Desuniformidade de maturação de sementes

Edição XVIII | 02 - Mar . 2014
Silmar Teichert Peske-silmar@seednews.inf.br
Francisco Amaral Villela-francisco.villela@ufpel.edu.br
              No processo de formação das sementes em uma planta é possível observar-se, visualmente, que algumas sementes estão praticamente maduras, enquanto outras estão nos estádios iniciais de enchimento. Este fenômeno é bom para a preservação da espécie, pois evita que todas as sementes sejam afetadas por uma determinada adversidade, entretanto apresenta inconvenientes para a produção de sementes e grãos. Essa desuniformidade de maturação ocorre entre plantas dentro de uma população, assim como entre sementes dentro de uma mesma planta, conforme vários trabalhos publicados.


              Soja 
            Em trabalhos para verificar a amplitude da desuniformidade de maturação em soja, dentro de uma mesma planta, foram verificadas diferenças bastante acentuadas conforme o estádio de maturação da planta. Assim, coletando individualmente  sementes de plantas no mesmo estádio de maturação, num período de duas semanas, foi constatado, na primeira colheita, que havia sementes com umidade desde 45% a 72%. Este resultado evidencia que já na primeira colheita existia pelo menos uma semente de soja que havia alcançado a maturidade fisiológica e estava aguardando para ser colhida (ver tabela no texto). A semente de soja atinge o ponto de maturidade fisiológica com umidade de 50%, estádio em que as sementes apresentam máxima massa de matéria seca, coincidentemente, máxima qualidade fisiológica.
         Neste mesmo trabalho, colhendo as sementes quatro dias depois, a variação da umidade era de 23 a 58%, significando que havia sementes que não tinham alcançado a maturidade fisiológica. Entretanto, na colheita realizada 10 dias após a primeira, as sementes apresentavam um intervalo menor de umidade, variando de 12,5 a 29,2% e  uma média de 19,2%. Este resultado indica que havia sementes que estavam aguardando a colheita e em equilíbrio com a umidade relativa do ar ambiente, enquanto outras estavam ainda perdendo água no processo de secagem natural no campo. Este estádio tem sido o momento recomendado para começar a colheita de sementes de soja porque há reduzida quantidade de semente deteriorada no campo, bem como semente ainda“verde”.
          A variação de umidade, comentada anteriormente, ocorre dentro de uma mesma planta e, sabendo que a umidade também varia entre plantas dentro de uma população, a grandeza da variação de umidade entre as sementes dentro de um lote é bastante grande, sendo possível visualizar sementes de soja com tonalidade verde por imaturidade (com umidade acima de 50%) e semente seca, com tegumento danificado na operação de colheita, indicando umidade inferior a 13% (foto ao lado).

                   

         Em função do padrão de umidade no processo de maturação das sementes descrito anteriormente, pode-se considerar que a não visualização de semente com alta umidade (verdes) no meio do lote que está sendo colhido é sinal de que muitas sementes permaneceram muito tempo no campo aguardando que todas atingissem teores de água de 12 a 13%. Assim, caso tenha ocorrido chuva ou acentuada formação de orvalho, o lote de sementes provavelmente não terá elevada qualidade. Por outro lado, a existência de sementes “verdes”, num percentual de até 2 a 3%, significa que a deterioração de campo é mínima. Essas sementes “verdes” podem ser separadas na operação de pré-limpeza por serem bem maiores do que as demais sementes. Por outro lado, as sementes deterioradas, que permaneceram por período desnecessário no campo, mantêm o mesmo tamanho, sendo praticamente impossível sua separação nas operações de beneficiamento.
            As sementes são higroscópicas, ou seja, perdem ou ganham umidade em função da umidade relativa do ar (UR). Assim, em ambientes com temperaturas médias de 20 a 25ºC e UR ao redor de 60%, as sementes de soja entram em equilíbrio higroscópico com umidade de 11-12% (em razão do aumento da UR durante a noite), situação verificada na maioria dos locais de produção de sementes de soja. Entretanto, há regiões cuja UR é bastante baixa, em certos períodos do ano, situando-se entre 20-30%. Neste caso, as sementes de soja entrarão em equilíbrio higroscópico com umidade ao redor de 8%, mesmo com a elevação da UR durante a noite. Esta tendência também apresenta inconvenientes para a produção de sementes, pois sementes excessivamente secas são altamente suscetíveis ao dano mecânico. Vale ressaltar que tegumento danificado é indicativo de semente morta em pouco tempo.


