Produção de Sementes na América do Sul

Edição IX | 03 - Mai . 2005
Antonio Carlos Souza de Albuquerque Barros-acbarros@ufpel.edu.br
Silmar Teichert Peske-silmar@seednews.inf.br
   A América do Sul é uma das poucas regiões do planeta que ainda possui terras para o cultivo, agricultáveis e de boa qualidade. Por isso, destaca-se como uma das fontes de produção de alimentos do globo terrestre. É considerada ainda, por alguns pesquisadores e cientistas, como o local que será responsável pela alimentação da humanidade neste novo século, que teve início há apenas cinco anos, mas já vive centenas de transformações. Com mais de 100 milhões de hectares em cultivo, produzindo, principalmente, espécies para a exportação, é necessário que um eficiente e bem sucedido sistema de produção de sementes esteja em vigor nesses países sul-americanos, para que supra as necessidades desse insumo fundamental para a agricultura.  
                   
   A política de sementes, nos diversos países dessa região, tem como base o controle da produção por seus Ministérios de Agricultura, com a presença forte do profissional de agronomia, para dar o suporte ao sistema, realizando tarefas de orientação e de controle da produção, tanto na área pública como na área privada. Portanto, os sistemas de produção são equivalentes. Pode-se afirmar que nos últimos dez anos, com o crescimento da importância da soja, milho, algodão, arroz e trigo e com a utilização de moderna tecnologia, houve um acréscimo significativo no uso de sementes, em termos de região, passando de 4,4 milhões de toneladas, para algo em torno de 5,2 milhões de toneladas, incluindo-se aí a semente do agricultor, conhecida como semente própria.                
    O montante, que é ao redor de 5% do que é utilizado no mundo, atinge valores próximos de 2,8 bilhões de dólares (8 bilhões de reais). Um país como a Bolívia destaca-se atualmente com seu sistema de sementes, pois há aproximadamente 15 anos, criou seu programa de certificação, modificando totalmente o “status quo” até então reinante. A grande vantagem foi, como se diz em nosso português coloquial, "ter passado uma borracha" no que existia e iniciar tudo do zero. Em termos de utilização de sementes certificadas, as taxas são superiores a 70% para espécies como soja, milho, trigo, algodão e feijão.               
   Para o Uruguai, pode-se observar que esse país tem ênfase na produção de sementes de arroz e forrageiras, havendo um crescimento nestes últimos anos na produção de soja, principalmente pelo interesse internacional pelo produto, atingindo, para a produção de grãos, mais de 250 mil hectares, o que implica no uso de 18.000 t de sementes.               
   A Argentina, tem-se destacado na produção de soja, trigo, milho, sorgo granífero e girassol, as três últimas com cultivo de híbridos em uma região e arroz e algodão em outra, sementes de forrageiras e outros cereais de inverno, por suas características climáticas. É o segundo maior mercado de sementes dessa região, com mais de 30 milhões de hectares. O Paraguai, com seu clima temperado tropical, tem área de produção de soja bastante significativa, de aproximadamente 2 milhões de hectares, considerando-se a dimensão do país (406 mil km²) e as áreas agrícolas, na chamada região oriental. Possui um mercado interno importante, com 1,8 milhão de hectares em soja, para o algodão, com um programa de assistência para o pequeno produtor, para o cultivo de 300 mil hectares, e produção de trigo, no inverno, além de algumas forrageiras.               
    O Equador, país de diversos climas, dedica-se, nas regiões altas, acima de dois mil metros, à produção de flores e cultivos de frutíferas de clima temperado, além da produção de cereais de inverno e milho nativo. Nas regiões próximas do nível do mar, os cultivos são os de arroz (200.000 ha), milho e soja, que são feitos nas regiões próximas da costa do Oceano Pacífico.               
    Se formos um pouco mais acima, olhando o mapa, estaremos chegando à Colômbia, que é um país de uma extensão territorial já maior, e com população superior a trinta milhões de pessoas, mas que se dedica à produção de arroz, sorgo e milho em primeiro lugar; canade- açúcar, mandioca e feijão, entre outras espécies. Nas regiões de florestas, onde o clima é tropical, é produzida muita semente de forrageiras. O mercado de sementes ultrapassa as 100 mil toneladas. Destaca-se o cultivo de milho, com mais 0,5 milhão de ha.               
    Subindo mais um pouco no mapa, chegamos à Venezuela, que se destaca principalmente por sua produção petrolífera e sua produção, para consumo interno, de arroz, milho, sorgo, forrageiras e frutíferas tropicais, possuindo uma área agrícola muito pequena, pois em seu território 4% constituem terras aráveis e 20% são utilizados para pastagens. No momento, estão com um forte programa de substituição de importação de sementes de milho híbrido. Os países ao norte da América do Sul, tais como Guiana, Guiana Francesa e Suriname, têm como expoente em seus produtos agrícolas a produção de arroz e forrageiras tropicais, além das frutíferas nativas e típicas de clima tropical.               
   O Chile, país com larga extensão norte-sul, dos paralelos 18 ao 27, neste extremo, com áreas desérticas, e no outro a Antártida, por um lado, a Cordilheira e de outro o Oceano Pacífico, tem um isolamento geográfico natural, que dificulta a presença de pragas e  enfermidades. Esse fato permite que o país distinga-se pela produção de cereais de inverno e de sementes dessas mesmas espécies, milho, girassol e batata, além de olerícolas, para a exportação, pois por suas características de clima seco e frio é preferencial para produção de sementes de alta qualidade. Entretanto, a área que pode ser destinada para produção não ultrapassa os 5 milhões de hectares. Em 2004, o país exportou mais de 100 milhões de dólares em sementes.               
   O Peru, país que também sofre, geograficamente, a interferência da Cordilheira dos Andes, tem sua produção localizada muito mais na região costeira, com milho, arroz, feijão, algodão, algumas forrageiras e as batatas dos Andes. Para completar, falta o Brasil. Maior país agrícola da América do Sul, com mais de 50 milhões de hectares de áreas cultivadas, com ênfase para a soja, o milho, além do feijão, o arroz, o trigo, o algodão e o sorgo, em ordem de importância de área cultivada e de espécies tropicais e subtropicais de forrageiras, com uma demanda efetiva de mais de 1,6 milhões de toneladas.       
         
