A Logística, da Produção à Distribuição de Sementes

Edição IX | 02 - Mar . 2005
Rui Colvara Rosinha-rcrosinha@gmail.com
Arlei Roberto Krüger-arlei@sementesroos.com.br
José Francisco Martins-jose.francisco@grupoagro-sol.com.br
    A logística - arte de administrar os negócios de forma integrada, otimizando os recursos disponíveis, visando o ganho global - ganha cada vez mais destaque no cenário  empresarial, podendo constituir importante diferencial ou até mesmo inviabilizar uma atividade. Na verdade, as possibilidades de redução de custos, bem como de aumento de vendas, através de  procedimentos logísticos, são inúmeras e dependem da criatividade  e do conhecimento dos principais fundamentos envolvidos.                     
 
   Estão compreendidos os processos de planejamento, implementação e controle do fluxo e armazenagem eficientes de matérias-primas, estoque em processo, produto acabado e  informações relacionadas, desde o ponto de origem até o ponto de consumo, com o objetivo de atender aos requisitos do cliente. Em um contexto industrial, pode ser definida como a arte e a ciência de administração e engenharia para obter, produzir e distribuir materiais e produtos a um local específico e em quantidades específicas.                 
 
   Como não poderia deixar de ser, a abordagem desta matéria está voltada para o setor de sementes. Seu conteúdo está baseado na experiência de importantes profissionais do ramo, ouvidos por nossa reportagem: Arlei Roberto Krüger (Sementes Roos), José Francisco Martins (Sementes Agro- Sol), Gloverson Mouro (Syngenta Seeds) e Rui Rosinha (Pró-Sementes).    
                               
   Quanto às ferramentas de gestão mais importantes para uma empresa produtora de  sementes, na opinião de Rui Rosinha, executivo da Fundação Pró-Sementes (especializada em sementes de soja e trigo), além do controle de qualidade, um item bastante significativo é relativo à área de marketing, em que a ferramenta de fundamental importância é o banco de dados da clientela. "É através dele que se pode conhecer muito do perfil do cliente e aí dirigir os esforços no sentido de atender as demandas identificadas", argumenta.                
   Ele acredita que as empresas precisam sair um pouco do que se refere ao aspecto  tecnológico e ingressar também nessa área realmente empresarial. "Estamos muito ligados  às questões de controle de qualidade, testes e tudo o mais, que são indispensáveis, mas,  fundamentalmente, as empresas precisam vender, senão elas param de andar", pondera Rosinha.                
   "No mundo atual, em que a concorrência é cada vez mais forte, os mais ágeis são os que vão vencer, não os mais fortes. O fundamental é a agilidade da empresa em saber conhecer o seu mercado e ter percepção dos movimentos que esse mercado faz. Com a informação mais dinâmica, as mudanças são muito rápidas e às vezes não são acompanhadas pelas empresas", observa o executivo.                
   Questionado sobre o que considera necessário para a empresa pôr em prática essas  ferramentas, Rosinha diz que aposta em um trabalho de recursos humanos capaz de fazer a empresa toda se movimentar na direção de conhecer o mais profundamente possível o  cliente. "São também necessárias ferramentas de gerenciamento informatizadas, porque o  somatório de informações é muito grande, não dá para gerenciar isso na ponta do lápis. Se faz necessário um instrumento de gerenciamento de banco de dados compatível com as necessidades da empresa". Na opinião de Rosinha, o ambiente mais carregado dentro das empresas se origina do conflito de falta de informações. "O importante é que através de um sistema bem conduzido as informações estejam disponíveis para todas as pessoas", enfatiza.                
   A capacitação de pessoal é também um aspecto imprescindível, começando pelo nível  de escolaridade, no mínimo ensino médio. Segundo Rosinha, mesmo que se possa encontrar algum virtuoso, o ideal é que o nível de escolaridade seja, no mínimo, o ensino médio. "Não se pode ficar tocando de ouvido, é preciso tocar por música!", resume. O trabalho deve resultar de um planejamento estratégico a médio prazo, desenvolvido de forma contínua, o que também atenua os custos dos investimentos.       
           