            Outro aspecto referente à umidade das sementes que requer especial atenção é o fato de a determinação da umidade expressar a média da umidade das sementes dentro do lote. Assim, num lote de sementes com umidade de 13% haverá sementes com umidade desde 10-11% até 18-19%. Isto significa que as sementes com umidade acima de 13% apresentarão elevada atividade metabólica, que somada à ação de microorganismos, principalmente fungos, afetará negativamente a qualidade da semente.
          Ainda sobre deterioração de campo em soja, vale destacar o trabalho desenvolvido por um aluno de mestrado e, posteriormente, ratificado em vários países, que consistiu em determinar as variações de umidade da semente de soja durante o dia. Para isso, foi necessária a marcação de mais de 4.000 flores, para que todas as sementes tivessem a mesma idade, e realizar a colheita, diariamente, às 8h30min e às 16h30min, ou seja duas colheitas diárias, durante três semanas. Os resultados indicaram uma flutuação de umidade de até cinco pontos percentuais por dia durante as três semanas, o que é uma enormidade. O seguimento da avaliação da qualidade fisiológica destas sementes mostrou que após a sexta flutuação, as sementes começavam a apresentar redução da qualidade fisiológica. Neste sentido, observar uma semente de soja enrugada na face oposta ao hilo (nesta região não há um tipo de célula no tegumento que atua como um colchão chamado de osteoesclerídeo) é indicativo que a semente permaneceu muito tempo no campo, e provavelmente o lote já esteja com a qualidade comprometida. 

             Os resultados alcançados indicam que o início da colheita de sementes de soja deve ocorrer no estádio em que as sementes atingem a umidade de 19 a 18%, sendo, portanto, imperativo o emprego de secagem artificial para reduzir a umidade das sementes para 12 a 13%. Assim procedendo, ter-se-á colheita antecipada de sementes de qualidade superior, no momento oportuno. Recomenda-se que na produção de sementes de soja de alta qualidade seja realizada a secagem artificial de 40 a 60% da produção, dependendo das condições climáticas da região de produção.


             Arroz
            No caso de arroz, a desuniformidade de maturação pode ser observada facilmente numa panícula, que possui ao redor de 150 sementes conforme a variedade. A maturação ocorre do ápice da panícula para a base, cuja diferença de umidade entre as sementes pode alcançar 10 pontos percentuais, ou seja, se as sementes localizadas no ápice estiverem com umidade de 16%, as da base poderão estar ainda com 26%. Esta diferença de umidade é verificada apenas dentro de uma panícula. Entretanto, o arroz apresenta perfilhos, emitidos em momentos diferentes, e, portanto, essa diferença é ainda maior. Além disso, ocorrem diferenças entre plantas numa mesma população.
            As sementes de arroz, à semelhança de outras espécies, são higroscópicas; desta forma perdem e ganham água conforme a umidade do ar. Assim, as sementes de arroz com 14-15%, absorvendo e perdendo umidade durante alguns dias, podem apresentar fissuras que irão afetar o rendimento de grãos inteiros, podendo causar aumento na percentagem de grãos quebrados. Outro aspecto é que o arroz pode germinar na panícula. Caso ocorra chuva intensa, as sementes poderão absorver água e atingirem a umidade de 30%. Então, dependendo da temperatura e da ocorrência de dormência, as sementes poderão germinar na panícula.
           Por estas razões, recomenda-se a colheita de arroz quando a umidade média estiver entre 20 e 24%, dependendo da variedade. Esta recomendação técnica é indicada tanto para grão como para semente, devido à deterioração de campo. Portanto, em arroz, a secagem artificial é necessária em 100% da produção.
           A recomendação da colheita de arroz com alta umidade é tão importante que, em alguns países, cuja produção de sementes é realizada com cooperantes, não se faz o ajuste da umidade para 13%, ou seja, o cooperante que entregar a semente com 24% de umidade terá um mesmo valor por tonelada do que outro que entregá-la com 20% ou menos. Normalmente, desconta-se o excesso de umidade, que no caso seria ajustar de 24% ou 20% para 13%. Vale ressaltar que, em geral, quanto maior é a umidade de colheita das sementes, maior será a sua qualidade.