    Organização da Produção               
   Praticamente todos os países da região possuem Lei de Proteção de Cultivares (LPC) baseada na convenção da UPOV de 1978, em que a proteção vai até a semente e se o agricultor desejar guardar sua própria semente de uma cultivar protegida, para a safra seguinte, poderá faze-lo sem pagar nada ao obtentor, independente de sua área de cultivo. Merece comentário a lei na Bolívia, que contempla uma área máxima, que no caso de soja são 100 ha, em que o agricultor poderá guardar suas sementes de uma cultivar protegida e não pagar royalties ao obtentor. Há um movimento na região para que se adote a convenção da UPOV de 1991, em que a proteção vai até o grão; ou seja, se o agricultor desejar guardar sua própria semente de uma cultivar protegida poderá fazê-lo, entretanto os royalties do obtentor deverão ser pagos. Há uma isenção para pequenas áreas de cultivo, que, em geral, vão até 100 ha.               
   Para a comercialização interna das sementes, há padrões mínimos de qualidade, em que as sementes são avaliadas em laboratórios específicos. Cada país possui laboratório oficial do governo e as análises das sementes provenientes de importação, exportação e do serviço de certificação, são realizadas. Também há os laboratórios privados que analisam as sementes certificadas e para controle interno das empresas. Neste sentido, salientam-se Brasil e Argentina, sendo que no primeiro há mais de 200 laboratórios, e no segundo mais de 100.
   Pode-se considerar que todos os laboratórios utilizam a metodologia Ista para avaliação da qualidade, entretanto poucos são os países da região que possuem laboratório de sementes credenciado pela Ista para emitir o certificado laranja, sendo apenas Argentina, Bolívia, Chile e Uruguai. Entretanto, Brasil e Colômbia possuem laboratório membro da Ista e estão em processo de credenciamento para emitir atestado de qualidade das sementes.               
   Ainda sobre avaliação da qualidade, comenta-se que vários países da região possuem laboratórios e pessoal capacitado para avaliação da qualidade sanitária das sementes, inclusive no Brasil há uma associação chamada Abrates, que possui desde a década de 80 um comitê sobre patologia de sementes. Outro aspecto que envolve laboratório é a análise da presença de sementes adventícias de OGM em lotes de sementes convencionais, em que os países da região também desenvolveram capacitação para tal. Análise molecular das sementes pode ser considerado rotina em alguns países da América do Sul.               
   Em termos de entidades de classe, os países possuem associações de produtores e comerciantes de sementes, alguns com uma associação, outros com duas. No Uruguai e Argentina há duas associações, a dos produtores e as dos comerciantes, enquanto no Brasil existe uma organização chamada Abrasem, que engloba quatro segmentos, ou seja: produtores (Abrasem), comerciantes (Abcsem), pesquisadores (Abrates) e obtentores (Braspov). A região também possui uma associação regional chamada Felas (Federação Latino-Americana de Associação de Sementes), que atua desde 1987. Essa organização tomou impulso recentemente, ao desenvolver atividade para harmonizar os padrões de qualidade entre os países da região. A meta é ter um sistema de certificação e talvez de proteção de plantas regional a exemplo do que ocorre em outras regiões ou blocos comerciais.        
       