    Colheita e armazenagem                
   Nas linhas a seguir, procuraremos levantar o que está envolvido na logística desses  processos. Na verdade, tudo pode ser resumido em duas palavras, que constituem alvos  permanentes: agilidade e eficiência. Vejamos, inicialmente, a experiência da empresa Roos Sementes, que a cada safra recebe em torno de 500 mil sacos de sementes, de 20 cultivares  de soja. Tudo isso concentrado em um único mês. Depois de processada, essa produção equivale a cerca de 20 toneladas.                   
    Nossa indagação inicial:               
    O que é feito para que esse grande volume de produção não seja misturado e para  que os caminhões não fiquem horas esperando na lavoura? Quem responde é o executivo Arlei Roberto Krüger: "Basicamente, a condução desse processo inicia na época de semeadura, com a escolha das cultivares, onde já se faz um planejamento por agricultor, ou por fazenda, para que determinada variedade, mesmo vindo de fazendas ou de agricultores diferentes, chegue no mesmo período dentro da empresa. Então são direcionadas inicialmente as variedades precoces e, na sequência, as médias e tardias. Ou seja, busca-se concentrar o recebimento de cada variedade dentro do período mais curto possível. Esse é um planejamento que fazemos desde a época de semeadura - muitas vezes, dependendo do clima, a execução não é tão fácil, mas é uma ação adotada para amenizar a espera para descarga".                 
    Segundo Krüger, podem entrar num dia até 30 mil sacos de semente na UBS, o que  corresponde a cerca de 80 caminhões/dia, o que exige uma estrutura muito boa de armazéns e uma grande capacidade de descarga. Os veículos do tipo caçamba são todos contratados para o serviço. A carga é acompanhada de nota fiscal.   
     Ao chegar na balança, são aferidos umidade, impureza, mistura varietal e invasoras. Tudo na hora e por amostragem e já se faz também uma simulação de quebra. Todos esses registros são feitos com a ajuda de um software, um sistema integrado que está em permanente processo de atualização. "Já no laboratório, ao se fazer as análises, o sistema é alimentado com as informações. O programa mostra o saldo disponível para venda. Em cima desse saldo é que se controla o estoque de vendas. O software integra todos os dados", observa o executivo.                 
    Outra questão: Como é feita a comunicação da UBS com o cooperado, para autorizar que ele inicie a colheita? Krüger explica que existem diversas vistorias durante o ciclo produtivo, dando a assistência técnica necessária, sendo que na pré-colheita o cooperante solicita à empresa autorização para dar início à colheita. "A liberação é feita e o pessoal do armazém já fica preparado para receber determinada variedade de determinado cooperado. Já se deixa tudo pronto, nenhuma carga chega de surpresa".                  
    Para a Agro-Sol, empresa que trabalha com uma média de dez variedades de soja, em que o número de sacos colhidos atinge a média de 250 mil, correspondendo a cerca de 400  caminhões de 27 toneladas - produção recebida dentro do período de 60 dias -, a fórmula para  evitar a mistura de materiais no campo é também a semeadura escalonada, indo de  variedades precoces até as médias e tardias, que posteriormente são colhidas na mesma  ordem. "A capacidade de semeadura da empresa é de 200 ha/dia, o que exige uma capacidade  de colheita correspondente", observa José Francisco Martins. Segundo ele, a UBS deve  estar preparada para receber os materiais, de forma a evitar misturas - silos separados,  correias transportadoras e moegas individualizadas.                
    "As linhas de beneficiamento também são separadas: limpeza, padronizadores, espirais individualizadas por materiais, até o processo de ensaque. A partir daí, os materiais começam a ser individualizados pelo número de lote e por peneiras, eliminando a possibilidade de mistura", explica.                
     Em cada ponto de colheita há um funcionário responsável, que administra o funcionamento das máquinas e direciona a colocação nos caminhões. No bloco de autorização de colheita constam a máquina que está colhendo, o talhão que está sendo colhido, o número do campo, a variedade, a data de colheita, a hora de partida do caminhão, a placa e o nome do  motorista. Segundo Martins, não se trata de uma nota fiscal, e sim de um romaneio. "O motorista chega na moega e entrega para o operador da balança. Todos os dados que  estão contidos no formulário fazem parte do programa de gerenciamento, um software adaptado às necessidades da empresa. As informações geram anualmente um banco  de dados de toda a safra. Desde a semeadura, é possível rastrear o produto, por lote. Até o  descarregamento na moega, o romaneio continua em aberto; só será fechado na hora em que forem aferidas a umidade, a impureza e a tara do caminhão. O romaneio só será liberado no computador, na hora em que o caminhão sair do pátio", descreve o executivo da Agro-Sol.                 
    Na experiência da Syngenta, que produz anualmente em torno de 1.300.000 sacos de  sementes de milho (cerca de 14 híbridos) processados nos períodos da safra e safrinha, o  esforço para preservar a identidade dos materiais, evitando misturas em nível de campo e nos armazéns envolve um trabalho enorme. No relato de Gloverson Mouro, primeiramente há um  trabalho de isolamento dos campos, sendo que estes devem ser colhidos individualmente e  processados nas UBSs de forma individual.                 
    Segundo ele, existe uma perfeita coordenação entre colheita, transporte e recepção, só havendo esperas para o carregamento, no caso de períodos prolongados de mau tempo. "Como toda a movimentação de produto, ele vem acompanhado de toda a parte fiscal  necessária. Evidentemente, é preciso lembrar que existem também os aspectos legais do  próprio campo - dependendo da categoria da semente, existe inspeção oficial; existe a  inspeção interna e o controle de qualidade da própria empresa", descreve Mouro.
                        
