Copenhague, Emprego e Agronegócio

Edição XIV | 01 - Jan . 2010

    A Dinamarca tem sido um país em observação permanente desde que Copenhague, sua capital, foi definida para a 15ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas. Há muita expectativa em torno dos desdobramentos do COP-15, como é chamado o encontro realizado em dezembro, e que tem como grande compromisso transformar em ações, propostas que antes eram mantidas no campo das idéias.

    A população mundial não para de crescer e só deverá estabilizar depois de meados deste século. Na esteira dos encaminhamentos oriundos de Copenhague sobre os desafios de tornar a terra habitável por mais tempo, teremos, além da implantação de estratégias com propósitos de reduzir ou estagnar o aquecimento global, um novo modelo de desenvolvimento que deverá emergir deste e de outros debates e acordos paralelos, devendo afetar de forma contundente o padrão de trabalho e o próprio perfil do profissional do agronegócio.

A mudança de paradigma

    A relação entre agricultura e o desenvolvimento da humanidade sempre foi muito estreita. Data da origem da civilização moderna e perdura na atualidade, com a ampliação do processo sistêmico agregado e fortemente integrado dos agentes que compõem o agronegócio moderno nos mais variados setores. Essa forte relação pode justificar e é capaz de permitir esperança consistente de recuperação, mesmo num planeta com sinais claros de superlotação e de fadiga. Falta as representações sócio-políticas fazerem a sua parte.
    O Brasil é um país que historicamente não é afeito a estatísticas, mas de modo geral é aceito e replicado por diferentes organizações do setor, como um número cabalístico, de que o agronegócio é responsável por mais de 35% dos empregos do país, o que representa mais de 12% da população economicamente ativa (PEA).
    O perfil do profissional do agronegócio desse novo tempo, associado às mudanças estruturais do planeta e dos cenários competitivos, numa dicotomia entre competitividade e sustentabilidade, deve sofrer alterações de grande significado, muitas delas já em curso. Até pouco tempo, o agronegócio era visto com relativo desdém pelos profissionais cuja formação se imaginava mais elaborada e pelos grandes centros de desenvolvimento profissional. Mas agora, temas relativos a essa área começam a fazer parte do currículo de muitas instituições de ensino, inclusive em cursos sem relação direta com a especialidade.
    Num passado recente, para a maioria da população brasileira, agronegócio era sinônimo de lavoura e pecuária, cheirava a capim, e o som característico era mugido de vaca ou ronco de trator. Por conseguinte, as formações profissionais se restringiam principalmente a engenheiros agrônomos ou agrícolas, médicos veterinários e zootecnistas. A maioria com formação fortemente produtivista, fruto da primeira revolução verde, desencadeada pela perspicácia de Norman Borlaug.
    Felizmente, essa imagem tem sido lentamente apagada do imaginário popular, e substituída pelo conceito de um setor com amplas e diversificadas oportunidades profissionais, patrocinado já há algum tempo em torno da integração à economia mundial que o agronegócio brasileiro tem consolidado desde meados da década de 80. Essa nova realidade local tem alterado inclusive as formações universitárias e o modo como, tanto profissionais como empresários, têm se preocupado com o modus operandi das atividades do setor.
    Os fundos de pensão, os grandes bancos, as tradings, as agências de análise econômica, os sistemas financeiros mundiais, a pesquisa, o ensino e demais estruturas de suporte e desenvolvimento integraram-se ao processo econômico do agronegócio. E, desse modo, reverteram-se em novas oportunidades de trabalho para os profissionais alinhados com o setor, desde o processo produtivo propriamente dito, até o consumidor final, que em última análise remunera todos os agentes da cadeia. 

