A Proteção de Cultivares e a Pirataria

Edição VII | 01 - Jan . 2003
João Henrique Hummel Vieira-joaohenrique@braspov.com.br
    O que seria dos negócios sem normas, leis, fiscalização, padrões, penalidades e concorrência? (Autor anônimo)                    

    A agricultura é, sem dúvida alguma, o maior aliado brasileiro no equilíbrio da Balança Comercial. Para garantir uma economia saudável é importante que as exportações superem as importações, que o país produza mais do que gasta, e é aí que a agricultura desempenha seu importante papel. O Brasil, como todos costumam afirmar, é um País primordialmente agrícola, com vasta extensão de terras férteis e climas muito variados, no qual é possível produzir uma variedade impressionante de espécies obtendo uma produtividade espantosa.               
    No entanto, tal produtividade não é alcançada naturalmente, a adaptação das variedades aos diversos climas e solos, e a resistência a pragas e doenças, exigem constante esforço dos pesquisadores nacionais. A cada safra são necessários o esforço e a dedicação desses profissionais para desenvolvimento de novas variedades que viabilizem uma produção maior com o mínimo de riscos. Quando se fala sobre os danos da pirataria na agricultura é imprescindível a compreensão sobre a importância da pesquisa para o aumento ou, até mesmo, manutenção dos índices brasileiros de produtividade.               
   O melhoramento vegetal depende de recursos para o seu financiamento. Esses recursos somente podem ser reunidos de duas maneiras: recursos públicos; ou por meio dos royalties pagos na comercialização da semente. São transparentes as dificuldades financeiras pelas quais os governos federal e estadual vêm passando. Só se fala em corte de gastos, redução de verbas, reestruturação de orçamentos. Com isso quem perde é a pesquisa, muitas vezes considerada supérflua. São grandes as dificuldades na obtenção  de recursos governamentais, ainda neste ano de 2002 foi necessária uma comoção do setor agrícola em prol da Embrapa – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, que não recebeu a verba a ela destinada e estava em grandes apuros financeiros, que comprometiam toda a operacionalização do eficiente sistema de pesquisa desenvolvido por aquela empresa pública. Em contraposição a essas dificuldades, foi aprovada em 1997 uma legislação brasileira sobre a propriedade intelectual na agricultura – conhecida como Lei de Proteção de Cultivares – que estabeleceu o direito do melhorista sobre a cultivar por ele desenvolvida. Com ela houve um grande salto dos investimentos privados na pesquisa agrícola.               
    Pela lei brasileira, a cultivar protegida somente pode produzida, beneficiada, armazenada, comercializada com a devida autorização do obtentor, e o mesmo pode cobrar uma retribuição pecuniária sobre a utilização da sua variedade. Assim, grandes empresas iniciaram programas de pesquisa no Brasil, algumas multinacionais sentiram ser esta a oportunidade para investir em nosso País. É certo que a pesquisa demanda grandes investimentos, mas a partir da Lei de Proteção estaria garantido o retorno desses investimentos.               
   Houve, então, um crescimento de mais de 100% na quantidade de programas de melhoramento genético de plantas autógamas (algodão, arroz, soja, trigo, feijão). E, entre investimentos públicos e privados, os privados chegaram a triplicar após o advento da LPC, e os públicos ou permaneceram ou caíram. Após cinco anos de vigência da LPC podemos nos espantar com aumentos de 200% nos lançamentos de cultivares de plantas autógamas, podendo chegar a afirmar que os resultados desejados com essa legislação estavam sendo alcançados. Contudo, este sucesso inicial está sendo francamente minado. Persiste a falta de consciência no próprio setor agrícola. Nem todos têm essa consciência sobre a responsabilidade de cada cidadão ante o fortalecimento da competitividade da agricultura; o barateamento dos alimentos e a necessidade de novos e constantes avanços tecnológicos.