     “São necessárias ferramentas de gerenciamento informatizadas, porque o  somatório de informações é muito grande, não dá para gerenciar isso na ponta do lápis.”
                   
     Quanto ao sistema de aferição de qualidade ao chegar na balança, normalmente se faz uso das chamadas fórmulas técnicas, a partir de uma amostra em que são avaliados todos os  componentes - palha, sabugo, grão podre... "Também é aferida a umidade e se fazem os  descontos cabíveis - e aí se tem o volume de grão", observa o executivo da Syngenta.
     Dependendo do grau de detalhe e do tipo de informação, o registro desses dados pode ser  feito através de sistemas centrais ou através de planilhas, tudo informatizado. Sobre a forma de comunicação da UBS com o cooperado para deflagrar o início da colheita, Gloverson Mouro explica que em cada região há um responsável técnico e a ele é dada a instrução de autorizar a colheita. "Então toda a operação é disparada - equipamento, colhedora, caminhões, etc. E a UBS fica preparada para receber", relata.     
             
    Distribuição                
   Na Syngenta, o período de distribuição - vendas para a safra - sofre variações em função da região, iniciando normalmente em junho e podendo estender-se até novembro, na região central. Para a safrinha, a comercialização vai de dezembro a fevereiro, às vezes entrando em março. A distribuição é feita com base em processos de organização do estoque e de conferência bastante eficientes. As cargas são acompanhadas de nota fiscal e de todos os  documentos legais, que envolvem qualidade, validade, entre outros itens.                
    Diversas ferramentas de gestão são utilizadas pela empresa, sendo que a ISO  9001 encontra-se em fase de implantação. Segundo Mouro, o sistema de distribuição é desenhado para evitar erros. "O máximo que poderia ocorrer seria uma inversão de tamanho, de peneira", pondera. Acerca da possibilidade de distribuir as sementes a granel, sistema adotado pela Syngenta em outros países, o empresário considera algo interessante, mas afirma que no Brasil ainda não se tornou possível. "Estamos agora cogitando a possibilidade de enviar o produto em palets (grupo de 50 sacos de grande capacidade, formando um cubo), mas é preciso ver se o mercado aceita isso", observa.                
    A Syngenta tem em torno de 240 pessoas envolvidas na parte de supply (pesquisa de  produção, semente pré-básica, semente básica, produção, armazenamento e distribuição). Apenas na parte de armazenamento e distribuição, são cerca de 30 pessoas.                
    Na Agro-Sol, a distribuição da semente para o agricultor, começa na segunda quinzena de setembro e se estende até a primeira semana de dezembro. O trabalho é feito com base nos pedidos inseridos no programa pelo departamento comercial antes de setembro. O carregamento prevê o destino, número de variedades ou até mesmo número de fazendas em que o material deve ser descarregado. Se houver fracionamento, o material das fazendas  mais próximas é colocado por último (há casos em que o produtor tem mais de uma fazenda  e em muitas vezes o frete é conjunto – vários produtores se unem e pagam só um frete).  Mesmo assim, a separação por lotes evita a possibilidade de ocorrer mistura.                
    A capacidade de carregamento diária gira em torno de dez carretas - isso com apenas uma equipe. A semente é vendida sobre rodas, dentro da UBS. Sai dentro da sementeira,  ensacada em sacos de 40kg. "Começo a colher hoje o material, e depois de amanhã ele já  está armazenado e ensacado, com seu bloco individualizado, cada lote em torno de 300  sacos. Nosso dever é entregar a semente com lotes completamente identificados e  separados", detalha José Francisco Martins.               
    A carga é acompanhada de nota fiscal, atestado de garantia do produto e um relato  de informações sobre o controle de qualidade - peso de mil sementes, último teste de canteiro  realizado, recomendações de semeadura e a descrição do material, se é precoce, tardio, se  existe a presença de alguma doença, fungo ou nematóide.