           Milho 
         Em relação às sementes de milho a desuniformidade de maturação também ocorre, podendo ser visualizada pela formação da camada negra na base das sementes ou pela linha do leite no meio da semente. A camada negra indica que a semente alcançou o ponto de maturidade fisiológica, visto que cessou a translocação de fotoassimilados, enquanto a existência da linha do leite mostra que o processo de translocação ainda está transcorrendo, portanto a semente está na fase de enchimento. 
           Em trabalho com diferentes híbridos de milho, com marcação de espigas no mesmo estádio de maturação, foi possível constatar que, mesmo com umidade média acima de 40%, havia sementes que já apresentavam a camada negra. Num dos híbridos a média da umidade das sementes atingiu 44% e não havia sementes com camada negra, entretanto, com umidade de 40% (quatro dias após), o lote de sementes já apresentava 33% das sementes com camada negra, e na umidade de 31% (oito dias após), todas as sementes tinham alcançado o ponto de maturidade fisiológica. Como pode ser observado, no campo a redução de umidade das sementes de milho em espiga é lenta, variando, conforme o material, de 0,5 a 1,0 ponto percentual por dia, dependendo das condições ambientais prevalecentes (umidade relativa do ar, intensidade do vento, ...). Por outro lado, num intervalo de colheita de 12 dias, todas as sementes alcançaram o ponto de maturidade fisiológica.




          As sementes de milho alcançam o ponto de maturidade fisiológica com umidade ao redor de 35%, entretanto as sementes apresentam uma desuniformidade de maturação, razão pela qual é recomendável realizar colheita com umidade entre 28 e 32% (esta amplitude é devida às variações entre materiais genéticos). Este procedimento é seguido pela grande maioria das empresas produtoras de sementes que realizam a colheita de milho em espiga para minimizar a danificação da semente na debulha. Esta tecnologia alcançou tanto sucesso que estas empresas de sementes de milho colocam no mercado somente lotes de sementes com germinação acima de 95% .
          O procedimento de colher as sementes de milho em espiga com alto grau de umidade, próximo à maturidade fisiológica, também possibilitou que houvesse o aproveitamento das sementes “redondas” posicionadas nas extremidades da espiga, cujo percentual é normalmente superior a 20%. Caso as sementes permanecessem no campo e a colheita fosse realizada ao atingirem a umidade de 22 a 18%, as sementes das extremidades da espiga apresentariam problemas de qualidade, por excesso de umidade, visto que as da base acumulam água proveniente da chuva, enquanto as do ápice são expostas a grandes flutuações de umidade e ao ataque de microorganismos e insetos. A colheita de milho em espiga com alta umidade propicia que todas as sementes da espiga apresentem a mesma qualidade.



            Forrageiras e hortaliças
            No caso de espécies forrageiras, a ocorrência da desuniformidade também é muito acentuada; entretanto, como a quantidade de semente por planta é bem maior e é difícil fazer a separação das sementes de diferentes estádios de maturação, a colheita é realizada numa única vez, como é o caso de azevém e trevo branco. A umidade média dessas sementes é altíssima, pois se deve realizar a colheita na fase em que algumas sementes ainda estão no estado leitoso. Neste caso, uma adequada pré-limpeza é fundamental para facilitar a operação de secagem. No sul do Brasil, o azevém é colhido empregando colhedoras automotrizes, apresentando as sementes umidade média entre 28-35% e realizando a secagem artificial tão logo seja possível. Caso não se realize a colheita com alta umidade, as perdas por degrane natural são altíssimas. Por exemplo, na colheita de sementes com umidade de 13%, a produtividade da semente de azevém atinge, muitas vezes, apenas 150kg/ha, enquanto com umidade entre 28-35%, a produtividade pode alcançar 800kg/ha. 
            No caso de muitas espécies de hortaliças, a desuniformidade de maturação é tal que a colheita de sementes é realizada manualmente de forma escalonada, sendo a entrada na lavoura para realizar a colheita variável de 3 a 5 vezes, para colher as sementes que atingiram o ponto de maturidade fisiológica. Em cenoura, por exemplo, a primeira colheita é realizada para a coleta das umbelas primárias, enquanto a segunda é para as umbelas secundárias e pode ser necessária mais uma vez para a colheita de algumas umbelas secundárias e terciárias. Em hortaliças de frutos carnosos, a colheita deve ser realizada em diversas oportunidades, pelo fato de apresentarem acentuada desuniformidade nos estádios de maturação dos frutos, devido ao crescimento indeterminado e ao florescimento contínuo. Assim sendo, procede-se a coleta de frutos, deixando-os em um período de repouso pós-colheita, por tempo variável, conforme a espécie e cultivar, para completar a maturação. Posteriormente, realiza-se a extração das sementes.

