Benefícios e Obtenção de Sementes de Alta Qualidade

Edição XIV | 05 - Set . 2010
Silmar Teichert Peske-silmar@seednews.inf.br
Antonio Carlos Souza de Albuquerque Barros-acbarros@ufpel.edu.br
Luis Osmar Braga Schuch-lobs@ufpel.edu.br

    Novos tempos estão chegando. Afirmamos isto porque fomos surpreendidos, recentemente, por um palestrante promovendo seus produtos, para aumentar o desempenho das sementes. Falou com tanta ênfase sobre a importância da qualidade da semente para estabelecer os campos de produção, que nos motivou a preparar esta matéria sobre qualidade da semente e produtividade.

    Consideramos que qualidade genética de uma variedade é seu atributo mais importante. Entretanto, logo a seguir está a sua qualidade fisiológica, representada pela germinação e vigor das sementes. A semente necessita germinar e emergir para se tornar uma planta. Dessa maneira, colocar produtos ou processos em uma semente morta ou de baixo vigor, que será afetada por adversidades, é um grande desperdício. Tudo isso também está relacionado à parte física. Neste aspecto, queremos referir-nos à umidade, a qual está diretamente vinculada à época de colheita, secagem, armazenamento, semeadura e na qual estamos sempre lembrando, em todos os momentos que manuseamos as sementes.

    Os avanços em ciência e tecnologia foram grandes nos últimos anos, não se justificando que o agricultor não faça um teste de germinação antes de colocar as sementes no solo. Muitos, inclusive, já estão fazendo o teste de vigor para conhecer a probabilidade das sementes superarem as condições adversas do solo e qual a uniformidade de crescimento das plântulas. Quanto mais uniforme for o crescimento e o desenvolvimento das plântulas, maior a possibilidade de sucesso.

    Em uma lavoura de milho com 60 000 plantas/ha, considerando que em cada 10 plantas duas apresentaram duas espigas, vamos ter em um hectare 72.000 espigas, e, considerando que cada espiga tenha 500 sementes, vamos ter 36 milhões de sementes/ha. Como se sabe que entre 3 a 4 sementes pesam um grama, dividindo 36 milhões de sementes por 3,5 gramas teremos, praticamente, 10 toneladas de sementes por hectare. Esses valores utilizados no exercício são reais. Entretanto, a média nacional, no Brasil, que cultiva 15 milhões de hectares por ano, é inferior a 4t/ha, ou seja: menos da metade estimada no exercício. Muitas podem ser as causas para essa diferença, mas uma delas, com certeza, é que raramente se consegue alcançar a meta do número desejado de plantas por hectare, e quando isso ocorre, provavelmente, ocorra também má distribuição das plantas. As empresas que se dedicam à produção e comercialização de sementes de milho sabem disso e essa é a razão de buscarem colocar no mercado somente lotes de sementes com germinação superior a 90%. Isso minimiza o problema de estande e vigor de sementes, pois com alta germinação, maior que 90%, o vigor também tende a ser alto.

Plantas originadas de sementes de alto e baixo vigor


    Agora, utilizando a cultura da soja como exemplo, em que a população de plantas por hectare pode variar, dependendo da região, de 150 a 400 mil plantas/ha e, considerando 250 mil plantas/ha e cada uma com 80 vagens de duas sementes, teremos 160 sementes/planta ou 40 milhões de sementes/ha. Considerando que 6 sementes pesem uma grama, a produção por hectare de nosso exemplo é de mais de 6,6t/ha. Essa produtividade ainda está por ser alcançada, pois a média nacional é inferior a 3t/ha. Neste exemplo, novamente se constata que, apesar do potencial de produtividade, os valores são bem inferiores aos possíveis. 

    Na soja não há registros de que, em larga escala, a produtividade tenha alcançado mais de 5t/ha. Por outro lado, no caso do milho, há registros de vários produtores em cultivos de larga escala, com médias superiores a 12t/ha (bem superior a 10t/ha estimado no exemplo).

    Numa das aulas práticas com os alunos, entramos numa lavoura de soja de um produtor bastante conhecido e tivemos a liberdade de fazer algumas avaliações. Entre elas foi a de determinar o número de sementes por planta, ao acaso. E qual foi a surpresa? Constatou-se que o número variou de 30 a mais de 300 sementes, com uma distribuição bastante desuniforme. Isso quer dizer que havia plantas apresentado pouco mais de 30 sementes, bem como outras apresentando pouco menos de 300 sementes, ficando a média em 80 sementes/planta. A pergunta que os alunos faziam era: qual a razão de tão grande diferença, pois muitas plantas estão lado a lado, sem falhas, e mesmo assim ocorria grande diferença. Respondeu-se que as razões eram várias, entretanto o vigor das sementes, com certeza, tinha um grande efeito. A resposta foi dada com convicção, pois havíamos orientado algumas teses relacionando vigor de sementes e produtividade. Uma planta originária de semente vigorosa galha mais, entre outros efeitos, e assim, produz  mais sementes. Para ilustração, 12 sementes a mais por planta representam 2 gramas/planta, que em 250.000 plantas, significam 500 kg a mais por hectare. 