    
    As áreas de recepção, beneficiamento e distribuição das empresas de sementes necessitam de processos ágeis e eficientes  

    José Francisco enfatiza que desde a semeadura já é preciso existir a consciência de que se está fazendo um campo de sementes, em que vários quesitos precisam ser obedecidos, principalmente no sentido de evitar misturas. A preocupação deve seguir durante a colheita. "Geralmente, o pessoal que planta é o mesmo que colhe, já sabe o que foi feito. Isso é muito bom, porque na hora de colher eles estão preocupados com o resultado. Se a lavoura foi bem plantada, a colheita, consequentemente, será boa", argumenta, lembrando que com o advento dos transgênicos, cada vez mais, na gestão da colheita ao beneficiamento, os cuidados têm de ser redobrados, para evitar misturas. O número de pessoas envolvidas na logística, na Agro-Sol, fica em torno de 50, na época da colheita. No período do transporte, o número gira em torno de 20 pessoas.           Na Sementes Roos, a distribuição dos mais de 400 mil sacos comercializados se dá em 40 dias, próximo a semeadura, que é sempre nos meses de setembro e outubro. O produto é vendido para os estados do RS, SC, PR, MS, SP, e para o Paraguai. "O controle de estoque deve ser minucioso, pois na verdade as 20 variedades com que trabalhamos se transformam em 40, porque existem dois tipos de peneira. E além disso têm a semente fiscalizada e a certificada. Então, o número cresce para 50, 60 itens. E ainda há as diferenças de lotes. É necessário que se tenha um software muito bom para controlar tudo isso. Cada carga se faz acompanhar da nota fiscal, do boletim de análise e do atestado de garantia, lote por lote, e ainda do atestado de não transgenia.                
    A empresa tem na ISSO 9001 uma das principais ferramentas de gestão, o que se reflete principalmente no treinamento de pessoal, submetido a constante reciclagem. Além disso, investe bastante na tecnologia de softwares, disponibilizando um banco de dados, que reúne todo o tipo de informações.   
    Segundo Arlei Krüger, toda a semente é vendida em sacos de 40kg. Alternativas como  embalagens big bag (sacos de 500 a 1000kg) ainda são incompatíveis com as peculiaridades do mercado. A distribuição do produto a granel é descartada por vários motivos, entre eles a  diversidade do porte dos clientes. Na Roos, o número de pessoas envolvidas na logística supera a 80, entre comercialização, laboratório e carregamento.                   
    Resumo               
    As empresas de sementes requerem cada vez mais ferramentas de gestão para melhor atenderem seus clientes e manterem-se no negócio. Entre as ferramentas destacam-se boas  bases de dados sobre os clientes e históricos de produção, as quais são essenciais como apoio para tomada de decisões, softwares específicos para agilização de processos, treinamento de pessoal e atitude proativa. Atualmente, as anotações na ponta do lápis são insuficientes.
 
 

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