Agregando Valor à Semente de Soja

Edição VII | 05 - Set . 2003
Francisco Carlos Krzyzanowski-francisco.krzyzanowski@embrapa.br
José de Barros França Neto-jose.franca@embrapa.br
    A semente de alta qualidade influi diretamente no sucesso da lavoura e contribui significativamente para que níveis de alta produtividade sejam alcançados. Sementes de baixa qualidade comprometem a obtenção de estande de plantas adequado, influindo diretamente na produtividade da lavoura.                    
    Em situações com população de plantas abaixo da recomendada para a cultivar, haverá a necessidade do replantio, e tal prática está associada com prejuízos referentes ao aumento do custo de produção e os riscos inerentes a essa prática, como troca de cultivar, perda da melhor época de semeadura, problemas de eficiência de herbicidas ou riscos de sobreposição de produto na área e ocorrência de toxidez, e problemas de adubação – fatores esses que contribuem para uma menor produtividade.
   A produção de sementes de elevada qualidade requer a adoção de um bom programa de controle de qualidade (CQ). A não utilização poderá resultar na produção de sementes com qualidade inferior, principalmente quando as sementes são produzidas em regiões tropicais e subtropicais.               
    A adoção, pelos produtores, de técnicas de controle de qualidade na produção de sementes visa suprir de informações que auxiliem no processo de tomada de decisão, tendo em vista superar limitações impostas pelos diversos fatores que podem afetar a qualidade das sementes. A qualidade das sementes de soja, por exemplo, pode ser influenciada por diversos fatores, que podem ocorrer durante a fase de produção no campo, na operação de colheita na secagem, no beneficiamento, no armazenamento, no transporte e na semeadura. Tais fatores abrangem extremos de temperatura durante a maturação, flutuações das condições de umidade ambiente, incluindo secas, deficiências na nutrição das plantas, ocorrência de insetos, além da adoção de técnicas inadequadas de colheita, secagem e armazenamento.               
   Diversos patógenos podem também afetar a qualidade das sementes de soja. Phomopsis spp., Colletotrichum truncatum, Cercospora kikuchii e Fusarium spp. são alguns dos patógenos mais freqüentemente associados com as sementes de soja. Apesar de serem fatores distintos, a ação e a interação de todos esses fatores fisiológicos, físicos, entomológicos e patológicos contribuem para um resultado comum: a deterioração das sementes, processo natural que envolve a interação de mudanças citológicas, fisiológicas, bioquímicas e físicas das sementes e que resultam na perda do vigor e da viabilidade das mesmas.               
    O controle de qualidade envolve ações do governo através de legislação específica, análise e certificação de sementes. Isto engloba uma série de procedimentos, que permitem que os programas de produção de sementes sejam monitorados e orientados para que métodos adequados sejam seguidos, visando garantir a pureza genética das cultivares. Esse sistema assegura que apenas sementes de origem e qualidade conhecidas sejam comercializadas.                 
    O controle de qualidade abrange todas as fases de produção: campo, colheita, secagem, beneficiamento, armazenamento e comercialização. No controle interno de qualidade, empresas de sementes, através de uma série de atividades sistemáticas durante todas as fases de produção de sementes, podem averiguar a qualidade, para identificar e corrigir possíveis problemas, visando proteger a boa reputação da empresa, bem como a satisfação dos consumidores. O objetivo desse tipo de CQ é produzir e comercializar sementes de altas qualidades física, fisiológica, sanitária e genética. Um bom sistema de CQ fornece informações para corrigir possíveis problemas, auxilia na tomada de decisões, reduz contaminações ambientais, através da redução de uso de agroquímicos no controle de pragas e doenças. O CQ interno também evita problemas com o sistema oficial de controle de qualidade.  

    “Um bom sistema de controle de qualidade se auto financia.” 
              
    Um bom sistema de CQ se auto financia. Ele auxilia o produtor de sementes a detectar e adotar medidas para corrigir problemas de qualidade de sementes. O sistema de CQ provê informações aos produtores de sementes, que contribuirão para evitar as perdas de qualidade, bem como a rejeição de lotes de sementes de boa qualidade mas inadequadamente avaliados através, apenas, do teste de germinação, como por exemplo a ocorrência de Phomopsis por excesso de umidade na maturação em condições de clima tropical e subtropical.               
    O CQ reduz os custos de preparo das sementes, previne falhas de estandes e problemas de baixa emergência de plântulas em campo. Tais problemas podem resultar na reposição de sementes para os agricultores, em virtude da necessidade de replantio, atividade essa que está relacionada com sérias perdas e prejuízos aos sojicultores.               
    O sistema de CQ interno inclui várias fases:               
·         fase exploratória: inicia-se com a seleção de cultivares adaptadas, regiões adequadas para produção de sementes, seleção de bons cooperados e de material inicial para multiplicação de origem conhecida. Para ser um multiplicador de sementes, o agricultor deve ter um bom conhecimento dos aspectos tecnológicos da produção da espécie, ter equipamentos de campo de boa qualidade, tratores, implementos e colhedora com amplos recursos de regulagem de velocidade de trilha e quantidade de área suficiente, requerida para a produção de sementes.

