Uma vez
madura, a semente é dispersa da planta-mãe, tornando-se um organismo autônomo,
pois tem em sua estrutura um embrião que, sob condições adequadas do ambiente,
se desenvolverá, originando uma plântula. No entanto, como isto nem sempre
ocorre, questiona-se: por que as sementes de algumas espécies não germinam,
mesmo quando semeadas sob condições adequadas de umidade e temperatura?
A
resposta pode parecer simples: porque já estão em processo avançado de
deterioração, que culmina com a morte do embrião ou, então, estão dormentes. No
primeiro caso, as sementes absorvem água, mas não completam as atividades metabólicas
essenciais para o crescimento do eixo embrionário, ou seja, não originam uma
plântula completa com raiz e parte aérea. Já as sementes dormentes são aquelas
que, embora estejam vivas e sob condições de ambiente que normalmente favorecem
o processo de germinação, não germinam por terem alguma restrição interna, a
qual impede o desenvolvimento do embrião. A germinação só ocorrerá quando tal
restrição for superada, o que na natureza pode levar dias, meses ou anos,
dependendo da espécie.
O
fenômeno da dormência é comum, principalmente em sementes de determinadas
hortaliças e forrageiras, algumas fruteiras e de espécies arbóreas e
ornamentais, que não germinam logo após a colheita devido aos mecanismos
internos, de natureza física ou fisiológica, que bloqueiam a germinação. Esses mecanismos
são genéticos e ocorrem no ciclo de vida da espécie, durante a maturação da
semente, de modo que, logo após a dispersão, a semente ainda não estará apta
para germinar. Essa dormência, que se instala na fase de maturação da semente,
é denominada primária. No entanto, em algumas espécies, o bloqueio à germinação
se estabelece após a dispersão da semente, induzido por certas condições de
estresse ou por um ambiente desfavorável à germinação, caracterizando um outro
tipo de dormência, denominada secundária. Sementes não dormentes de alface
podem entrar em dormência secundária, quando colocadas para germinar sob
temperatura alta.
Assim, a
dormência da semente é um importante estádio do ciclo de vida das plantas,
sendo caracterizada pela ausência temporária da capacidade de germinação,
permitindo que as espécies vegetais sobrevivam às adversidades, principalmente aquelas
que dificultem ou impeçam o crescimento vegetativo da planta. Trata-se, portanto,
de um fenômeno fundamental para a perpetuação e a sobrevivência de muitas
espécies vegetais nos mais variados ecossistemas. Também é graças à dormência
que sementes de muitas espécies não germinam no fruto quando este está ainda
ligado a planta, pois, após a maturidade fisiológica, havendo condições
ambientais favoráveis à germinação - como, por exemplo, aumento da umidade pelo
excesso de chuvas -, sementes sem algum tipo de bloqueio ao crescimento do
embrião poderão germinar ainda ligadas à planta -mãe. Na prática, é comum
observar, nessas condições, a germinação das sementes de feijão e de amendoim
dentro da vagem, das de algodão no capulho e das de trigo nas espigas. Cabe
ressaltar que a maioria das plantas cultivadas atualmente é representada por variedades,
cultivares e híbridos geneticamente melhorados por processos de seleção que eliminaram
a dormência, pois os objetivos da agricultura moderna são a rapidez e a uniformidade
da germinação da semente e da emergência da plântula em campo. Esse é o caso
das sementes de soja, feijão, girassol, milho e outras cuja sobrevivência é
dependente do homem.
Contudo,
existem muitas espécies que têm a sobrevivência garantida pela dormência. O que
varia bastante entre as espécies vegetais é o período de duração da dormência,
que pode ser de apenas alguns dias, de alguns meses ou de vários anos. Mesmo
para uma mesma espécie, esse período pode variar em função do genótipo, do
ambiente onde a semente foi produzida e de outros fatores. Além disso, sementes
oriundas de uma mesma planta têm intensidades distintas de dormência, para que a
germinação ocorra ao longo do tempo, em intervalos regulares, à medida que a
dormência é superada, aumentando a probabilidade dos indivíduos sobreviverem.
Assim, o impedimento à germinação da semente, estabelecido pela dormência, se
constitui em estratégia benéfica, por distribuir a germinação ao longo do tempo
e permitir à espécie "escapar" de condições adversas ao crescimento
da plântula. Trata-se, portanto, de um fenômeno que contribui para que a germinação
da semente só ocorra em uma época ou estação favorável ao estabelecimento da plântula,
garantindo a sobrevivência da espécie.