    Importação e exportação             
   Os países da região, tradicionalmente, exportam pouca semente, apesar de possuírem  sementes de alta qualidade e germoplasma adaptado para muitas regiões. Entretanto, nos últimos anos tem crescido a exportação de sementes, principalmente de forrageiras e hortaliças, em que Chile, Argentina e Uruguai, juntos, têm exportado volume tal que ultrapasse os 200 milhões de dólares. Outros países que estão começando são Bolívia, com hortaliças, batata, milho e forrageiras e Brasil, principalmente com sementes de forrageiras para regiões tropicais. Os países estão começando a associar-se à International Seed Federation (ISF) para melhor entenderem o mercado internacional de sementes. Este ano, com o congresso da ISF no Chile, com certeza a região terá um impulso em seu comércio exterior de sementes.               
    Em termos de importação, os países trazem de fora, principalmente, sementes de hortaliças e flores, segmento em que somente o Brasil importa mais de 50 milhões de dólares/ano. Entretanto, esta quantia esta diminuindo com o avanço da ciência e com o desenvolvimento de tecnologias locais para substituir as importações. Temos como exemplo a batata: o Brasil importava mais de 100 milhões de dólares/ano envolvendo essa espécie e, atualmente, este valor não chega a 5 milhões, devido à biotecnologia, que permitiu limpar as sementes em laboratório, por cultivo de meristema.



    



    Pesquisa                   
    As leis de proteção de cultivares propiciaram que muitas empresas privadas desenvolvessem novas cultivares - antes essa atividade era realizada quase que  exclusivamente pelo governo. Em culturas, como soja, por exemplo, atualmente, mais da metade das cultivares em uso são provenientes do setor privado, significando que há retorno econômico nesta atividade. É importante registrar também que após as LPC's, independente de país, o número de cultivares disponíveis para os agricultores aumentou consideravelmente, evidenciando que a concorrência faz bem para o negócio.               
    Em termos de apoio de pesquisa, a região é contemplada com dois centros  internacionais de agricultura: o CIP, localizado no Peru, com ênfase em batata, e o CIAT, com ênfase em feijão, pastos tropicais, arroz e mandioca. Há também o Cimmyt, localizado no México, com ênfase em milho e trigo. Estes centros muito aportaram para a agricultura da região, principalmente em termos de germoplasma. A América do Sul é centro de origem da batata, feijão, milho, tomate, pimenta e amendoim, entre outros.

    



    Materiais biotecnológicos                   
    Vários países da região já cultivam materiais biotecnológicos como a soja RR e milho e algodão Bt. Nesse contexto, destacam-se a Argentina, com mais de 13 milhões de hectares cultivadas com soja RR, e o Brasil, com mais de 5 milhões. Paraguai, com soja RR; Uruguai, com soja RR e milho Bt; Colômbia, com algodão Bt; e Bolívia, nos passos iniciais de adoção da tecnologia, são os outros países da região que possuem, comercialmente, materiais biotecnológicos. Registre-se que o Brasil, recentemente, aprovou lei que facilita a produção e comercialização de milho e algodão Bt.
 

  
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