A hora de contingenciar

Edição XV | 01 - Jan . 2011

    Qualquer produtor, por menor que seja, sabe que a atividade agrícola é um negócio de alto risco. Está ciente de que plantar bem não é garantia de colheita farta - uma boa colheita não garante margens de lucro satisfatórias, assim como uma venda pode parecer boa agora e não ser mais tarde. 

    O contrário também é verdadeiro. Muitos anos começam nebulosos e cheios de descrença, mas acabam por permitir resultados animadores ao seu final. Há ainda anos em que a maioria trilha por um caminho e alguns poucos obtêm frutos diferentes, às vezes melhores, outras piores. Por assim, é sabido por todos que vários fatores incontroláveis influenciam decisivamente no resultado do negócio e é exatamente neste aspecto que o produtor, embora saiba da sua existência, precisa ser um gestor mais estratégico.

    Para Criar Músculos

    O primeiro aspecto relevante dessa situação é o de reconhecer que o negócio envolve risco. Seja ele ambiental, biológico, tecnológico, de mercado ou mesmo gerencial. Ciente dessa premissa, primeiro, se espera do produtor pouca disposição para deixar ao acaso aquilo que é possível controlar e, segundo, que a gestão seja realmente estratégica, devendo obedecer a indicadores econômico-financeiros mais rígidos do que os demais negócios.

    O que se tem visto na prática, no entanto, é temeroso para a sustentabilidade de várias atividades. Embora muitos e significativos avanços tenham sido conquistados ao longo dos anos, a atividade agrícola ainda mantém ranços gerenciais inaceitáveis para o nível de competitividade que paira sobre o setor. Muitos indicadores de desempenho do negócio, por exemplo, ainda são utilizados pro-forma, frequentemente para atender necessidades legais, ao invés de auxiliares nos processos de decisão.  Para estes, o feeling tem sido um aliado importante, mas comumente duvidoso.

    Tem-se percebido ao longo dos anos que o agronegócio vai bem, mas muitos produtores vão mal. Nos anos de arroubos lucrativos é perceptível que as extravagâncias também são frequentes. Pensar estrategicamente é entender que estes são os momentos de criar musculatura para os anos problemáticos e neles crescer. Não o contrário. Percebe-se que muitos produtores empreendem exatamente nos anos em que todos também estão dispostos a investir. É claro que a lei da oferta e da demanda é implacável. Nestes momentos o custo do investimento tem-se demonstrado relativamente caro.

    Como a gangorra é inexorável, alguns, ao entrarem tardiamente na curva, quando ambicionam os retornos, estes já são menores que o esperado e por isso acabam em sérios apuros, normalmente financeiros e alguns até econômicos. Em anos de bons preços e colheita farta, motivando expansão generalizada, ainda há produtores que se dão ao luxo de abandonar o uso de indicadores mais ortodoxos e se largam ao sabor do vento, ou da maioria, originando um verdadeiro efeito manada.

    O adágio popular afirma que nas crises é que surgem as oportunidades. Contudo, é oportuno observar que elas apenas passam a existir à medida que há capacidade para aproveitá-las. Do ponto de vista financeiro, é necessário que haja rigor e estratégia de capitalização para que estas situações realmente se transformem em algo importante. Até porque, há somente duas maneiras de aproveitá-las: chegar antes dos demais ou esperar o fluxo reduzir, para então aproveitar a criação de valor. Por isso, contingenciar sempre é uma boa estratégia.


    Quando contingenciar é uma boa estratégia

    O conceito de contingência possui vários significados e pode ser empregado em diferentes situações. Neste caso, prende-se à idéia de reduzir ou enxugar os dispêndios orçados, normalmente, em função de investimentos programados ou ampliações previstas. Por isso, contingenciar está associado à ação de restringir o empenho de recursos em determinado momento. Se utilizado como estratégico, pode ser uma maneira de acumular ou capitalizar a empresa com o propósito de melhorar a saúde financeira, ou mesmo, não deixá-la piorar.     E, quem sabe, mais tarde utilizar o próprio recurso acumulado como alavanca para promover saltos organizacionais.

    Principalmente em momentos de euforia, de preços bons e safras fartas, os empresários não estão acostumados a contingenciar. Essa ferramenta com frequência é utilizada no momento inadequado, normalmente por necessidade. Nessa situação ela deixa de ser estratégica e passa a ser apenas reativa. Quando a situação vai mal, reduzir orçamento para investimentos ou ampliações parece óbvio em qualquer atividade. Não há nada de inteligente nisso.

    As ações dos produtores tem-se tornado demasiadamente previsíveis. Convido o leitor a analisar alguns produtores de suas relações, sejam eles grandes ou pequenos e a atentar para as suas estratégias em relação aos investimentos e ampliações, ou reduções e contingenciamentos que têm realizado ao longo dos anos. Deve associar esses avanços e retrocessos ao cenário comercial da atividade deles. Preste atenção à história dessas empresas.

    Com um pouco de vigilância, não será difícil identificar um comportamento padrão: investir, principalmente imobilizando recursos, em anos de alta produtividade e preços compensadores, e de outro, retrair-se, principalmente nos aspectos tecnológicos e de gestão, em momentos de intempéries ambientais ou comerciais. São raros os produtores que não adotam este posicionamento. Estes poucos produtores possuem características distintas dos demais e conseguem aproveitar melhor as oportunidades porque se mantêm capitalizados, quando os outros já estão na lona. Dito de outro modo: contingenciam quando os outros esbanjam.


    Para implantar a estratégia

    A percepção é de que a maioria dos produtores se propõe a extrair ao máximo as capacidades de retorno nos momentos de cenários favoráveis, mas esquece que estes são também os pensamentos de todos os outros. Daí surge o efeito manada, que inflaciona os preços dos recursos materiais e tecnológicos requeridos, ao mesmo tempo em que evidencia a falta de capacidade de gerenciar a estratégia, qualquer que seja, pois ficam cada vez mais dependentes de bons cenários produtivos e de preço para que haja oportunidades a serem aproveitadas. Mas precisa-se considerar que as melhores ocasiões surgem exatamente quando a gangorra torna a descer e não quando ela está na ascendente.

    Embora pareça óbvia, na prática, tem-se tido dificuldade para percebê-la entre os produtores. Poucos apresentam capacidade de se manter alinhados rigorosamente a esta estratégia. A maioria sucumbe na primeira sobra de caixa consistente e não resiste às condições de investimento fácil com dinheiro no caixa. Acaba empenhando desnecessariamente a liquidez e a saúde financeira da empresa nos curto e médio prazos. Esta discussão é particularmente importante diante do bom momento que vive parte relevante das atividades no agronegócio brasileiro. Por isso, contingenciar e se capitalizar sempre foram as melhores estratégias.

    Até a próxima.

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