    
    Dano mecânico                
 
·         fase de semeadura: acompanhar, nas áreas selecionadas para a produção de sementes, as operações de pré-semeadura e de semeadura, bem como avaliar a emergência de plântulas no campo. As inspeções são também conduzidas, visando avaliar as condições de isolamento, ocorrência de ervas daninhas e de plantas voluntárias.               
·         fases vegetativa e de colheita: três inspeções de campo adicionais são efetuadas nessas fases: durante o estádio vegetativo da lavoura, para avaliar a incidência de doenças, a ocorrência de insetos (em particular o percevejo), a ocorrência de ervas daninhas e a presença de plantas fora do padrão; no florescimento, para identificar e remover plantas fora do padrão, com relação ao ciclo, a altura e a cor de flor; pré-colheita, visando a avaliação de mistura de cultivar, através de alguns descritores genéticos, como a cor da pubescência e o ciclo da planta. Atenção especial deve ser dada para a ocorrência de percevejos, responsáveis pela ocorrência de haste verde na lavoura de soja e, por conseguinte, de sementes verdes.                   
    Também deve ser feita a detecção das doenças causadas por patógenos Transmitidos por sementes, doenças de final de ciclo, Cercospora kikuchii e Septoria glycines, bem como Fusarium, já que estas últimas podem propiciar a ocorrência de sementes esverdeadas, por causarem a maturação forçada de semente. Os grãos esverdeados são imaturos e de baixa qualidade fisiológica. Essa inspeção possibilita decidir se o campo será colhido para grão ou para semente.               
    Outro aspecto importante é fazer, durante a operação de colheita, o monitoramento da ocorrência de dano mecânico. Lotes com mais de 3% de bandinhas são impróprios para serem utilizados para semente, devido a alta taxa final de dano mecânico imposto à semente. O acompanhamento da taxa de deterioração por umidade da semente ainda no campo, através do teste de tetrazólio (TZ), é um importante indicativo para a tomada de decisão do aproveitamento do campo para semente.                
·         fase de preparo da semente: o CQ é executado durante as etapas de recepção, pré-limpeza, secagem, limpeza, classificação, embalagem e armazenamento;               
·        fase de acabamento: o CQ é executado durante a análise da semente, identificação dos lotes, comercialização, distribuição, e durante o período em que as sementes permanecem com os distribuidores, para venda aos consumidores.     
           
    Certificação de sementes e o controle de qualidade               
    O sistema de certificação assegura padrões de qualidade, quanto às sua origem, purezas física e genética e qualidades fisiológica e sanitária. Isso é feito para atender as demandas dos produtores de sementes.

    
    Padrão de campo para semente                
 
    Através do sistema de certificação, o processo de renovação de classes de sementes é feito sistematicamente. A adoção do sistema no programa de produção de sementes evita a utilização de sementes de classes inferiores, as quais contribuem para o aumento da percentagem de mistura de cultivares, que resulta num produto final de qualidade inferior. A mistura de cultivares pode afetar a cultura da soja em diversos aspectos, tais como:
a) perda na colheita, devido a falta de uniformidade de maturação das plantas no momento da colheita;
b) a qualidade do grão para uso industrial pode ser afetada pela presença de plantas fora de padrão, devido a mistura de grãos verdes, altamente úmidos e ardidos.          
     
    A semente é um utilíssimo instrumento para a difusão de tecnologia. A falta de renovação de classes na sua produção pode retardar o acesso dos agricultores às novas cultivares, distribuídas através do sistema de certificação. Essas novas cultivares poderão contribuir com os novos avanços genéticos, tais como resistência às doenças, melhor qualidade organoléptica do grão e alto potencial de produtividade.  
              
    Controle de qualidade e a seleção de áreas adequadas para a produção de sementes               
    A seleção de áreas para a produção de sementes merece especial atenção, devido à sua possível contribuição para promover a redução da qualidade da sementes, quanto à pureza varietal, à germinação, ao vigor e aos patógenos associados às sementes. A foto da página anterior mostra o padrão de qualidade que um campo de sementes deve apresentar quanto a qualidade de implantação da lavoura, população de plantas, controle de ervas daninhas, conservação de solos, aspectos esses imprescindíveis para atingir padrão de qualidade na matéria prima requerida para semente. Não é recomendado conduzir campo para produção de semente de soja em áreas onde a cultura no ano anterior foi semeada com outra cultivar para produção de sementes ou grãos, devido ao risco de mistura. O uso da mesma área com soja por anos seguidos propicia o aumento de inóculo de doenças e de pragas, detrimento para o rendimento da lavoura e para a qualidade da semente.               
   A rotação de cultura com cereais é prática recomendada para minimizar tais problemas. A população de ervas daninhas também é importante. Elas podem ser hospedeiras de patógenos e insetos prejudiciais à cultura da soja. Algumas ervas daninhas produzem sementes que são de difícil separação da massa de sementes de soja durante o beneficiamento, como por exemplo, a maria pretinha (Solanum americanum Mill), cujos frutos quando colhidos junto com a semente de soja são de difícil separação durante o beneficiamento.                
    Algumas dessas ervas daninhas são agressivas e podem se tornar em problemas. Embora o isolamento de campo não seja um fator limitante na produção de semente de soja, o mínimo de cinco metros de distância é necessário entre campos de diferentes cultivares, visando evitar a mistura mecânica no momento da colheita. Entretanto, o cruzamento natural pode ocorrer se a população de insetos polinizadores for elevada na área de produção.      
          