    Dados experimentais, relacionados ao vigor de sementes de soja e produtividade, mostram um acréscimo de produtividade que pode chegar a mais de 30%, dependendo da proporção de sementes de alto vigor dentro do lote. 

    A magnitude do acréscimo de rendimento em função do vigor das sementes varia entre as espécies e a proporção de sementes de baixo e alto vigor dentro do lote. Devido à desuniformidade de maturação, os lotes de sementes tendem a apresentar algumas sementes de baixo vigor em seu meio, mesmo que se adotem altas tecnologias de produção,  manuseio e armazenamento. 

    Desta maneira, para sementes de soja, em que todas as plantas são oriundas de sementes de alto vigor, o acréscimo na produção é superior a 35%. Entretanto, como mencionado anteriormente, a tendência é que haja algumas sementes de baixo vigor no lote. Assim, considerando que 50% das plantas sejam oriundas de sementes de baixo vigor, o acréscimo no rendimento será superior 18%.  Enfatiza-se que esses dados são para populações iguais, ou seja, sem falhas, as quais normalmente ocorrem quando há sementes de baixa qualidade fisiológica. Plantas provenientes de sementes de alto vigor apresentam maior índice de área foliar e produção de matéria seca, proporcionando maior produção por hectare.    

    No caso de milho, utilizando lotes de sementes de alto vigor, estudos têm demonstrado que o acréscimo na produtividade pode ser superior a 15%, e isso é uma das razões pelas quais as empresas que se dedicam à produção e comércio de sementes de milho, há muito tempo, utilizam testes de vigor em seus programas de controle interno de qualidade e só colocam no mercado lotes de sementes com percentual de germinação superior a 90%. Atualmente, as sementes de milho estão trazendo várias inovações tecnológicas, como resistência a herbicidas e insetos e de metabolismo para ração animal, não se justificando a venda de sementes de baixa qualidade fisiológica, a qual colocaria em risco os benefícios destas tecnologias. Isto também é válido para outras espécies.


    Em termos de forrageiras como azevém e brachiaria, as mais utilizadas no Brasil, os benefícios do uso de sementes de alta qualidade podem ser facilmente constatados pelo rápido estabelecimento da forrageira, permitindo que o gado comece a pastar algumas semanas antes, propiciando um aumento de peso substancial. Felizmente, esta observação parece já estar sendo levada em consideração pelo pecuarista no momento de comprar sua semente, pois está rejeitando comprar sementes com base no valor cultural e comprando com base na germinação e pureza superior a 99%.

    Em hortaliças, há muito tempo o agricultor sabe que utilizando sementes de alta qualidade fisiológica o seu cultivo vem mais rápido e uniforme, possibilitando ganhos comerciais. Com o uso de bandejas para produção de mudas, a qualidade das sementes realmente se tornou imperativa, pois é constrangedor observar que das 100 células de uma bandeja apenas 80% apresentem plântulas, e algumas delas muito pouco desenvolvidas. Atualmente, as empresas de sementes de hortaliças colocam no mercado para o agricultor lotes de sementes com germinação superior a 95% e muitas vezes com processos para uniformizar a germinação e o desenvolvimento das plântulas. O mercado de sementes de hortaliças se profissionalizou de tal maneira que há no mercado sementes que podem custar um real a unidade. Imagine a frustração de um agricultor ao constatar que sua semente não originou uma planta. 

Comportamento de arroz irrigado em função do vigor das sementes

    

    A resposta ao uso de sementes de alta qualidade em arroz também é manifestada pelo acréscimo no rendimento, que pode alcançar mais de 10%. Esse acréscimo independe da densidade de semeadura, entre 60 e 150kg/ha. Isto significa que não ha diferença na produtividade de lavoura de arroz se utilizando 60 ou 150kg/ha; entretanto, em qualquer uma das densidades, os lotes de sementes de maior qualidade fisiológica produzirão mais. Também em arroz, o uso de sementes de baixa qualidade fisiológica acarreta uma maturação mais tardia e desuniforme, afetando a qualidade do grão colhido.     

    O efeito negativo do uso de sementes de baixa qualidade fisiológica na maturação das sementes, quer no seu atraso ou desuniformidade, traz grandes inconvenientes, além de cultura de grãos, também em hortaliças, em que o descarte de material pode alcançar mais de 30% por não atingir um determinado tamanho. Em milho doce, em que a colheita das espigas deve ser a mais uniforme possível, pode-se imaginar as perdas devido ao uso de sementes de baixa qualidade fisiológica.

