Testes de VIGOR: dimensão e perspectivas

Edição XV | 01 - Jan . 2011
Julio Marcos Filho-jmarcos@esalq.usp.br

    A importância

    A qualidade de lotes de sementes é o resultado da interação de atributos genéticos, físicos, fisiológicos e sanitários, determinando seu potencial de desempenho e, consequentemente, o valor para a semeadura.

    O potencial fisiológico compreende o conjunto de aptidões que permite estimar a capacidade teórica de um lote de sementes manifestar adequadamente suas funções vitais após a semeadura. Desta maneira, as informações sobre a germinação e o vigor, obtidas em laboratório, devem permitir a comparação entre lotes de sementes e avaliar a probabilidade de sucesso com sua aquisição e utilização. Após a semeadura, constata-se até que ponto se manifestou o potencial identificado em laboratório e a eficiência dos métodos usados para avaliá-lo.

    Não há dúvida que o potencial fisiológico das sementes comercializadas tem sido um referencial da eficiência e credibilidade das empresas produtoras, pois sua manifestação é identificada sem maior dificuldade após a instalação da cultura. O estabelecimento do estande constitui um dos pilares que sustenta a obtenção de produções elevadas por unidade de área.


    Os efeitos

    A influência do poder germinativo e do vigor da semente sobre a rapidez, porcentagem e uniformidade da emergência de plântulas em campo é indiscutível. Há, também, reflexos sobre o crescimento inicial das plantas, mas a persistência dessas vantagens durante as fases subsequentes do desenvolvimento e os efeitos sobre a produção ainda não estão perfeitamente esclarecidos, principalmente quando são comparadas populações de plantas e não indivíduos e quando os estudos focalizam lotes de sementes que superam os padrões estabelecidos para a comercialização dentro do sistema legal. Deve ser lembrado que vários fatores, além da qualidade das sementes, afetam a produção de uma cultura.

    Assim, mesmo que a influência do potencial fisiológico se concentre no estabelecimento do estande e desenvolvimento inicial das plantas, isto é uma razão mais que suficiente para justificar a aquisição de lotes de alto vigor. Há vantagens importantes, envolvendo a menor exposição a condições desfavoráveis de ambiente ou melhor desempenho sob ampla variação do ambiente, a redução da competição com plantas daninhas, a uniformidade do desenvolvimento inicial da cultura (com reflexos no final do ciclo e colheita) e o menor risco da necessidade de ressemeadura e da ocorrência de outros insucessos.


    A avaliação

    Não havendo dúvidas sobre a importância do uso de lotes com potencial fisiológico elevado, o desenvolvimento e o aprimoramento de procedimentos padronizados para avaliar a qualidade e assegurar a oferta de lotes de alta qualidade é uma necessidade permanente da indústria de sementes.

    Nesse sentido, o teste de germinação, conduzido de acordo com as Regras para Análise de Sementes, tem alto grau de confiabilidade e de reprodução de resultados, mas apresenta limitações quando o objetivo é estimar o potencial de emergência de plântulas em campo, especialmente sob condições menos favoráveis de ambiente, como ilustra a tabela.

    Verifica-se que a emergência de plântulas na área 1, sob condições adequadas de ambiente, foi elevada e próxima dos resultados de germinação. No entanto, à medida que as condições foram se desviando das mais adequadas (área 2), houve redução da porcentagem de emergência e diferença no desempenho dos lotes. Finalmente, sob ambiente amplamente desfavorável (Área 3), não houve relação entre os resultados de germinação e de emergência de plântulas. Portanto, a eficiência da avaliação conduzida em laboratório diminui progressivamente à medida que o ambiente se torna menos favorável, até se anular quase que completamente.

    Por esses e outros motivos, os testes de vigor assumem papel preponderante na composição de programas de controle de qualidade. A consulta cuidadosa à literatura permite verificar a disponibilidade de mais de quarenta testes para determinar o vigor de sementes. A preferência para utilização frequente em programas de controle de qualidade deve recair em métodos acessíveis aos analistas, que permitam a obtenção relativamente rápida de resultados associados à emergência de plântulas em campo.

    Os testes de vigor devem detectar diferenças no potencial fisiológico de lotes de sementes com germinação semelhante e compatível com as exigências mínimas para a comercialização. É necessário distinguir, com segurança, os lotes de alto e de baixo vigor, de maneira proporcional à emergência de plântulas em campo, ressaltando-se que os testes de vigor não foram criados para adivinhar qual será a porcentagem de emergência de plântulas após a semeadura. Consequentemente, a avaliação consistente do potencial fisiológico envolve tanto a utilização de procedimentos bem definidos como a interpretação correta do significado dos resultados.


