Antes e Depois

Edição VII | 04 - Jul . 2003
James Delouche-JCDelouche@aol.com
    Há poucas semanas, assisti a uma palestra onde o conferencista comentava que a nostalgia é uma espécie de forma feliz de examinar as mudanças perturbadoras em termos de antes e depois. Contudo, se formos objetivos, a nostalgia pode levar à sabedoria, uma vez que o passado encerra muitas lições, mostrando soluções já empregadas anteriormente, que podem ser aplicadas a situações e desafios presentes.                       
    Desde a conferência, tenho refletido sobre os marcos de antes e depois na minha vida e, por isso, gostaria de dividir algumas das percepções obtidas a partir de reflexões sobre importantes transições de situações de antes e depois no nosso campo de interesse profissional, os cultivos agrícolas.               
    No antes da “invenção” da agricultura, cerca de 10.000 anos atrás, a humanidade consistia de pequenos bandos de caçadores e coletadores nômades. Esse estilo de vida poderia ter continuado indefinidamente sem a invenção do cultivo agrícola. Após a invenção da agricultura, contudo, o suprimento mais abundante e contínuo de alimentos garantiu os recursos para o desenvolvimento de um novo estilo de vida, a chamada civilização. Embora não existam registros escritos de como as pessoas sentiram-se em relação ao antes e depois, não há dúvidas de que muitos dos bandos nômades resistiram à adoção do cultivo agrícola.
    Porém, a agricultura prevaleceu, as populações aumentaram e a civilização progrediu. Então, há cerca de 200 anos, começou a temer-se que o crescimento da população do mundo logo ultrapassaria o fornecimento de alimentos. Porém, um equilíbrio bastante precário entre o suprimento de alimentos e a população foi mantido pelos 100 anos seguintes até que o balanço entre os dois pendeu fortemente para o lado da produção de alimentos, devido a duas cruciais invenções: a ciência genética e o processo de conversão do nitrogênio atmosférico em uma forma utilizável de nitrogênio fertilizante.                
   Antes do início dos anos de 1900, era muito pequeno o entendimento sobre como as características das plantas eram determinadas pelos seus parentais. Depois, a ciência genética começou a ser desenvolvida e aplicada para melhorar plantas e animais domésticos. Por volta de 1900, começou a aumentar o receio de que a produção de alimentos logo seria limitada pelo suprimento insuficiente de nitrogênio. Depois da invenção do processo de Haber-Bosch para converter o nitrogênio atmosférico em uma forma utilizável de amônia para fertilizante, desapareceram os receios. Contudo, existem incontáveis registros de que as transições entre as situações de antes e depois foram marcadas por forte resistência. A maioria das pessoas acreditava que interferir na ordem natural das coisas poderia trazer graves conseqüências. Alguns dos argumentos daquela época estão sendo ainda utilizados na retórica dos discursos sobre as transições do antes para o depois nos temas atuais.  
             
     “No passado prevaleceu a razão e o bom senso da humanidade, e isso tornará a ocorrer nas transições presentes, como sempre ocorreu.”   
                 
    Houve diversas e cruciais transições de antes para depois. Antes dos anos 30, a maioria das variedades cultivadas eram linhas puras; depois começaram a aparecer cultivares híbridas de milho, e de outras espécies, produtivas e eficientes. Antes da década de 60, o espectro da fome rondava algumas áreas populosas do sul da Ásia; depois dos anos 60, as novas produtivas cultivares da revolução verde aumentaram drasticamente o rendimento dos cultivos utilizados para alimentação. Apesar dos impressionantes aumentos de produtividade obtidos por meio do uso de híbridos e de cultivares da revolução verde, houve inicialmente resistência. Contudo, ambos prevaleceram e essas cultivares são atualmente dominantes na agricultura.               
    Da mesma maneira, outra transição do antes para o depois, continua a ocorrer, apesar de intensa oposição. Antes dos anos 60, não existia a propriedade legal de cultivares. Durante e depois da década de 60, a legislação que concedia direitos de propriedade aos criadores de cultivares de plantas começou a ser aprovada nos países desenvolvidos. Os efeitos dessas ações legais sobre a indústria de sementes são tão bem conhecidos que nem é necessário comentá-los. A última transição do antes para o depois que quero apresentar é,  provavelmente, a mais portentosa do último século. Antes de 1954, as leis da herdabilidade e o papel dos genes já estavam bem estabelecidos, mas havia pouca especulação a respeito dos mecanismos da ação genética. O trabalho de Watson e Crick sobre a estrutura do DNA, publicado em 1954 levou a um conhecimento detalhado do código genético e de formas de manipular e controlar os genes. Estamos atualmente envolvidos em controvérsias de diversas ordens, com relação à aceitabilidade dos resultados de depois da transição entre o  melhoramento clássico e a engenharia genética, especificamente quanto ao uso dos produtos geneticamente modificados, criados a partir de manipulações genéticas. Apesar da resistência às mudanças e as múltiplas controvérsias existentes não serem genericamente diferentes daquelas que surgem à cada transição do antes para o depois, elas são muito mais acaloradas do que no passado.               
    Uma das principais razões pelas quais estou tão engajado na análise das questões atuais e históricas da estrutura de uma transição de antes para depois, é o fato de que isso confirma meu ponto de vista de que no passado prevaleceu a razão e o bom julgamento da humanidade e de que isso tornará a ocorrer nas transições presentes. Assim, mais essa transição será, no fim das contas, dirigida pelo bom senso da humanidade em geral, como sempre aconteceu.
 
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