  


Determinação da Qualidade

    No Brasil, a qualidade das sementes pode ser facilmente determinada em laboratórios especialmente montados para tal fim. Existem mais de 250 laboratórios credenciados para realização das análises de germinação e pureza, os quais, sob requisição especial, podem também realizar testes de vigor.
    Para a confiabilidade dos resultados, há as regras de análise de sementes, que internacionalmente são publicadas pela ISTA desde 1931, e no Brasil, há as regras nacionais, atualizadas em 2009. Assim, a determinação da qualidade fisiológica das sementes, através da germinação, segue procedimentos há muito tempo dominados. Para vigor, apesar de se dominar a técnica praticamente desde a década de 1970, apenas recentemente esta foi introduzida nos programas internos de controle de qualidade das empresas e está sendo incluída nas regras de análise de sementes. 
    A importância da determinação do vigor é tal que entidades como a ISTA, ABRATES e AOSA possuem manuais publicados recentemente sobre os principais testes, como o de envelhecimento acelerado, de frio, deterioração controlada, tetrazólio e o de condutividade elétrica. Alguns testes são mais indicados para umas espécies do que para outras. 
    Salienta-se que a germinação das sementes é realizada em condições ótimas para a semente desencadear o processo de germinação, enquanto a maioria dos testes de vigor são baseados em atributos para superar adversidades, integridade das membranas, atividade enzimática, entre outros. Entretanto, há uma estreita relação entre os resultados de vigor e germinação, quando as sementes apresentam qualidade fisiológica alta. Em outras palavras, lotes de sementes com germinação superior a 90% tendem a apresentar também alto vigor. 
    Resumindo, há tecnologia disponível, confiável e atualizada para a determinação da qualidade fisiológica (germinação e vigor) das sementes das principais espécies de valor econômico.    

Tecnologias para assegurar a qualidade
    Sabemos da importância do uso de sementes de alta qualidade e da tecnologia disponível para a avaliação da qualidade. Vamos agora abordar alguns avanços tecnológicos utilizados pelos produtores de sementes para produzir e manter a qualidade das sementes.

Colheita
    A ciência avançou e determinou que o processo de maturação das sementes é desuniforme para todas as espécies, fazendo com que algumas sementes devam aguardar no campo para que outras completem o processo de maturação.  Isso acarretou que a colheita deve ser realizada no momento certo, para evitar a deterioração de campo daquelas sementes que amadurecem primeiro. É evidente que esse processo envolve a secagem posterior das sementes, pois a umidade média do lote de sementes normalmente é superior a 13% para um armazenamento seguro. A colheita das sementes, em si, não envolve adaptações maiores nas colhedoras, pois as mesmas podem colher as sementes com uma grande amplitude de umidade, necessitando realizar poucos ajustes.     
    Outro aspecto na colheita relaciona-se aos danos mecânicos, que podem ser altos, caso os devidos ajustes não sejam levados em consideração. O processo de debulha das sementes da planta se dá praticamente através de golpes, que podem danificar as sementes. Todas as sementes possuem três partes essenciais: o embrião para originar uma nova planta, um tecido de reserva para nutrição e o tegumento para proteção. Assim, a danificação mecânica retira uma das partes essenciais das sementes.

Secagem
    Os avanços na secagem foram mais na conscientização do produtor de sementes sobre a necessidade de obter sementes de alta qualidade em quantidade. Entretanto, também houve avanços nos secadores intermitentes de fluxo contínuo, nas quais a que velocidade de secagem alcança mais de 1pp/hora sem afetar as qualidades fisiológica e física das sementes. Para isso, houve necessidade de aperfeiçoamento nos controles do fluxo de sementes no secador, de temperatura e fluxo de ar. 
    Outro fator que melhorou o processo de secagem das sementes foi o sistema de desumidificar o ar de secagem. Neste sistema o ar de secagem possui baixa umidade relativa e absoluta, possibilitando uma maior retirada de água da semente a uma menor temperatura. Este processo utiliza o próprio calor obtido pela desumidificação para aquecer o ar de secagem e com isso seu custo de secagem torna-se, inclusive, menor do que os tradicionais.
    A secagem é essencial para minimizar os efeitos da deterioração de campo das sementes e alcançar as metas de produção, pois, além da qualidade, os produtores de sementes também devem ter quantidade suficiente para atender a demanda dos agricultores.  

