No dia 2 de abril deste ano, o presidente dos Estados Unidos da América (EUA), Donald Trump, anunciou seus planos envolvendo tarifas de importação para diversos países no mundo.
Produtos do Brasil poderão enfrentar taxas de apenas 10%, o valor mínimo dentre as 60 nações contempladas, além da União Europeia.
Em relação à China, o país mais afetado pelas tarifas, Trump anunciou um plano de 34% em adição à 20% de taxas já existentes, totalizando 54%. Em resposta, a China anunciou uma taxa inicial de 84% sobre os produtos americanos, subindo novamente para de 125% em retaliação a novos anúncios de aumentos por parte dos EUA, afirmando que não há necessidade de maior elevação porque esta tarifa já inviabiliza massivamente tais importações.
Por fim, em 15 de Abril, os EUA voltaram a elevar as tarifas para produtos da China para 254% sobre o seu preço ao entrarem nos EUA, escalonando ainda mais a tensão comercial entre as duas nações.
Porém, até o momento desta edição, o Presidente Donald Trump congelou tais ações por 90 dias, para discutir acordos com dezenas de países, incluindo uma evolução dos diálogos com a China.
A motivação concreta do Presidente norte americano causa controvérsia e espaço para especulação, partindo da necessidade de reduzir a dívida trilionária do país até a barganha política para levar os líderes mundiais às mesas de negociações. Porém, sabemos que, em todos os casos, as tarifas são recíprocas, pois os EUA já vinham sendo taxados pela maioria dos demais países há décadas.
O Brasil, inclusive, já experimenta esta prática de protecionismo desde sua independência. Em 1844, por exemplo, foi estabelecida a Tarifa “Alves Branco”, que elevou as taxas sobre produtos importados para até 60% em alguns casos, com o objetivo de proteger a incipiente indústria nacional e aumentar a receita do Estado.
No século 20, o Brasil utilizou tarifas sobre produtos importados como parte de suas políticas econômicas, especialmente durante períodos de protecionismo, como as décadas de 1930 a 1980, quando o país buscava fomentar a industrialização e proteger sua economia interna.
Indiferentemente das razões, podemos concordar que nenhuma destas políticas teve sucesso em alcançar seu objetivo inicial de alavancar a indústria nacional, seja de produção de veículos ou de tecnologia de informática.
O livre mercado e a revolução industrial observada nos últimos séculos nos permitiram testemunhar e aprender que não precisamos dominar e atuar sob todos os ramos do mercado para termos sucesso, seja como indivíduos ou como nação.
O grande crescimento da riqueza mundial foi alcançado a partir da especialização de cada um em alguma área. Muitos dos leitores desta revista, por exemplo, são exímios profissionais na produção de sementes, mas não saberiam por onde começar para fabricar um simples prego ou até mesmo um pão. Para isto, dependemos dos especialistas em outras áreas, os quais dominam os métodos para construir o produto de forma mais eficiente o possível.
O mesmo raciocínio é válido para as diferentes nações por todo o mundo. Até então, o Brasil têm sido um exímio produtor de soja, superando todos os desafios edafoclimáticos, como o clima, pragas e doenças. Com isso, a China se empenha em importar volumes expressivos do grão a cada ano, mesmo que seja o país originário da planta de soja. Afinal, o Brasil consegue produzir muito melhor. E, em troca, a China nos oferece outros produtos que consegue produzir com mais eficiência.
Milton Friedman, economista americano que atuou durante o século 20, usou o exemplo da produção de um lápis para ilustrar como a coordenação espontânea entre indivíduos, sem um controle centralizado, resulta em eficiência e inovação. Ele explicou que um simples lápis envolve uma complexa rede de atividades: a madeira vem de árvores cortadas por lenhadores, o grafite é extraído por mineradores, a borracha da ponta é produzida a partir de materiais coletados em diferentes partes do mundo e o metal do anel é fabricado por indústrias especializadas. Tudo isso é reunido por empresas que não precisam conhecer umas às outras, guiadas apenas pelo mecanismo de preços e pela busca por lucro.
Friedman argumentava que ninguém no mundo sabe, sozinho, fazer um lápis do início ao fim. Ainda assim, o mercado livre permite que milhões de pessoas, de diferentes países e culturas, colaborem indiretamente, sem coerção ou planejamento central, para produzi-lo a um custo baixíssimo. Para ele, isso demonstra a "mão invisível" de Adam Smith em ação: indivíduos buscando seus próprios interesses, mas gerando benefícios coletivos por meio da liberdade econômica. O governo, por sua vez, tem o potencial de, a qualquer momento, atrapalhar este processo de forma direta ou indireta ao impor barreiras ou limitações para qualquer um dos itens necessários para a formação do lápis.
“As tarifas protegem os consumidores de preços baixos” (Milton Friedman).
Durante a pandemia de Covid-19, a partir de 2020, muitos produtos sofreram com barreiras para seu comércio. Porém os alimentos, especialmente as sementes, receberam uma atenção especial para que não deixassem de chegar a seus destinos, principalmente para os agricultores e populações mais carentes.
