Moedas, tempo e confiança

Edição XXI | 06 - Nov . 2017

    Uma das principais  leis  econômicas, e uma das mais antigas, capaz de reger os preços num determinado mercado, e os negócios por consequência, é a da oferta e demanda. Nesse aspecto, as moedas assumiram desde sempre um papel preponderante. Do ponto de vista comercial, a humanidade já teve várias. Tudo começou com o escambo, depois surgiram os modelos de referência, uma espécie de moeda, como o sal e depois as conchas e o ouro. Na sequência, o dinheiro como o conhecemos hoje. 

    No agronegócio em particular, ainda hoje, muitos produtos têm importância tal que servem de moeda em determinados locais, sendo utilizados como base para indexar negócios de compra e venda ou empréstimos, literalmente substituindo a moeda corrente em determinadas operações.

    O dinheiro, com cada país tendo a sua moeda, tomou, por sua vez, a forma de papel, cartões de crédito, cheques e outras variantes. Recentemente, vieram as criptomoedas ou moedas virtuais e digitais, tais como “Bitcoin” e “Ethereum”, dando sinais contundentes da desmaterialização em curso de parte da economia e os novos valores envolvidos, não apenas monetários.

    Toda essa evolução serve para regular as transações comerciais, agilizar as operações e equivaler os pesos dos produtos e serviços entre as organizações, tanto públicas como privadas, ou os indivíduos, dentre outras finalidades econômicas. Apenas uma breve maneira de entender a evolução e a aplicação do uso das moedas.

Tempo e Confiança - As novas moedas comportamentais

    Mas do ponto de vista social, no contexto comportamental, há outras moedas quase tão relevantes como essas. Uma delas é o tempo, que tem assumido papel cada vez mais importante sobre o comportamento dos indivíduos e a sociedade, motivado pela aceleração crescente em que a sociedade moderna vive. E, por consequência, tem influenciado na dinâmica das operações econômicas.

    A ideia de moedas, ou valores comportamentais que se tornam moedas de troca, capazes de influenciar os negócios, também aparece na tela dos cinemas. No filme de ficção científica “O Preço do Amanhã”, de 2011, o envelhecimento passou a ser controlado para evitar a superpopulação, tornando o tempo a principal moeda de troca para sobreviver e também obter luxos. Nele, os ricos vivem mais que os pobres, que precisam negociar sua existência, normalmente limitada aos 25 anos de vida.

    Não é por acaso que o Prêmio Nobel de Economia deste ano foi justamente para o tema Economia Comportamental, sob a justificativa de que as contribuições do economista americano Richard Thaler (o ganhador do prêmio) construíram uma ponte entre as análises econômica e psicológica das decisões individuais.    

Aliás, não foi a primeira vez, já que foi através da chamada Teoria da Perspectiva, dos psicólogos Daniel Kahneman e Amos Tversky, que a importância comportamental no processo de decisão financeira e econômica tomou forma, sendo também reconhecidos com o Prêmio Nobel de Economia, em 2002.

    Mas, junto com o tempo, principalmente em função do advento das redes sociais, outra moeda (se é que podemos chamá-la assim) tem assumido relevância cada vez mais contundente na sociedade moderna, onipresente e translúcida: trata-se da transparência, e com ela, a confiança.
    É interessante notar que conceitos antes abstratos, como alguns atributos de qualidade e a confiança, por exemplo, têm sido quantificados de diversas maneiras (o ranqueamento e a atribuição de notas pelos usuários e destes pelos vendedores são apenas alguns deles). Desse modo, tornam-se passíveis de comparação, valoração e, por consequência, servem de parâmetro para a construção de operações comerciais.

Sem check out ou check in
    Os sistemas, principalmente os aplicativos (a febre da década), têm sido um retumbante sucesso justamente porque tornam as relações, notadamente as comerciais, mais abertas, simples e transparentes, cujas opiniões dos usuários/clientes e fornecedores de serviços, reciprocamente, tornam-se públicas, regulando a qualidade e eventualmente a própria oferta e demanda.
    A título de exemplo, já há algum tempo, tornei-me usuário de um aplicativo de hospedagem. Um serviço online comunitário para as pessoas anunciarem, descobrirem e reservarem acomodações e meios de hospedagem, como se auto anunciam. Dentre as minhas necessidades e expectativas, tem funcionado muito bem, e em alguns casos, inclusive, me surpreendido.
    Recentemente, tive oportunidade de utilizar o serviço em duas cidades da América do Norte, cuja reserva e pagamento, obviamente, fiz sem sair de casa e sem gastar nada, apenas utilizando a internet, confrontando as opções de qualidade, preço e localização, auxiliado sobremaneira pelos depoimentos de quem já ficou lá.
    Mas o primeiro aspecto interessante nesse modelo é a ausência do contato físico, ou até mesmo direto, embora seja possível conversar virtualmente entre as partes. Na primeira “moradia”, por exemplo, ainda tive um pequeno contato com a locadora no momento da chegada. Apenas o suficiente para me entregar as chaves. Na saída, não vi ninguém. Também não houve check out para saber se eu mantive tudo como havia encontrado.
    Na segunda locação, já noutra cidade, apenas recebi, pelo aplicativo, as senhas de ingresso no prédio e no apartamento. Mais nada. Quando abordei a atendente na portaria do prédio sobre o possível contato com a locadora, nem deram muita atenção, indicando apenas os respectivos acessos.
    Entrei no horário combinado e encontrei a lareira já ligada, depois de vir da rua num dia de chuva, e o frio já começava a apertar nessa época do ano. Não vi a locadora ou algum preposto seu na entrada, tampouco na saída. A transparência e a confiança foram novamente as moedas que regeram a relação comercial.

Você autônomo
    Não são apenas as máquinas que estão na iminência de se tornarem autônomas. As nossas próprias atividades também apresentam perspectivas evidentes de que dependerão cada vez menos das atividades rotineiras das demais pessoas. 
    Esses modelos que dispensam a participação do ser humano nas atividades foram sendo instalados gradativamente no início dos anos 1980 e, de modo mais acelerado, na segunda metade dessa década. Os leitores mais maduros devem se lembrar de que as plantadeiras de soja, milho e trigo necessitavam de um monitor em cada uma para ‘acompanhar’ o desenrolar do plantio, saltitando o dia todo em cima do equipamento, desaparecendo depois com o advento dos monitores eletrônicos. 
    Ou os cobradores de ônibus, que foram sendo substituídos por sistemas de leitura de fichas e depois de cartões, vigias pelos sistemas de monitoramentos de presença e de energia, dentre milhares de outros, para ficar apenas em alguns exemplos. A verdade é que num horizonte de meros 30 anos, muitas ocupações desapareceram e, se não tivéssemos registros, até duvidaríamos de que algum dia existiram.
    Recentemente, esse processo se acelerou ainda mais e a presença das duas moedas citadas tornaram-se ainda mais evidentes, de uso crescente. Em vários países, nos supermercados por exemplo, já existem caixas registradoras sem operadores para registrar suas compras. Você mesmo faz esse papel, emprestando agilidade, confiança e transparência na transação. E não tem ninguém na porta querendo checar se você pagou certo, pesou errado ou deixou algo sem pagar.
    Finalizamos mais um ano. Agradeço àqueles que nos acompanharam dedicando um pouco do seu tempo precioso aos temas aventados nesse espaço. Dentre outros combustíveis, o que nos move são as boas relações, as perspectivas e a tenacidade de seguir em frente. Que 2018 nos encontre inspirados e com as esperanças renovadas.



Até a próxima.
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