    Outro aspecto importante para a obtenção de resultados confiáveis é a conscientização da necessidade de seguir fielmente os procedimentos recomendados, pois os testes de vigor não proporcionam as mesmas facilidades oferecidas às sementes nos testes de germinação. Por exemplo, nestes testes, oscilações de 1°C na temperatura do germinador pouco afetam o resultado final, o que não ocorre em um teste para avaliação do crescimento de plântulas ou quando essa mesma variação é verificada enquanto as amostras permanecem no interior de uma câmara de envelhecimento acelerado. Os resultados de testes de vigor também são influenciados por diferenças no grau de umidade das amostras avaliadas, além de outros fatores.

    Assim, por apresentar maior sensibilidade que o teste de germinação, há necessidade do controle rigoroso das variáveis para que os procedimentos sejam devidamente padronizados e possibilitem a obtenção de informações seguras. Outro aspecto muito importante é a influência do genótipo nos resultados de praticamente todos os testes de vigor, de modo que é fundamental comparar apenas amostras de lotes de sementes do mesmo cultivar.


    Os testes

    Até o momento, não existe um teste universalmente aceito para avaliar o vigor de sementes de uma determinada espécie ou de um conjunto de espécies, procurando atingir objetivos pré-determinados. Dentre os testes disponíveis, podem ser destacados como mais interessantes a avaliação do crescimento de plântulas, os testes de frio, envelhecimento acelerado, tetrazólio e condutividade elétrica. A descrição detalhada da metodologia estabelecida para a condução desses testes é encontrada nas publicações “Vigor de sementes: conceitos e testes”, editada pela ABRATES, em 1999, e “Manual de avaliação do vigor” (Seed vigor testing handbook), lançado pela Association of Official Seed Analysts (AOSA), em 2009. 

    A avaliação do comprimento de plântulas ou de suas partes (raiz primária, hipocótilo, epicótilo) geralmente segue as instruções para germinação contidas nas Regras para Análise de Sementes; graças à sua relativa simplicidade, pode ser utilizado para praticamente todas as espécies cultivadas. As sementes mais vigorosas originam plântulas mais desenvolvidas, traduzindo a eficiência da ação de mecanismos de reparo e da mobilização de reservas e síntese de novos tecidos durante a germinação.

    A morosidade, a dificuldade do estabelecimento de valores de referência para distinguir o alto e baixo vigor, a influência acentuada do genótipo são fatores que têm limitado sua utilização mais ampla em programas de controle de qualidade.

    O teste de frio é o mais popular entre os pesquisadores e os tecnologistas de sementes nos EUA, sendo utilizado em larga escala na avaliação do vigor de sementes de milho, tanto naquele país como no Brasil. Seu emprego para outras espécies é bem mais limitado.



    Dois tipos de estresse interagem nesse teste: a combinação baixa temperatura (10°C) e ambiente úmido, que incentiva a perda de solutos celulares (ao dificultar a reorganização do sistema de membranas), e o desenvolvimento de microrganismos prejudiciais à germinação. As sementes mais vigorosas são mais tolerantes a essas condições e apresentam germinação superior à verificada para as menos vigorosas.

    A semeadura é efetuada em substrato obtido pela mistura areia e terra coletada de área anteriormente cultivada com milho, colocada em caixas de plástico; esse conjunto é mantido em câmara a 10°C durante sete dias e, em seguida, a germinação é conduzida preferencialmente a 30°C, computando-se as porcentagens de plântulas normais depois de cinco dias.

    Apesar de sua grande importância, um dos principais entraves desse teste é a séria dificuldade para a padronização satisfatória dos procedimentos. Não bastasse a necessidade da utilização de terra, há dificuldade da uniformização dos efeitos da temperatura, da distribuição de água no substrato, da população de microrganismos, além da influência acentuada do genótipo. 

    O teste de envelhecimento acelerado avalia o grau de tolerância das sementes à temperatura (41°C – 45°C) e umidade relativa elevadas, que contribuem para acelerar o processo de deterioração. Assim, o princípio do teste estabelece que as amostras de sementes mais vigorosas apresentam germinação superior após esse envelhecimento artificial.

