Ecologia sementeira III

Sementes e Plantas Daninhas

Edição X | 03 - Mai . 2006
James Delouche-JCDelouche@aol.com
   O arroz é uma das maiores fontes alimentares básicas do mundo. Os ecossistemas nos quais ele é cultivado estão, certamente, entre os mais complexos e diversos na agricultura. Há mais de 20 espécies de Oryza, entretanto apenas duas são cultivadas: Oryza sativa, a espécie asiática e mais importante, e O. glaberrima, a espécie africana que começou a ser substituída por O. sativa, com sua introdução na África cerca de 450 anos atrás.                     
    É interessante observar que os tipos de arroz asiático e africano foram cruzados com sucesso nos anos 90, para produzir um “novo arroz para a África” chamado Nerica, que afirma combinar os traços bons das duas espécies. A tremenda variabilidade no arroz, especialmente no O. sativa, permitiu o desenvolvimento dos tipos para cultivo numa maior diversidade de ecossistemas do que qualquer outra lavoura.                 
   O arroz é cultivado desde áreas tropicais úmidas, como Java, até áreas temperadas,  como a Coréia do Norte. Ele é cultivado em áreas altas, abastecidas de água da chuva quando não há alagamento, áreas baixas abastecidas de água pela chuva com algum alagamento periódico, em áreas abastecidas de água pela chuva e irrigadas, em águas profundas  (50 - 100 cm) e como arroz flutuante em águas muito profundas (>5m). A diversidade  ecológica do arroz é acompanhada por uma diversidade nos métodos usados para  estabelecer a lavoura.                 
    O arroz cultivado em áreas altas, abastecidas de água pela chuva é estabelecido por semeadura. A lavoura de arroz asiático, em enormes áreas baixas abastecidas de água pela chuva e por irrigação tradicionalmente se estabelece no solo “pantanoso” por meio do transplante de mudas produzidas em sementeiras especiais. A cultura do transplante de arroz tem uma mão-de-obra intensa e está sendo lentamente substituída pela mecanização em algumas áreas. As culturas de arroz em escala maior, mecanizadas e comerciais, nas Américas, Austrália e nas áreas Mediterrâneas, são estabelecidas por semeadura.      
           
    Arroz e plantas daninhas                   
   O transplante para o sistema de solo pantanoso na cultura do arroz foi, indubitavelmente, desenvolvido e amplamente adotado há milhares de anos para facilitar o  controle das plantas daninhas. De fato, ele foi muito eficaz na minimização do estabelecimento de um grupo de invasoras bastante problemáticas, o arroz vermelho. Este arroz possui vários tipos e são assim chamados por apresentarem os grãos com uma cobertura ou pericarpo vermelho. Eles são invasoras importantes nos campos de arroz, pela dificuldade de controle uma vez que são de espécies que impedem o uso de herbicidas seletivos.                 
   Os eco tipos de arroz vermelho são essencialmente variedades ou raças de arroz  que têm grande êxito como plantas daninhas por várias razões. Primeiro, eles possuem a  maioria das características e traços que contribuem para o sucesso das plantas daninhas, como uma excelente adaptação às práticas agrícolas e condições ecológicas favorecidas para a lavoura que infestam, um ciclo de vida bastante sincronizado com o da lavoura, produção abundante de sementes, degrane fácil e precoce da semente, dormência da semente, alto vigor da semente e crescimento competitivo.                       
   Em segundo lugar, o arroz vermelho possui alguns traços especiais ou únicos que derivam de sua relação com o arroz cultivado. Estes incluem a hibridização com arroz cultivado, resultando num aglomerado de segregados, dos quais eco tipos novos e melhor adaptados são naturalmente selecionados, bem como sementes e plantas novas que são difíceis de distinguir do arroz cultivado, e o pericarpo vermelho que amplia as perdas do rendimento no campo até a qualidade reduzida e descontos no engenho.                       
   Estas características compartilhadas e os traços únicos do arroz vermelho permitem que ele explore a variada ecologia. Enquanto todos os traços e características contribuem para a complexidade e severidade do problema do arroz vermelho na cultura de arroz por semeadura direta, quatro deles são críticos para o estabelecimento e a continuidade do arroz vermelho como invasora. A ausência de qualquer um destes traços tornaria o arroz vermelho uma invasora de menor importância, enquanto a ausência de quaisquer dois dos traços  críticos as reduziria ao status de plantas daninhas voluntárias no arroz cultivado. Os quatro traços críticos, três dos quais estão relacionados à ecologia da semente, são: diversidade e  mutabilidade das populações de arroz vermelho resultantes do cruzamento natural com  variedades cultivadas, amplo e fácil degrane das sementes, dormência da semente intensa, porém variável, e vigor superior da semente e da muda.                   
   O cruzamento com variedades cultivadas e a resultante seleção natural produzem mudanças nas populações de arroz vermelho, que acompanham as mudanças no tipo de  variedades cultivadas, por exemplo, desenvolvimento de variedades semi-anãs. O amplo e fácil degrane das sementes assegura que a maioria das sementes de arroz vermelho será dispersa pelo campo, ao invés de removida com o grão colhido. A dormência da semente intensa, porém variável, assegura que a maioria das sementes de arroz vermelho não germinará  precocemente, e produzirá plântulas que sucumbirão às condições adversas durante o  intervalo entre as plantações de arroz, porém permanecerão dormentes e germinarão somente quando a dormência for liberada, tão logo as condições tornem-se favoráveis à produção de arroz novamente. Sementes dormentes que estão enterradas profundamente durante a preparação do solo para semeadura são depositadas no “banco de sementes do solo” onde a dormência e a viabilidade são mantidas até as sementes serem trazidas a uma  profundidade de emergência durante o cultivo nos anos subsequentes.                  
   Muitas estratégias são empregadas para gerenciar e controlar as infestações de arroz  vermelho. A melhor estratégia é prevenir as infestações, porém quando elas já estão  presentes, a rotação com uma outra cultura, como a soja - a fim de permitir o uso de  herbicidas para matar o arroz vermelho e diminuir o banco de sementes do solo - tem  sido muito eficaz. Atualmente, o foco e interesses principais estão sobre as variedades  resistentes a herbicidas, transgênicas e não transgênicas. Esta estratégia de controle,  entretanto, está sendo cautelosamente explorada, devido ao risco amplamente reconhecido e apreciado do desenvolvimento de arroz vermelho resistente a herbicidas.
                   