Contudo,
uma coisa é certa: para qualquer que seja a espécie, com o decorrer do tempo a
dormência torna-se menos intensa, até que seja completamente superada. Assim,
mesmo sendo viável e estando sob condições ambientais favoráveis à germinação
(temperatura, disponibilidade de água e oxigênio), a semente não germinará até
que o mecanismo de impedimento deixe de atuar.
Portanto,
sob o ponto de vista evolutivo, a dormência é uma característica adaptativa que
assegura a sobrevivência das espécies nos diferentes ecossistemas. Como
consequência, é um dos fatores que contribui para a persistência das plantas
daninhas, dificultando o seu controle e a sua erradicação com prejuízos econômicos
para os agricultores. Apesar do controle sistemático dessas plantas, por meio de
capinas e herbicidas, todos os anos milhares emergem durante o cultivo das
lavouras, uma vez que as sementes dessas espécies sobrevivem no solo por vários
anos devido à dormência. Um exemplo que ilustra esta situação é a dificuldade
de erradicação do arroz vermelho nas lavouras de arroz nas mais diferentes
regiões.
As
espécies que evoluíram em regiões tropicais úmidas desenvolveram mecanismos de
impedimento à absorção de água, para evitar que a germinação ocorra logo após a
dispersão da semente, assegurando a
sobrevivência. Já em clima semi-árido, a escassez de chuvas é o fator que
limita a sobrevivência das espécies; sementes típicas destas regiões geralmente
têm substâncias inibidoras da
germinação, solúveis em água, que só serão lixiviadas após chuva intensa, de
modo que a germinação só ocorrerá quando houver disponibilidade de água no solo
suficiente para o estabelecimento da plântula. Em florestas muito densas, a
ausência de luz sob o dossel é o fator que impede a germinação das sementes de
diversas espécies, que só germinam em presença de luz ou que necessitam dessa
para superar a dormência, sendo denominadas fotoblásticas positivas. Só após a
abertura de uma clareira, como ocorre, por exemplo, após uma queimada ou com a queda
de um galho ou mesmo de uma árvore, é que tais sementes germinarão, recompondo a
vegetação daquela área.
São
consideradas sementes fotoblásticas positivas as de gramíneas forrageiras (braquiárias,
capim colonião e outras) e invasoras (tiririca, capim arroz, capim marmelada),
certas bromélias de ecossistemas de restinga, alguns cultivares de alface e espécies
nativas arbóreas pioneiras (Cecropia spp., Cróton sp e Miconia sp.).
A
dormência também pode ser um obstáculo para a agricultura, uma vez que gera desuniformidade
na emergência das plântulas em campo, havendo necessidade, muitas vezes, de se
utilizar tratamento adequado para a superação da dormência antes da semeadura, o
que nem sempre é prático e viável.
Em
sementes recém colhidas de leguminosas utilizadas na adubação verde, como mucuna,
guandu, feijão-de-porco, lab-lab, a dormência pode acarretar dois tipos de
problema:
1) aumento da quantidade de sementes para a semeadura, pois a dormência
pós-colheita é acentuada, de modo que grande proporção de sementes do lote não
germinará;
2) muitas sementes dormentes permanecem viáveis no solo e germinarão
durante o desenvolvimento das futuras culturas instaladas na área,
constituindo, portanto, plantas invasoras.
Conhecer
os mecanismos de dormência e a sua duração para as diferentes espécies tem importância
tanto ecológica como também econômica, pois auxilia na definição sobre a necessidade
ou não de se utilizar tratamentos específicos para atuarem no metabolismo da semente,
liberando, o embrião para o desenvolvimento ou tornando-o apto para germinar.
O
período de duração da dormência é bastante variável entre as espécies. Sementes
de algumas espécies, especialmente hortaliças e gramíneas forrageiras, por
exemplo, têm um período curto de dormência (geralmente, cerca de três a seis
meses), de modo que o intervalo de tempo compreendido entre a colheita das
sementes e a semeadura é suficiente para que, por ocasião do plantio, não
tenham mais dormência. Nesse caso, o agricultor não precisa utilizar, antes da semeadura,
tratamentos para a superação da dormência, pois esta já foi naturalmente superada
com o armazenamento. No entanto, para algumas gramíneas forrageiras tropicais, o
estabelecimento de pastagens é dificultado pela dormência acentuada das
sementes. É o caso da Brachiaria dyctioneura, cv. Llanero, cujas sementes podem
apresentar dormência até um ano depois de colhidas, acarretando problemas durante
o estabelecimento da pastagem.