Armazenamento 
    Os avanços tecnológicos mais recentes e expressivos em armazenamento podem ser resumidos pela utilização de ar frio em sementes a granel. Há muito que se sabe da importância do frio para manter a qualidade das sementes. Isso é a base para a conservação de sementes e é utilizado em bancos de germoplasma para armazenar as sementes por décadas. A experiência que se tem é com amostras de poucas gramas de sementes. Para uma exploração comercial de sementes, com milhares de toneladas, o processo é mais complexo.
    As primeiras tentativas de esfriar as sementes foram feitas em sacos empilhados, que apresentam problemas de uniformidade e de tempo de esfriamento. Esfriar uma pilha de 500 sacos, sejam de 20 ou 40kg, demora semanas, pois o ar tende a passar entre as pilhas e os sacos, e pouco entre as sementes. Como a semente é má condutora térmica, o esfriamento é lento.
    Felizmente, nos últimos tempos, houve um grande avanço no processo de esfriamento, sendo as sementes esfriadas a granel. Nesse processo, o ar passa entre as sementes, retirando a temperatura em excesso. 
    Após várias tentativas, constatou-se que a melhor maneira de esfriar as sementes é aplicar o ar frio no seu movimento descendente, por ação da gravidade, em silos projetados para essa finalidade. O ar frio é conduzido em sentido contracorrente, com o fluxo do produto. É aplicado em UBS’s após o beneficiamento e no momento do ensaque. Esse sistema deve ser dimensionado de maneira a não retardar a produção da UBS e deve assegurar bom perfil de temperatura da massa de sementes na pilha.


    Esse processo não altera a umidade inicial da semente, não ocasiona choque térmico e não há condensação de vapor de água na superfície das mesmas, pois o ar insuflado é frio e seco, conservando a qualidade das sementes por muito tempo.
    A capacidade dos equipamentos para resfriamento dinâmico está na ordem de 3 a 30 t/h de produto resfriado, para uma diferença térmica de 15°C entre a temperatura de entrada e saída do produto. 

Coating
    Além da qualidade, as sementes devem apresentar alto desempenho, ou seja, serem capazes de superar condições adversas, o que em situações normais não seria possível, e servirem como veículo de tratamentos que melhoram seu desempenho. Para isso, recebem revestimento especial, como:

1. Tratamento com fungicida, o qual, em sementes de soja, no Brasil, alcança mais de 90% da área semeada, de 23 milhões de hectares, evidenciando o seu beneficio;
2. Tratamento com inseticida, que nos últimos anos apresentou um grande acréscimo de adoção, principalmente em sementes de milho, soja e arroz, em termos mundiais;
3. Revestimento com micronutrientes, destacando-se entre eles o cobalto e molibdênio, que ajudam na nodulação da soja, proporcionando aumentos de produtividade próximos a 10%. Esses elementos podem ser aplicados na planta ou revestidos na semente, com o mesmo efeito;
4. Revestimento com fósforo, evidenciando, primeiro, que sementes leguminosas com maior teor de fósforo produziam mais, tanto de massa seca como de grãos. Atualmente já se comprovou que sementes de soja revestidas com fósforo aumentam seu potencial produtivo em mais de 10%;
5. Ativadores diversos: neste item estão as auxinas e outros produtos que melhoram o desempenho das sementes, atuando no sistema radicular ou aéreo, proporcionando, também, maiores rendimentos;
6. Film Coating: esse processo destina-se a ajudar aos outros em termos de melhor aderência na semente, melhor fluxo na semeadora e redução da formação de pó.

    Como pode ser constatado, o alto desempenho das sementes é essencial. Entretanto, para que isso ocorra, a semente deve possuir, primeiro, alta qualidade fisiológica – “semente morta não reage”. Assim, vamos colocar todas essas coisas boas em sementes de alta qualidade fisiológica das variedades melhoradas. Como diz o ditado: “não vamos gastar pólvora em ximango”.

    Apresentamos a importância do uso de sementes de alta qualidade, em termos de aumento de produtividade, precocidade e uniformidade de maturação. Também registramos que há vários testes, há muitos anos de conhecimento público e, também, de notória confiabilidade para avaliar a qualidade das sementes. Há suficientes laboratórios de sementes para a realização desses vários testes. Em termos da obtenção de sementes de alta qualidade, a ciência avançou de tal maneira que, atualmente, utilizando as ferramentas adequadas, é possível obter alta qualidade em elevada quantidade. E, para manter a qualidade, o esfriamento dinâmico das sementes veio para ajudar. Também apresentamos o benefício do uso de revestimentos especiais nas sementes, para proporcionar elevado desempenho. Dessa maneira, incitamos a utilização de sementes de alta qualidade e desempenho, para que se minimizem os riscos e obtenha-se maior retorno do trabalho empreendido. Nosso lema é: se semente é vida, só a qualidade interessa.

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