Relembrando uma Tradição

Edição IX | 02 - Mar . 2005
James Delouche-JCDelouche@aol.com
    Há várias semanas, li um artigo que provocou minha atenção e trouxe muitas lembranças. O artigo relatava um evento sobre descumprimento da lei de patentes, onde uma  empresa de sementes levou à justiça um agricultor por ressemear sementes de uma variedade protegida. A decisão do tribunal do júri determinou que a patente tinha sido infringida, pelo que a empresa foi beneficiada por danos. Quando a decisão foi anunciada, o agricultor foi surpreendido exclamando "Não posso acreditar nisso, não é natural, acho que não é correto".                 
    Por vários dias fiquei pensando nas palavras do agricultor e imaginando quais teriam sido seus sentimentos quando entendeu, durante o processo, que nunca foi "dono" das sementes que comprou para semear o cultivo original, já que essencialmente ele apenas tinha alugado para usá-las uma só vez. Antes que toda minha simpatia gravitasse para o agricultor, contudo, eu lembrei que estamos certamente testemunhando uma evolução poderosa e  abrangente no uso e propriedade das espécies e bioformas que têm servido e sustentado a  humanidade.    
             
    A tradição de guardar sementes               
   Guardar sementes para a safra seguinte é indiscutivelmente a mais antiga e mais  onipresente prática agrícola. Entretanto, em países com uma moderna agricultura comercial,  a prática de guardar sementes está desaparecendo no despertar do progresso, da mesma maneira e quase na mesma velocidade que a colheita manual e a potência animal foram banidas da fazenda, somente uma ou duas gerações atrás. O falecimento pendente da velha tradição de guardar sementes é o resultado da interação de desenvolvimentos tecnológicos, fatores econômicos, normativas e decisões judiciais. Os avanços em biologia molecular e biotecnologia têm permitido a construção de formas vivas, isto é, variedades com peculiaridades e respostas que não fazem parte da variabilidade natural das espécies.                
   A construção dessas formas de vida ou variedades foi apresentada como um processo  inventivo, bem como as únicas formas vivas ou variedades produzidas como invenções que  foram consistentes com os objetivos da lei de patentes e cumpriram seus requerimentos  específicos. Patentes para formas de vida únicas foram concedidas e têm sido sustentadas no  sistema judicial no mais alto nível. Os fatores econômicos são, naturalmente, cruciais em  todas as atividades de pesquisa e desenvolvimento (P & D), porém são especialmente determinantes no caso de variedades e outras formas de vida que são multiplicadas em vez de  consumidas. A lei de patentes constituiu-se num sistema perto do ideal ao conceder e proteger os direitos de propriedade dos melhoristas.
    Outros dois sistemas, contudo, foram  legados e estavam em uso antes que a primeira patente de uma forma de vida fosse concedida para um microorganismo, ao redor de 1980. O desenvolvimento dos híbridos de milho  forneceu uma proteção adequada aos direitos dos melhoristas através de mecanismos  biológicos e técnicos apoiados no lado legal pela lei de sigilo comercial. A morte da tradição  de guardar sementes começou com o aparecimento dos híbridos. A aquisição dos direitos dos melhoristas através da proteção legal das variedades está assegurada em nível nacional pelas Leis de Proteção de Cultivares (LPC). A proteção sob a maioria dessas leis, contudo, não se tornou tão satisfatória como aquela disponível através dos mecanismos biológicos e técnicos para os híbridos, porque a isenção para os agricultores estava disposta na maioria das LPC nacionais ao permitir aos agricultores guardar sementes de variedades protegidas para serem semeadas nas suas próprias fazendas.
    Os agricultores podem ainda guardar sementes das variedades protegidas para semeadura o que, naturalmente, diminui as oportunidades de vendas para as empresas proprietárias das variedades. Entretanto, não há isenções na proteção de variedades sob a lei de patentes usando a combinação de patentes e licenças públicas.  
                           
    “A morte da tradição de guardar sementes começou com o aparecimento dos híbridos.”                  


    Guardar semente está no fim?               
   Mesmo com a isenção dos agricultores sob a LPC, a prática de guardar semente está em rápido declínio nos países de agricultura avançada e vejo essa situação com um senso  real de perda. Posso nitidamente lembrar gastando muitos dias de inverno com meu  irmão durante nossa juventude, ajudando nosso pai a selecionar e preparar semente de milho para semear na primavera e ajudando nossa mãe a guardar sementes de hortaliças. É bom  e importante para nós relembrar e refletir sobre como as coisas eram, mais precisamos fazê-lo sem guardar rancor porque passaram.
    O progresso envolve mudanças e as mudanças quase sempre envolvem a perda de coisas que nos eram familiares. Guardar sementes está passando, porém não terminando. Eu sobrevivo e continuarei no setor da agricultura de  subsistência ao redor do mundo e nas atividades de jardinagem, como muitos de nós  que são angustiados pela nostalgia e gostam de cultivar as chamadas variedades "ancestrais"  de hortaliças e flores que chegamos a conhecer nos jardins de nossos pais e avós.  

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