                Outra finalidade do milho é para consumo imaturo e conservas. Para isso, há um milho especial, chamado milho doce, que foi desenvolvido especialmente para esta finalidade. Estima-se que 50.000 hectares são cultivados com esse material.

               Nos últimos tempos escuta-se que em regiões em que o frete é alto as lideranças do agronegócio estão gestionando para produzir álcool de milho à semelhança do que ocorre nos EUA. Caso isto se concretize, deverá ser desenvolvido um milho com maior eficiência para produção de álcool, aumentando a complexidade de produção de sementes. 



                 Gestão da demanda

                 As empresas de milho não podem correr o risco de não produzir semente, assim, tão logo possuem a demanda estimada, procuram campos para produção de sementes que tenham disponibilidade de irrigação. Praticamente 100% da produção de milho é realizada em campos irrigados com pivô central, para garantir a produção. Estima-se que mais de 200 000 hectares sejam cultivados anualmente.

                Esta área requer trabalhos especiais, começando pelo cuidado com os materiais a serem semeados na época certa, onde muitas vezes o macho é semeado mais tarde, para que haja sincronia de maturação do grão de pólen do macho com o estigma da mãe. Outros aspectos referem-se à razão de semeadura correta entre macho e fêmea, ao isolamento (no mínimo 200 m de outro cultivo) para evitar contaminação genética, ao despendoamento (para evitar autofecundação), no qual se entra na lavoura de quatro a cinco vezes em qualquer condição climática, e à colheita –, que é realizada em espiga.



               O despendoamento é realmente uma atividade crítica, pois qualquer escape de pendão representa milhares de grãos de pólen que podem comprometer a produção de sementes. A propósito, as empresas estão trabalhando para utilizar a macho-esterilidade que não tenha relação com a suscetibilidade à doença, pois a que existe está comprometida neste sentido.

            Outro aspecto da gestão é a qualidade das sementes de milho disponibilizada no mercado com germinação superior  a 90%, conseguida graças à adoção de alta tecnologia, como a colheita e secagem em espiga, classificação das sementes, tratamento e armazenamento a frio. Além do teste de germinação, as empresas de milho também realizam rotineiramente o teste de vigor a frio, o que garante a oferta de sementes de alta qualidade.

               O agricultor reconhece que as sementes de milho possuem alta qualidade fisiológica, isto devido a vários fatores. O primeiro é que as falhas no campo são realmente pequenas. Entretanto, há outros, como o acompanhamento dos campos de produção de sementes, o transporte em via pública das sementes de milho em espiga e visitas a unidades de beneficiamento de sementes das empresas, que é algo  impressionante.

             A produção de sementes de milho envolve vultosos recursos de pesquisa, produção de sementes e infraestrutura para as operações de pós-colheita. A unidade de beneficiamento de sementes de milho é a que mais recursos requer. Há necessidade de secar 100% da produção em secador especial para espiga, o que requer quatro dias para secar uma só carga, e, como toda a semente é classificada, isto requer uma torre de classificação com peneiras especiais, além dos equipamentos tradicionais e um sistema para esfriar as sementes. 


                Programação da produção

               Para ilustrar a grandeza do processo de produção de sementes de milho híbrido, será apresentado um exemplo da necessidade de produção de 500 toneladas de sementes de um determinado híbrido simples.

                Considerando:

1-Proporção de semeadura de 2:1, ou seja, duas linhas do material que servirá como fêmea e uma linha do material que servirá como macho;

2-Produtividade da fêmea de 1,8t/ha de semente limpa e classificada, no entanto, como 1/3 da área é com o macho, a produtividade efetiva por área será 1,2t/ha;

3- Densidade de semeadura de 20kg/ha, podendo variar conforme o tamanho da semente.

Desta maneira, para a produção das 500 toneladas de sementes de um híbrido simples, necessita-se de 417 hectares, sendo 278 para a linha pura, que servirá como fêmea, e os outros 139 hectares para a linha pura que servirá como macho (tabela no texto). Para esta área, normalmente será necessário arrendar quatro pivôs centrais. 




            A produção e comércio de sementes de milho é um processo sofisticado, envolvendo alta tecnologia para produção. Entre os aspectos relevantes, está a necessidade de segregação dos materiais, em que apenas um híbrido, por exemplo, pode ser subdividido em mais de 20 tipos, em função do tamanho de semente, dos eventos incorporados e do tratamento que contém. Outro aspecto é que há necessidade de híbridos específicos para o cultivo de verão e o de safrinha, o precoce e o tardio e para  as diferentes regiões do país (que são muitas).

              A complexidade da produção de sementes de milho é superada por profissionais altamente preparados que devem atender os aspectos de qualidade e quantidade. Erro significa não atender a demanda, e isso é grave.   


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