                 



           Colheita
         Em função da desuniformidade de maturação das sementes, a colheita no momento propício é essencial, tanto para evitar a deterioração de campo como para minimizar os danos mecânicos. No caso de milho, há consenso de que para a obtenção de sementes de alta qualidade fisiológica é necessário proceder a colheita das sementes em espiga ainda com umidade entre 28-32%. Para isso, inclusive, houve necessidade do desenvolvimento de secadores especiais para manusear as sementes em espiga. Para arroz a situação é similar, porque deve-se colher as sementes com umidade de 20 a 24% e realizar a secagem artificial empregando, geralmente, secadores intermitentes, que podem reduzir a umidade das sementes de 22% para 13% num período de 6 a 8 horas.
           No caso de soja, tem-se a acentuada deterioração de campo em algumas regiões e a elevada danificação mecânica em outras, as duas sendo importantes e cujos efeitos prejudiciais podem ser minimizados pela colheita no momento certo. Para minimizar a deterioração de campo é recomendável iniciar a colheita assim que a umidade estiver em 18-19%. Entretanto, caso se tenha absoluta certeza de que não irá chover, este procedimento pode ser alterado. Neste sentido, a confiabilidade nas previsões climáticas tem aumentado. Em relação ao dano mecânico, a recomendação é proceder a colheita das sementes com umidade não inferior a 12-13%, o que pode ser viabilizado no começo da colheita ou ao utilizar somente a parte da manhã, momento em que a umidade das sementes está maior do que no período da tarde.  
           A dificuldade reside na determinação do momento mais adequado para realizar a colheita mecânica para sementes de espécies forrageiras e diversas hortaliças, pois a desuniformidade de maturação é acentuada. Entretanto, para sementes de espécies forrageiras pode-se recomendar que a colheita seja realizada ao verificar que a lavoura ainda apresenta algumas sementes “verdes” (aproximadamente 10%), pois assim haverá certeza  que o lote de sementes terá poucas sementes deterioradas. 


            Secagem
           Conforme comentado anteriormente, a secagem para sementes de milho, arroz, azevém, algumas espécies forrageiras e hortaliças é procedimento padrão para a obtenção de sementes de alta qualidade, em quantidade. Entretanto, para outras espécies, como soja, ainda é um tabu para algumas empresas produtoras de sementes. 
A secagem é operação que possibilita preservar o potencial de armazenamento das sementes, minimizando a deterioração de campo e, em alguns casos, também a possibilidade de reduzir a danificação mecânica. 
Sementes que passaram pela secagem artificial, em geral, foram colhidas no momento adequado e, provavelmente, com alta qualidade fisiológica, possuindo assim alta probabilidade de chegarem aos agricultores ainda com sua qualidade assegurada. 



            Dessecação
            A desuniformidade de maturação muitas vezes torna necessária a dessecação, indicada quando a umidade das sementes estiver alguns pontos percentuais abaixo do ponto de maturidade fisiológica; caso contrário irá interromper o processo de translocação, impedindo o adequado enchimento de muitas sementes e com isso levando à perda de peso.
            No Brasil, nas culturas da soja e do trigo, dependendo da necessidade de antecipação de colheita, é realizada a dessecação, sendo a umidade média das sementes ao redor de 40%, na soja, e de 30%, no trigo.    



           "Em sementes de milho, arroz, muitas espécies forrageiras e hortaliças, 100% da produção é submetida à secagem artificial. Entretanto, em outras espécies como soja e trigo, a necessidade de secagem pode atingir geralmente 40 a 60% da produção, principalmente em razão dos avanços alcançados na previsão do tempo. Quem seca artificialmente a semente terá qualidade e quantidade. Por outro lado, quem não seca artificialmente a semente pode ter semente de qualidade, porém a quantidade estará comprometida.
Espera-se ter ficado claro que a desuniformidade de maturação pode ser  minimizada procedendo a colheita no momento oportuno e, subsequentemente, executando secagem ou aeração."

            Trabalho baseado nas teses de: Elton Hamer, Rodrigo Soares, Elias Jacob Junior, Guilherme Fiss e Dirk Arhens
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