Tecnologia: escolhas e consequências

Edição VII | 05 - Set . 2003
James Delouche-JCDelouche@aol.com
    O poder de escolha é geralmente mostrado como o determinante das decisões sobre a adoção e utilização de novas tecnologias. Mas será que as pessoas têm realmente o poder de escolher? Há cerca de seis anos, eu não tinha ainda adotado a tecnologia do telefone celular, porém minha filha me fez ver que um telefone celular seria muito útil no caso de qualquer tipo de emergência. Aceitei seus argumentos e comprei um aparelho, serviços básicos, apenas para emergências.                
    Esta foi a última escolha real que fiz com relação aos telefones celulares. A família e os amigos começaram a telefonar, nos mais inconvenientes horários e locais. Depois de alguns meses, tive que trocar por um plano de serviços mais completo, bem mais caro, e assim fui passando para planos cada vez mais complexos. Esta pequena história exemplifica o dilema associado à introdução de tecnologia nas nossas vidas. O direito de escolha desaparece assim que tomamos a decisão inicial de “experimentar” uma tecnologia, pois desta forma tornamo-nos usuários dela e logo estamos sofrendo as consequências disso.               
    Um de meus ex-alunos presta serviços de consultoria agrícola e, há alguns anos, ajudou a introduzir a tecnologia das novas cultivares geneticamente modificadas (GM) para seus clientes, que gostaram dos resultados da experiência e passaram a adotar quase 100% de cultivares GM nos anos seguintes. Esses clientes apreciaram a facilidade do manejo da produção com utilização de cultivares GM e começaram a reduzir os serviços de consultoria. Para meu ex-aluno, a principal consequência de indicar a nova tecnologia GM foi a perda de mais da metade de seus clientes. Por outro lado, alguns desses clientes reclamam também estar sofrendo consequências adversas: os mercados de soja estão diminuindo devido ao fato de alguns países importadores não permitirem o plantio e comercialização de soja GM. Porém, quando pergunto a eles se planejam retornar para as cultivares não geneticamente modificadas, dizem que seria muito difícil voltar atrás.                
    O debate atual entre produtores e usuários de cultivares GM, assim como de importadores de grãos para alimentação e de sementes de oleaginosas, envolvendo os EUA x outros países, caracteriza-se por envolver principalmente a liberdade de escolha. Tudo poderia ser acertado de forma harmoniosa se os produtos fossem rotulados, informando o tipo e concentração de elementos GM presentes. Isso parece ser uma solução simples para a controvérsia existente. Porém, isso é executável e realista? A rotulagem para produtos GM exigiria protocolos de preservação de identidade, técnicas e procedimentos muito mais eficientes do que os disponíveis atualmente, além de uma reorganização bastante cara e investimentos na comercialização, armazenamento e transporte para grãos e sementes de oleaginosas. Essa rotulagem silenciaria os críticos e terminaria com os protestos e programas contra produtores e produtos GM? Provavelmente, não. A disputa já ultrapassou o campo da liberdade de escolha e entrou na esfera da política, onde será resolvida no devido tempo, uma vez que não há caminho de volta.   
               
    “Seremos capazes de reunir as mais benéficas consequências da biotecnologia e escapar das consequências mais adversas resultantes de sua adoção?”      
          
   Dentro de alguns anos, as diferenças de pontos de vista observadas nos debates atuais, com relação a alimentos e cultivares com características de resistência a pragas, serão vistos como de pouca importância comparados às controvérsias que surgirão quanto ao uso de cultivares GM para a produção de biofármacos, nutracêuticos (produtos que aumentam o valor nutricional dos alimentos) e uma grande variedade de produtos industriais. Primeiro, os riscos de produtos de tais cultivares entrarem na cadeia de produção de alimentos são pouco compreendidos e poderiam ser mais sérios. Segundo, as tolerâncias para a presença de elementos GM provavelmente serão muito menores, ou até mesmo zero, tornando-se, assim, de difícil execução. Terceiro, a produção de alguns biofármacos e produtos industriais terá, provavelmente, que ser restrita a áreas isoladas.                
   As potenciais consequências da introdução e produção de cultivares GM com características biofarmacêuticas e industriais são literalmente extraordinárias. Do lado positivo, haverá novos e poderosos produtos farmacêuticos, nutracêuticos e industriais, relativamente baratos; novas oportunidades para agricultores, novas indústrias e trabalhos; enquanto, pelo lado negativo, poderão surgir sérias contaminações no suprimento de alimentos com produtos farmacêuticos e industriais que poderiam apresentar graves efeitos colaterais.               
    Seremos capazes de reunir as mais benéficas conseqüências da biotecnologia e escapar das consequências mais adversas resultantes de sua adoção? Eu, pessoalmente, acredito que isso será possível em seu devido tempo. Estão sendo pesquisados e propostos caminhos para resolver este dilema aparentemente inerente à escolha de uma tecnologia.               
   Um deles é o monitoramento das plantações GM através de sensoriamento remoto por satélite, para identificar a disseminação de cultivos GM enquanto eles ainda estão no campo, antes que possam entrar na cadeia de produção de alimentos. Porém, nosso otimismo de que as controvérsias presentes e futuras serão satisfatoriamente resolvidas precisa reconhecer que as partes envolvidas no debate são persistentes e determinadas...
 
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