No entanto, os alimentos envolvem diversos produtos e tecnologias para a sua produção e comércio, os quais podem ser impactados indiretamente se limitados de alguma forma.
ASTA Ainda no início do mês de abril, o presidente e CEO da Associação Americana de Comércio de Sementes (ASTA), Andrew LaVigne, emitiu a seguinte declaração sobre as notícias de tarifas adicionais impostas entre os Estados Unidos e seus parceiros comerciais:
“Os anúncios de tarifas são altamente preocupantes para o setor de sementes dos EUA. O comércio internacional desempenha um papel importante na entrega de sementes inovadoras aos agricultores dos EUA. Espera-se que a escalada contínua de tarifas com nossos parceiros comerciais aumente significativamente os custos associados à produção de sementes — custos que os agricultores e consumidores dos EUA infelizmente arcarão. Como muitos de nossos parceiros no setor agrícola, nosso setor de sementes depende de um cenário econômico estável e previsível”.
“A capacidade de movimentar sementes internacionalmente é um componente fundamental dos canais de pesquisa e desenvolvimento (P&D) de anos de duração, permitindo que os agricultores dos EUA tenham acesso às melhores sementes e inovações agrícolas do mundo. Os melhoristas vegetais dependem do comércio para agilizar a melhoria das colheitas, testar novas variedades em ambientes específicos e conduzir funções críticas para aumentar os volumes de sementes de forma limpa e eficiente — tudo isso antes que essas sementes possam ser vendidas aos agricultores. Muitos aspectos dessa pesquisa, desenvolvimento e produção de sementes não podem ser realocados.”
“Continuamos a encorajar a Administração Trump a chegar rapidamente a uma resolução com nossos parceiros comerciais que beneficie tanto nossa segurança nacional quanto nossa segurança alimentar. As notícias de tarifas adicionais, bem como as ações retaliatórias esperadas, introduzem uma incerteza significativa que impactará negativamente aqueles que ajudam a cultivar alimentos, rações, fibras e combustível para milhões de famílias americanas”, continuou LaVigne.
ISF Foi precisamente com este propósito que 30 sementeiros se reuniram na cidade de Cambridge (Reino Unido) em 1924, pois buscavam estabelecer um caminho seguro para o comércio internacional de sementes, com regras claras que favorecessem tanto os interesses dos importadores como dos exportadores.
Sendo assim concebida a “Fédération internationale du commerce des semences” (FIS - Federação internacional de comércio de sementes, em livre tradução), o movimento de sementes começou a aumentar num mundo cada vez mais globalizado. Esta foi a precursora da Federação Internacional de Sementes (International Seed Federation - ISF), que alcançou a sua forma atual após a fusão com a Associação Internacional dos Obtentores Vegetais (ASSINSEL) em 2002.
ISTA Os mesmos esforços podem ser identificados por parte da Associação Internacional de Análise de Sementes (International Seed Testing Association - ISTA) em relação à padronização da qualidade das sementes, algo que desempenha um papel fundamental no comércio internacional, garantindo qualidade, confiabilidade e harmonização entre os países.
A ascensão da importância da ISTA também começou no início do século 20, quando se percebeu a necessidade de métodos consistentes para avaliar a qualidade das sementes, como germinação, pureza e sanidade. Antes disso, a falta de uniformidade nos testes dificultava o comércio, pois compradores e vendedores não tinham garantia sobre a qualidade do produto.
A ISTA ajudou a estabelecer regras e procedimentos técnicos amplamente aceitos, que são usados por laboratórios credenciados em mais de 80 países. Isso assegura que os resultados dos testes sejam comparáveis e confiáveis, independentemente de onde sejam realizados. Para o comércio internacional, essa padronização é crucial por vários motivos: • Garantia de Qualidade: Os testes padronizados verificam características essenciais das sementes, como viabilidade, vigor e ausência de pragas ou doenças. Isso dá aos importadores a confiança de que estão adquirindo sementes que atendam as expectativas de desempenho da semente. • Redução de Barreiras Comerciais: Com métodos uniformes, os certificados emitidos por laboratórios credenciados pela ISTA são reconhecidos globalmente, facilitando a aceitação das sementes em mercados estrangeiros e reduzindo disputas comerciais. • Conformidade com Regulamentações: Muitos países exigem certificados de qualidade baseados em padrões internacionais para permitir a entrada de sementes. A ISTA ajuda a atender essas exigências fitossanitárias e legais, agilizando o processo de exportação e importação. • Competitividade no Mercado: Produtores que seguem os padrões da ISTA podem demonstrar a superioridade de suas sementes, ganhando vantagem em um mercado global altamente competitivo. • Sustentabilidade e Segurança Alimentar: Sementes de qualidade certificada contribuem para melhores colheitas, o que é essencial para a produção agrícola sustentável e a segurança alimentar mundial.
A humanidade depende destes esforços, pois mais de 80% dos nossos alimentos vêm de vegetais multiplicados por sementes e, ainda mais, nenhum país conseguiria produzir as todas sementes que necessita por conta própria. Assim, percebemos que o livre movimento de sementes é essencial para a segurança alimentar.