A
imersão das sementes de gramíneas forrageiras em ácido sulfúrico concentrado
tem sido considerada eficiente para a redução da dormência. Esse tipo de
escarificação tem sido aplicado, em escala comercial, especialmente nos lotes
destinados à exportação, com o objetivo de melhorar a pureza física, uma vez que
o ácido degrada as impurezas presentes no lote, que são posteriormente
eliminadas durante a lavagem das sementes. Por outro lado, em sementes de
determinadas espécies, como as de leguminosas arbóreas, forrageiras, ou
utilizadas como adubo verde, e algumas fruteiras de clima temperado (pêssego, caqui,
maçã, pêra, ameixa), a dormência pode ser mais acentuada, durando um ano ou
mais, havendo necessidade, muitas vezes, de serem utilizados tratamentos
específicos antes da semeadura para a adequação do estande. Estes tratamentos
têm por finalidade uniformizar a germinação da semente e a emergência das plântulas,
evitando falhas no estande final.
Conhecer
as causas ou os mecanismos de dormência auxilia tanto na definição da necessidade
ou não de se utilizar tratamento específico para superá-los, como também na definição
do método mais eficiente para cada espécie.
Arroz
Vermelho Ave-do-Paraíso
Para
facilitar o entendimento, pode-se considerar que, basicamente, são três os mecanismos
de dormência:
1) dormência física, relacionada à impermeabilidade do envoltório da
semente à água;
2) dormência fisiológica, relacionada aos processos fisiológicos que
bloqueiam o crescimento do embrião; e
3) dormência morfológica, relacionada à imaturidade do embrião. Algumas
espécies apresentam o envoltório impermeável à água, devido a presença de
lignina, suberina e outros compostos, sendo necessário rompê-lo ou torná-lo
mais permeável, o que se consegue através de tratamentos de escarificação, utilizando-se
lixa, areia grossa, imersão em água quente ou em produtos químicos abrasivos
(ácidos, como o sulfúrico e clorídrico, ou bases). Este mecanismo, de natureza
física, é típico de algumas famílias,
tendo como destaque as leguminosas, cujas sementes, na maioria das vezes, devem
ser submetidas aos tratamentos específicos antes da semeadura para a superação
da dormência.
Na
dormência fisiológica, o embrião, apesar de fisicamente estruturado, completo,
não germina por razões tais como balanço hormonal inadequado, impermeabilidade
do envoltório a trocas gasosas (oxigênio e, ou gás carbônico) ou presença de
compostos químicos inibidores.
A
superação dessa dormência envolve modificações hormonais no embrião, ou seja, tanto
a redução da concentração dos inibidores como a síntese de fitohormônios
promotores da germinação. Assim, métodos que atuem impedindo a ação dos
primeiros ou que aumentem a concentração dos promotores são os mais
recomendados. A embebição direta das sementes em solução de GA pode ser eficaz para
algumas espécies. Para
sementes de algumas espécies de clima temperado, um período de exposição à
baixa temperatura em substrato úmido é suficiente para promover a alteração
necessária no balanço hormonal. Esse tratamento é conhecido por estratificação
a frio, pois as sementes são colocadas em camadas no substrato umedecido. Por
exemplo, sementes de espécies de clima temperado como as de pêssego, maçã,
pêra, ameixa, caqui, Acer spp. e Pinus spp. devem ser estratificadas em substrato
úmido, a 5°C (geladeira ou câmara fria), por períodos de 30 a 90 dias,
dependendo do genótipo, para que a dormência seja superada. Cada cultivar, dependendo
da sua origem e, principalmente, de suas características genéticas, requer um período
ótimo de estratificação. Sementes de outras espécies, como as de gramíneas forrageiras,
exigem alternâncias bruscas de temperatura ou choque térmico para que a dormência
fisiológica seja vencida; nesse caso, temperaturas diurnas superiores a 30°C e noturnas
inferiores a 20°C são as mais indicadas.
O calor
seco ou as temperaturas relativamente altas (superiores a 35°C) também auxiliam
na superação da dormência de algumas espécies de floresta tropical, de cerrado
e de cereias (arroz, trigo), sendo recomendado tratamento de pré-secagem com
circulação de ar a 35-40°C por 5 a 7 dias. A dormência pode ser causada também
por compostos químicos inibidores presentes em diferentes estruturas da semente
que, quando translocados para o embrião, inibem o seu crescimento. Como a
maioria desses compostos é solúvel em água, é fácil imaginar como essa forma de
dormência é superada na natureza: a água da chuva ou do degelo da neve lixivia
tais compostos. Assim, a lavagem das sementes em água corrente, por determinado
período de tempo, é um método eficiente para a superação da dormência de
sementes que apresentam esse mecanismo, como as de beterraba, rosa, pequi, algumas
espécies de pimentas, espécies da Caatinga.