    
    Programas Públicos e Privados de Fitomelhoramento
 
    Essa responsabilidade consiste unicamente no compromisso de manter as pesquisas por meio do devido pagamento dos royalties na aquisição de sementes. O fruto da falta de conscientização é o aparecimento de oportunistas, que vendem e compram sementes sem a retribuição legal pela utilização. Pessoas com ambição única sobre o lucro a curto prazo, que esquecem que se não houver investimento hoje, não haverá nova cultivar amanhã. E que ao minar o sistema retributivo haverá certeira perda de competitividade, por não haver aumento de produtividade, e por não existirem profissionais treinados para encontrar soluções no aparecimento de novas pragas ou doenças, ou mesmo para o desenvolvimento de novas práticas agronômicas.               
    Houve uma evidente diminuição do uso de sementes certificadas e fiscalizadas, logo após a implementação da Lei de Proteção de Cultivares, justamente nas culturas nas quais ocorreram os maiores investimentos e o desenvolvimento de novas cultivares. Essa diminuição se traduz em óbvia utilização de sementes ilegais, sejam contrabandeadas, sejam produzidas sob o falso rótulo de “semente de uso próprio”. O conceito da semente de “uso próprio” foi inserido na lei de proteção com vistas a viabilizar ao produtor de sementes que estaria satisfeito com aquela variedade, que não mais necessitasse de adaptações às novas condições de seu terreno, em especial os de pequeno e médio portes, a reserva das sementes produzidas para nova utilização no ano seguinte.               
    Ocorre, porém, que muitos se oportunizam dessa abertura legal para produzir grande quantidade de sementes e comercializa-las ilegalmente. Para a fiscalização torna-se impossível coibir tais ações, vez que essas sementes estão armazenadas sob o rótulo de sementes de uso próprio. No caso da soja, no início da década de noventa os investimentos na qualidade da semente estavam provocando um aumento da taxa de utilização de semente.               
    No entanto, com o passar do tempo, os “oportunistas de plantão” iniciaram a oferta de sementes ilegais a preços menores (pois não há o recolhimento de royalties) e promoveram o nascimento da pirataria de sementes. A partir de então, houve uma redução significativa do uso de sementes fiscalizadas e certificadas, e uma redução lógica dos recursos destinados à manutenção da pesquisa, recolhidos por meio da venda de sementes, deixando preocupados todos os que acreditaram nessa nova legislação e investiram na agricultura brasileira. O que irá ocorrer uma diminuição dos investimentos em pesquisa? Lembremos que a redução nos investimentos gera, também, uma redução na criação de empregos, da produtividade, dos bons resultados da agricultura brasileira.

        
    Lançamentos de cultivares antes e depois da LPC                
 
    A setor agrícola brasileiro não pode deixar a pirataria comprometer o promissor futuro de nossa agricultura. Hoje muitas empresas já estão reavaliando os projetos de investimentos em melhoramento genético no Brasil. Uma vez que essa atividade pare de alcançar uma rentabilidade compatível com a do mercado, não existirá fundamento para a manutenção ou criação de novos investimentos. A outra fonte de investimento é a pública que cada vez mais está com seus recursos compromissados com o pagamento das despesas públicas. Como funcionará a pesquisa nacional?               
    O combate à pirataria é mais uma questão de consciência social, pois é prejudicial a todos e todos devem combatê-la. Seja denunciando, discriminando quem a pratica, estimulando o uso de sementes legais, cada um deve fazer sua parte. Justo no momento em que o Brasil mostra ao mundo que é competitivo e eficiente podemos ver minado o alicerce desse resultado - a pesquisa. O Brasil iniciará um novo governo em janeiro de 2003, um governo que tem como premissa o combate à fome e à pobreza e o crescimento do País. Assim, cabe a cada produtor, agricultor, comerciante, fazer sua parte. Com uma pesquisa em franca evolução e o surgimento de variedades mais produtivas e resistentes todos só têm a ganhar. A ambição por um resultado lucrativo imediato pode conduzir à bancarrota no futuro. É imprescindível que garantamos o nosso futuro, de nossas empresas, de nossa lavoura, de nossa agricultura.
 
 
    Também colaboraram com esta matéria:
    Dra. Ivana Vilela - Abrasem e Dra. Izabela Carvalho - SNPC/MAPA.

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