    A determinação do grau de umidade das amostras após o período de envelhecimento e a verificação da amplitude de sua variação é uma das “etapas-chave” do procedimento. Essa informação pode ser utilizada de duas maneiras: em primeiro lugar, o grau de umidade final é conhecido para mais de 40 espécies; assim, a comparação dos valores alcançados com os já estabelecidos é uma delas. A outra, é considerar que a variação entre o grau de umidade das amostras, ao final do envelhecimento, não deve superar 2,0 a 3,0 pontos percentuais. Portanto, se uma dessas condições for satisfeita, os resultados do teste são consistentes e não há necessidade de repeti-lo.

    Assim, salvo engano, o teste de envelhecimento acelerado é o único disponível em que há disponibilidade de utilizar um parâmetro indicativo da adequação dos procedimentos adotados. Essa situação caracteriza um grau avançado de padronização e abre caminho para uma possível inclusão como item componente de padrões para a comercialização.

    O teste de tetrazólio em sementes de soja é o teste de vigor mais utilizado no Brasil. A metodologia também foi aperfeiçoada para utilização em outras espécies, como milho, algodão, amendoim, feijão vagem e café. Baseia-se na alteração da coloração de tecidos vivos da semente, em presença de uma solução de cloreto de 2, 3, 5 – trifenil tetrazólio, refletindo atividade de sistemas enzimáticos intimamente relacionados ao desempenho de funções vitais.


    Após a hidratação controlada (08 a 16 horas) para ativação de enzimas, as sementes podem ser preparadas (corte, remoção dos tegumentos) e, em seguida, mantidas em contato com a solução de tetrazólio, seguindo concentração e período preestabelecidos. O exame individual das sementes, observando-se cuidadosamente as regiões coloridas e descoloridas, quanto à sua localização e extensão, a identificação de sintomas da ocorrência de possíveis problemas, permite identificar sementes viáveis e não viáveis, sem maiores dificuldades.

    O vigor das amostras é estabelecido após a separação das sementes em níveis de viabilidade, com base na identificação de anormalidades. Até o momento, foram estabelecidas oito classes para as sementes de soja, de feijão e de algodão; nesses casos, a soma das porcentagens incluídas nas categorias 1 a 3 expressa o vigor das amostras. Na interpretação dos testes realizados com sementes de milho, de amendoim e de café, foram definidas três classes, sendo computada a porcentagem de sementes enquadradas na classe 1, para a determinação do vigor.

    Apesar da relativa subjetividade da interpretação, o aprimoramento da metodologia, a produção de ilustrações detalhadas para a identificação das diferentes categorias de sementes e a intensificação do treinamento de analistas, permitirão aprimorar os procedimentos e ampliar a abrangência das espécies envolvidas, constituindo iniciativas importantes para a diversificação da utilização desse teste.

    O teste de condutividade elétrica, como o de tetrazólio, é classificado como bioquímico. Avalia indiretamente a integridade do sistema de membranas celulares, extremamente importante para a garantia do funcionamento normal dos tecidos vitais das sementes. Estas são embebidas em água destilada ou deionizada, sob temperatura e período pré-determinados e, em seguida, é efetuada a leitura em condutivímetro.

    As sementes mais deterioradas liberam maiores quantidades de íons, além de outros componentes, de modo que as maiores leituras da condutividade elétrica identificam lotes menos vigorosos. Os resultados são expressos em µS/cm/g ou µmho/cm/g. Vários fatores podem afetar os resultados do teste, mas a ISTA (International Seed Testing Association) considera padronizado o procedimento para testar sementes de ervilha, enquanto no Brasil e nos EUA os estudos estão em estágio avançado para sementes de soja. A falta de valores de referência para caracterizar o alto ou baixo vigor, a limitação do teste para sementes com embrião relativamente pequeno e a expressão dos resultados em unidade pouco familiar ao usuário têm dificultado o seu uso em maior escala.



    As perspectivas

    De um modo geral, embora haja disponibilidade de vários métodos para testar o vigor, com procedimentos definidos e resultados confiáveis, sempre há oportunidades para aprimoramento ou inclusão de alternativas precisas, objetivas e padronizáveis.

    Um dos aspectos que vem merecendo cada vez maior atenção da pesquisa é a identificação de marcadores de determinados estádios da deterioração, como a atividade de enzimas específicas. A utilização de informações dessa natureza para desenvolver testes de vigor pode parecer muito sofisticada, mas é sempre bom lembrar que o teste de tetrazólio é baseado na determinação do nível de enzimas desidrogenases.