Os
tecidos que circundam o embrião ou aqueles do próprio embrião podem restringir
a entrada de O2 e a saída de CO2, interferindo na respiração da semente e,
consequentemente bloqueando o crescimento do embrião. Esta impermeabilidade aos
gases é atribuída aos compostos fenólicos, existentes no envoltório da semente,
que retêm o O2, reduzindo a disponibilidade desse gás para o embrião. Esse mecanismo
ocorre em sementes de cereais (arroz, aveia, cevada) e também em gramíneas forrageiras.
Para a sua superação, utiliza-se, em laboratório, antes da condução do teste de
germinação, tratamento de escarificação química (H2SO4) em sementes de
gramíneas forrageiras, para a remoção parcial ou total da "casca"
(pálea e lema), que é a estrutura responsável pela retenção do O2. Esse método,
no entanto, não é indicado para todas as espécies que têm esse mecanismo de
dormência. Por exemplo, em arroz, recomenda-se a imersão das sementes em água
ou em solução de hipoclorito de sódio antes do teste de germinação.
Mucuna
Em
diversas espécies, como erva-mate, araticum, pêssego, maçã e ameixa, ocorre a dormência
morfológica, ou seja, as sementes são dispersas com o embrião morfologicamente imaturo.
Para que a semente germine é necessário um determinado período de tempo,
variável com a espécie, até o completo desenvolvimento do embrião. Esse mecanismo
de dormência é conhecido também como imaturidade do embrião ou embrião rudimentar.
A estratificação das sementes é o método mais indicado para promover o desenvolvimento
do embrião. Para sementes de erva-mate recomenda-se a estratificação em areia
úmida por 150 dias. Em espécies da família Rosaceae, como o pêssego, ameixa,
maçã, além da dormência morfológica está presente também a dormência
fisiológica, ou seja, após o completo desenvolvimento do embrião, este ainda
não germinará devido ao bloqueio fisiológico causado por hormônios inibidores do
crescimento; nesse caso recomenda-se, também, a estratificação a frio (30 a 90
dias), que promoverá o amadurecimento do embrião e modificará o balanço
hormonal do mesmo.
Na
natureza, cada mecanismo de dormência é superado por diferentes agentes. Por
exemplo, os ácidos da matéria orgânica do solo e, ou os do trato digestivo dos
animais dispersores de sementes contribuem para tornar o envoltório da semente
permeável à água; o calor provocado pelo fogo ou pela abertura de uma clareira
na mata pode, também, atuar nesse sentido. O frio, característico de um inverno
rigoroso, pode provocar alterações fisiológicas na semente, desbloqueando o
crescimento do embrião. Compostos inibidores presentes nas sementes são lavados
pela água da chuva ou do degelo.
As
sementes localizadas no solo a uma profundidade inadequada, caso não fossem dotadas
de mecanismos bloqueadores da germinação, ao germinarem, suas reservas seriam
consumidas antes que a plântula alcançasse a superfície do solo. Apenas quando estiverem
em situação onde predomine a radiação vermelha (sob luz solar direta ou localizada
a 2-3cm de profundidade no solo), é que as sementes fotoblásticas positivas germinarão,
pois tal radiação determina alterações no metabolismo do embrião direcionando-o
para o desenvolvimento.
Comentário
Final
A
dormência tem um significado ecológico importante, conferindo às sementes
resistência à ingestão por animais, ao calor, ao frio, ao fogo e aos demais
agentes e interferindo na dinâmica das
populações naturais, uma vez que está relacionada à adaptação das plantas à
heterogeneidade dos diferentes ecossistemas, permitindo a sobrevivência das
espécies vegetais e garantindo que áreas abertas sejam colonizadas rapidamente. A regeneração de comunidades vegetais a
partir de sementes depende, em grande parte, da capacidade da semente
"reconhecer" se o ambiente no qual se encontra é favorável à
sobrevivência da sua descendência. Assim, o processo de sucessão ecológica, que
é a forma como a vegetação e também as florestas se regeneram, só ocorre graças
à capacidade das sementes das diferentes espécies e dos diferentes estádios
sucessionais "aguardarem" a ocasião certa para germinar. Contudo,
trata-se de um fenômeno complexo, com diversas interfaces e interações, havendo
ainda muitos aspectos a serem explorados, estudados e esclarecidos.