O Duplo Desafio
    Chegou a hora de um novo ponto de inflexão no perfil das oportunidades de trabalho, num setor econômico que para o país tem relevância econômica, social e ambiental e tem desempenhado o papel de contribuir decisivamente para a estabilidade econômica. No ambiente planetário, que está sendo discutido em Copenhague, o país, de um lado, possui responsabilidades significativas sobre as emissões dos gases do efeito estufa, e, de outro, assume papel preponderante na oferta de alimentos para uma população mundial que cresce e se alimenta cada vez mais. Desse modo, os profissionais do agronegócio possuem um desafio duplo: produzir mais, poluindo menos.
    São poucas as pesquisas consistentes que tratam de analisar o perfil profissional dos recursos humanos no agronegócio brasileiro. As duas principais pesquisas com abrangência nacional sobre esse tema, ambas da UFSCar/GEPAI, embora tecnicamente reveladoras, não dão mostras dessa nova necessidade, principalmente por levar em consideração dados de antes da metade da década, quando o aquecimento global ainda era um tema discutido subliminarmente. 
    Neste novo cenário que está emergindo rapidamente surgem inúmeras oportunidades para os profissionais relacionados direta ou indiretamente ao agronegócio. Mas, antes de tudo, deve-se entender o agronegócio como um sistema e considerar que a produção agrícola está perdendo importância relativa na divisão da riqueza e por isso o perfil do trabalho também está mudando.
    Nos tópicos destacados como preferenciais na pesquisa de perfil ideal do profissional para as empresas do agronegócio, em ordem decrescente de importância, estão as “qualidades pessoais”, onde se inserem a ética, a flexibilidade, a capacidade de assumir riscos, encarar desafios e solucionar problemas, dentre outros correlatos. Na sequência, a “Comunicação e Expressão” onde a interação, o relacionamento interpessoal, a capacidade de articulação e de se fazer entender, assumem papel preponderante. Em terceiro lugar, vêm os conhecimentos em “Economia e Gestão”, antes dos “Métodos Quantitativos”, das “Tecnologias de Produção” e da própria “Experiência Profissional”, que ficou em sexto lugar.
    Fica evidente o fato de que o perfil do profissional desejado pelas empresas do agronegócio está mais vinculado à capacidade do ser humano e as suas competências pessoais do que às habilidades técnicas que eventualmente possa ter aprendido em sua trajetória acadêmica ou profissional.
    É certo que as duas apostas de perfil possuem forte relação entre elas, mas é cada vez mais premente que os postulantes a posições em empresas do setor tenham grande capacidade de aprendizagem, pro-atividade, com decisiva participação no cotidiano da empresa, onde a iniciativa e a flexibilidade devem ser alguns dos destaques. Em segundo plano, desde que estes profissionais possuam uma base relevante, vêm as questões técnicas que podem ser ensinadas pelas empresas através dos seus departamentos de recursos humanos e de desenvolvimento organizacional.
    De outro modo, neste panorama que se avizinha, acredito firmemente que a demanda por profissionais no agronegócio deverá se ater a três grandes áreas: uma vinculada à engenharia genética, biotecnologia e os sistemas de informação inteligente, outra aos processos estratégicos e de gestão, e uma terceira, focada na execução e implantação, difusão e desenvolvimento operacional, fortemente vinculada aos dois primeiros.
    É perceptível que, de um modo geral, há predominância por profissionais que tenham formação mais generalista, com forte apelo às habilidades pessoais, de comunicação e com visão sistêmica apurada, conferida pelos conhecimentos nas áreas de economia e gestão. A predileção por este perfil é compreensível, dada a amplitude de atuações que um profissional com estas características pode empreender, melhorando o retorno para a empresa e significativamente a sua empregabilidade.

Talento não é tudo
    Devido ao ambiente de mudanças em que se transformou o contemporâneo cenário do agronegócio, ao longo dos últimos anos, equivocadamente tem sido dada ampla atenção e destaque aos profissionais que detinham destacada capacidade criativa e desejo por atividades dinâmicas, em detrimento das mais estáticas e rotineiras.
    É lógico que profissionais talentosos sempre são bem vindos, mas, mesmo nas áreas em que é necessária grande criatividade, ao final das contas, a execução eficaz tem sido um grande gargalo para a maioria delas, assumindo papel destacado para que o resultado seja satisfatório. Basta que observemos um pouco melhor o perfil básico das pessoas com alta capacidade criativa e de talento, que logo perceberemos como um conjunto delas, principalmente sem a adequada gestão, pode gerar mais desequilíbrio e desordem organizacional do que uma boa execução.
    Desse modo, ainda há espaço e as empresas estão carentes de pessoas que tenham grande capacidade de implantação, que além da iniciativa, típico dos talentosos, demonstrem aptidão para se organizar, cumprir prazos e finalizar o que iniciaram, sem que se necessite fiscalizar a todo instante ou mesmo conferir ao final.


Até a próxima.
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