    Amostragem e testes para a avaliação da qualidade das sementes                   
   Um sistema confiável de CQ permite monitorar a qualidade da semente em todas as fases de produção. Entretanto, amostras representativas devem ser retiradas dos lotes de sementes antes e depois de todas as operações, da pré-colheita até a pré-semeadura .               
   Na pré-colheita: as plantas são coletadas ao acaso no campo, um ou dois dias antes da colheita. As vagens são trilhadas manualmente e as sementes são avaliadas para qualidade fisiológica, através do teste de tetrazólio. Ele fornece uma estimativa dos danos causados por percevejos e pela deterioração por umidade, com ênfase especial no nível de vigor. Campos com sementes com vigor acima de 90% são aceitáveis.

    
    Dano por Percevejo                
 
    Durante a colheita: a amostragem da semente deve ser feita pelo menos três vezes ao dia por colhedora: na metade da manhã, ao meio-dia e na metade da tarde. Cada amostra deve ser avaliada quanto ao nível de dano mecânico, através do teste de hipoclorito de sódio, ou através da determinação de sementes quebradas, pelo método do copo medidor, cujo limite máximo de dano mecânico recomendável para semente é de 3%. Para o teste de hipoclorito, duas repetições de 100 sementes, visualmente não danificadas, devem ser postas para embeber numa solução a 5,25% de hipoclorito de sódio durante 10 minutos.              
Sementes com o tegumento danificado irão embeber. Lotes com menos que 10% de sementes com dano mecânico, nessas condições, poderão ser aceitos para fins de semente. Por outro lado, o equipamento de colheita deve ser ajustado. O grau de umidade da semente também deve ser monitorado antes e durante a colheita, várias vezes ao dia.              
    Durante o recebimento: as sementes devem ser avaliadas para purezas física e genética, grau de umidade, dano mecânico (através do teste do hipoclorito de sódio, ou pelo método do copo medidor), viabilidade e vigor.                
   Durante a secagem: a temperatura e o grau de umidade da semente devem ser monitorados periodicamente, até que o nível desejado de umidade seja alcançado. Uma vez terminada a secagem, o teste de tetrazólio pode ser utilizado para avaliar a qualidade fisiológica.

    
    Copo medidor de bandinhas

    
    Qualidade de sementes verdes de soja     
            
    Durante os processos de beneficiamento e de embalagem: diferentes testes podem ser aplicados às sementes durante tais operações. Os testes de tetrazólio e de hipoclorito de sódio podem ser aplicados durante todas as operações de beneficiamento, para a avaliação da ocorrência de danos mecânicos. O teste de envelhecimento acelerado pode fornecer uma estimativa do potencial de armazenamento dos lotes de sementes. Considerando a amostragem, pelo menos duas amostras de 1,0 kg e uma amostra de 2,0 kg devem ser retiradas. Uma amostra (1,0 kg) é enviada para a agência certificadora (amostra oficial) e a outra amostra é mantida em câmara seca e fria (contra-amostra), utilizada para futuras avaliações, caso algum problema venha a ocorrer com o lote durante a comercialização e semeadura.               
    A terceira amostra, de 2,0 kg, é utilizada para avaliação da qualidade fisiológica, através do teste de emergência em areia ou solo, sanidade da semente e também para pureza varietal, através do teste de parcela para controle de qualidade.               
   Durante o armazenamento: especialmente em regiões quentes e úmidas, o grau de umidade da semente deve ser monitorado freqüentemente. Quando o grau de umidade alcança 13,5% ou mais, providências devem ser tomadas para aerar ou secar a semente. O desenvolvimento de fungos de armazenamento (Aspergillus e Penicillium) pode causar rápida deterioração das sementes. Outros testes, como o de tetrazólio e de emergência em areia, podem ser empregados para avaliar periodicamente a qualidade fisiológica das sementes durante o armazenamento.               
    Parcela de controle de qualidade                
   Este teste é também conhecido como teste de pré-controle para a próxima geração. Amostras de lotes de sementes são semeadas em parcelas e as plantas oriundas dessas sementes são avaliadas criteriosamente durante todo o período de desenvolvimento, até a sua completa maturação. O objetivo da parcela de controle é assegurar que todos  todos os procedimentos do sistema de produção estão operando satisfatoriamente.

    
    Invasoras afetam a produção               
 
    Esse processo viabiliza avaliar a pureza varietal individual do lote de sementes. No que concerne ao pré controle da próxima geração, ele supre informações importantes em adição às obtidas durante as inspeções de campo. Isso é o componente central do processo de certificação.
 

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