    Paralelamente, um dos símbolos da modernidade da pesquisa, produzindo resultados importantes para o setor produtivo é a análise de imagens de sementes e de plântulas. Nesse particular, destacam-se as informações associando a morfologia da semente ao seu desempenho, mediante a realização de testes de raios X ou do uso de programas como o Tomato Analyzer e Image-Pro Plus, que permitem determinar a área embrionária ou de espaços vazios no interior da semente e estabelecer relações com o potencial fisiológico.

    O programa SVIS (Seed Vigor Imaging System), para análise de imagens de plântulas, também constitui alternativa promissora para avaliação do vigor. São obtidos automaticamente índices de vigor e de uniformidade de desenvolvimento (ambos de 0 a 1000) e do comprimento de plântulas (ver a Figura), de maneira relativamente rápida e eficiente. Isto já foi demonstrado em pesquisas conduzidas com alface, soja, milho, melão, algodão, além de outras com girassol, mamona, quiabo, arroz, crotalária, trigo, tomate, pepino.

    A continuidade da pesquisa certamente permitirá o desenvolvimento de outros métodos confiáveis, ampliando a diversidade das espécies testadas, além de permitir a identificação de oportunidades para a criação de novos softwares para atender a demanda sempre crescente do setor produtivo.



    Inclusão de requisitos mínimos nos padrões para comercialização

    A evolução contínua do conhecimento sobre diferentes aspectos da manifestação do vigor de sementes e dos métodos para avaliá-lo é fato consumado. Neste particular, o nível de qualificação dos profissionais brasileiros merece destaque especial. O livro editado pela ABRATES em 1999, sob o comando de Krzyzanowski, Vieira e França Neto, é uma das duas mais importantes fontes  disponíveis sobre o assunto; a outra é o recente Manual de avaliação do vigor, lançado pela AOSA em 2009, com a participação ativa de quatro brasileiros, um deles coeditor da publicação.

    A existência de competência instalada e reconhecida internacionalmente preenche um dos requisitos básicos para a definição de prioridades e de possíveis estratégias de ação, programáveis com o envolvimento de instituições governamentais responsáveis pela normatização da produção de sementes, ABRATES, ABRASEM, ABCSEM, universidades e instituições de pesquisa. Sugere-se, por exemplo:

a) Concentrar esforços na validação de testes padronizados ou mais próximos da padronização: neste particular, destacam-se o envelhecimento acelerado, para várias espécies, e o tetrazólio, para as já mencionadas.

b) Inclusão da metodologia nas Regras para Análise de Sementes, com base nas informações disponibilizadas pela pesquisa, seguindo estratégia adotada pela ISTA. Para tanto, devem ser definidas as espécies associadas a cada teste e níveis de tolerância de variação dos resultados dos testes conduzidos com amostras diferentes; a ISTA e a AOSA já adotam tolerâncias para resultados de testes de vigor.

c) Definição de níveis mínimos de tolerância para inclusão nos padrões para comercialização: pesquisadores da Embrapa/Soja consideram que lotes vigorosos de sementes de soja apresentam valores superiores a 75% para as categorias 1-3 no teste de tetrazólio. Esses mesmos valores poderiam balizar as respostas de sementes de diferentes espécies ao envelhecimento acelerado. São exemplos para ilustrar o início da discussão sobre o tema.

d) Avaliação dos resultados: somente após aprovação da proposta de inclusão dos valores mínimos obtidos em testes de vigor e a avaliação das consequências de sua adoção pelos padrões de comercialização, poderá ser avaliada a pertinência dessa decisão e a promoção de ajustes necessários.

    Evidentemente, a possibilidade de sucesso poderá ser mais ampla se forem consideradas inicialmente as espécies em que os níveis de conhecimento e dos programas de controle de qualidade são mais avançados, como o milho, soja e algumas hortaliças. A partir das primeiras observações e da consistência dos resultados obtidos, poderão ser estabelecidas diretrizes para a inclusão de novas espécies.

    Acredita-se que o país apresenta as condições necessárias para o estabelecimento de avanços na oferta de lotes de sementes avaliados quanto ao vigor, respeitando-se as características regionais. Cabe às instituições envolvidas e à pressão da demanda o incentivo à materialização das ações necessárias.

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