    Uma Espécie Anual de Inverno                     
 
 Algumas das informações mais interessantes e úteis sobre a ecologia das sementes têm sido obtidas a partir de estudos de espécies anuais, de plantas daninhas e selvagens, das  quais o arroz vermelho anual de verão é um bom exemplo. A espécie anual de verão tem  de sobreviver às baixas temperaturas do inverno que são letais para as plântulas emergentes. E o que dizer sobre as espécies anuais do inverno? Elas germinam e emergem no outono,  sobrevivem no inverno em estágio vegetativo, florescem e produzem sementes na primavera. Por que as sementes não germinam no fim da primavera ou no verão, como as anuais de verão? Muitos anos atrás, quando o fito hormônio estava recém sendo introduzido, despercebidamente nos envolvemos com o exame destas questões quanto a Plantago aristata, uma das mais obscuras espécies de plantas daninhas anuais de inverno da família Plantago. Estávamos pesquisando os efeitos da giberelina sobre a dormência numa ampla faixa de espécies e descobrimos que ela liberava a dormência da semente de P. aristata no escuro a 15 - 20°C e a 30°C no escuro ou na luz. Nossa curiosidade foi despertada de tal maneira que fizemos outros estudos para tentar determinar por que P. aristata era uma invasora anual de inverno. As sementes amadurecem e degranam da cápsula no fim de maio, início de junho (hemisfério norte). Elas são dormentes e sensíveis à temperatura e à luz, germinam na luz sob temperaturas ao redor de 20°C ou um pouco menos, mas não no escuro.  A 30°C ou mais, que é a temperatura ambiente na época da abertura das sementes, elas não germinam na luz nem no escuro. Assim, na natureza, elas permanecem dormentes até a temperatura cair abaixo de 25°C no fim do verão ou início do outono. Então, aquelas que estão na superfície do solo ou próximas dela, e assim expostas à luz, germinam tão logo a umidade seja adequada, mas aquelas enterradas e excluídas da luz permanecem dormentes e fazem o banco de sementes de P. aristata no solo.                 
    Tentamos induzir a germinação em sementes a 5 - 10 mm de profundidade no solo a 30°C ou mais, pulverizando as sementes com uma solução de giberelina antes de cobri-las e  encharcá-las com uma solução de giberelina após cobrir com solo. A pulverização de giberelina sobre as sementes antes de cobri-las com solo induziu cerca de 20% da germinação, enquanto encharcá-las após cobri-las produziu apenas cerca de 10% de germinação. As plântulas produzidas em solo a temperaturas de 30°C ou mais, pareciam ser fracas e estar sob estresse, porém não morreram durante as várias semanas de observação.  

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