Ganhadores, Perdedores e Preocupações

Edição XII | 01 - Jan . 2008
James Delouche-JCDelouche@aol.com
    A maioria dos acontecimentos ou ações tem bons e maus aspectos, mais comumente chamados de boas e más novas. Em termos de indústrias, empresas e pessoas envolvidas na situação ou evento, as boas e más novas se traduzem em ganhadores e perdedores. A agricultura, no século passado, teve sua parcela de ganhadores e perdedores. O  desenvolvimento do milho híbrido beneficiou os abastados plantadores de milho em áreas ecologicamente favorecidas e resultou no desenvolvimento de uma indústria de sementes profissional e tecnologicamente sofisticada. Por outro lado, muitos agricultores carentes de recursos, em áreas menos favorecidas, e as centenas de empresas locais envolvidas no abastecimento de sementes das variedades de milho local eram perdedores, por serem incapazes de tirar vantagem ou adaptarem-se à nova tecnologia do milho. 
    Antes da mecanização, havia agricultores de sucesso com muitas propriedades, muitos capatazes e outros trabalhadores rurais, porém também havia muitos agricultores de sucesso com pequenas propriedades operadas em grande parte com mão-de-obra familiar, o tipo de fazenda na qual cresci. Os ganhadores eram os agricultores de maior escala, com recursos financeiros para mecanização, os fabricantes de equipamentos agrícolas e os consumidores que se beneficiavam dos produtos produzidos com mais eficiência e menor custo. Os perdedores eram os agricultores menores, que não tinham condições de bancar a mecanização e os capatazes e trabalhadores substituídos pelas máquinas. 



O Paradoxo e Paradigma dos Biocombustíveis
    Se um paradoxo é algo que exibe ou possui aspectos contraditórios e um paradigma é um exemplo ou modelo claro, o atual interesse e o foco nos biocombustíveis é um paradigma de um paradoxo. O aumento sem precedentes na área plantada com milho nos Estados Unidos, em 2007, na maioria das vezes à custa da soja e do algodão, para a produção do etanol, foi discutido em meu artigo anterior sobre a mudança do horizonte agrícola. Observei que enquanto a grande expansão da indústria do etanol extraído do grão de milho é comumente considerada uma situação de vencer-vencer, na maioria das publicações sobre campo e commodities, meu ponto de vista é que também existam muitos perdedores. 
    Os agricultores de milho e outros grãos, agronegócios engajados na produção de etanol, incluindo muitos novos e relativamente pequenos destiladores, as empresas de semente de milho e alguns políticos, são os maiores e mais óbvios ganhadores, porém parecem ser ultrapassados em número por uma crescente legião de perdedores reais e potenciais. Grupos e interesses que antes eram considerados como estando entre os ganhadores passaram a estar no campo dos perdedores: pecuaristas, criadores de aves e fabricantes de laticínios, as indústrias de alimentos preparados e embalados, economistas de energia, conservacionistas e outros ambientalistas. 
    Experts em energia e economistas questionam a razão de produzir etanol a partir de grãos de milho como uma alternativa aos combustíveis petrolíferos quando a razão entre saída e entrada de energia é pouco superior a 1:1. Ambientalistas estão começando a ter dúvidas sobre os efeitos gerais do uso maior de etanol nas emissões de gases com efeito estufa e citam algumas evidências de que os níveis de ozônio poderão ser aumentados.  Conservacionistas estão preocupados com os efeitos da conversão de pastagens e outras áreas preservadas, em lavouras de milho e outros grãos, sobre a erosão, provisão e qualidade da água. 
    Os potencialmente maiores de todos os perdedores no boom do etanol proveniente do grão do milho, entretanto, são os consumidores dos produtos agrícolas, confrontados pelos preços mais altos e, no mínimo potencialmente, pelas quantidades menores de alguns alimentos; os contribuintes que atualmente fornecem subsídios para o etanol; e os investidores que “superinvestiram” nas fábricas, que parecem exceder grandemente a capacidade necessária. Os outros biocombustíveis, como um biodiesel à base de algumas oleaginosas, têm tipos essencialmente similares de ganhadores e perdedores. 
    O contra-argumento do lobby do etanol é que o uso do grão de milho é apenas um primeiro e educativo passo no desenvolvimento dos biocombustíveis. Eles afirmam que a eficiência aumentará dramaticamente e que a demanda por grãos de milho diminuirá significativamente com o desenvolvimento de processos para a produção de etanol celulósico, usando essencialmente rejeitos e refugos de madeira e materiais da plantação. Porém, o objetivo de um combustível alternativo verdadeiramente eficiente e ambientalmente neutro ou benéfico será alcançado mais precocemente usando algas verdes, um organismo que não está relacionado com a agricultura. 
    A cana-de-açúcar, há bastante tempo usada no Brasil para produção de etanol, é uma fonte material muito mais eficiente do que o grão de milho. Ela produz duas vezes mais etanol por hectare do que o grão de milho, com uma razão muito favorável de saída/entrada de energia de 8:1 e gera um resíduo - o bagaço - que pode ser usado como fonte de força e energia de aquecimento necessárias à produção. Minha questão é essa: por que não se dá mais atenção ao sorgo sacarino para produção de etanol? Ele produz toneladas consideráveis de biomassa rica em açúcar por unidade de área.  
    O sorgo também é mais tolerante à seca do que o milho e pode ser cultivado em áreas mais secas. Se o gene recém identificado no sorgo, associado à tolerância às altas concentrações de alumínio em alguns solos ácidos, pode ser transferido e expressado em linhas de sorgo produtivas ou outras espécies, vastas áreas de solos essencialmente improdutivos na África, Ásia e América do Sul tornam-se produtivos e podem contribuir tanto para o fornecimento de combustível quanto de alimentos.



Mudanças na Indústria Sementeira
    Durante os últimos 50 anos, avanços extraordinários na ciência genética, associados à biotecnologia, agroquímica, mecanização, sistemas computacionais e de processamento de informações levaram a mudanças rápidas, revolucionárias, dramáticas e às vezes perturbadoras no desenvolvimento de variedades, produção e fornecimento de sementes, a base da agricultura de lavouras. Como na maioria das revoluções geradas pela ciência e tecnologia, a mudança-chave, crucial, foi na arena política e não no laboratório: a alocação dos direitos de propriedade intelectual para variedades novas e inéditas, traços genéticos específicos para incorporação em variedades e algumas metodologias associadas.
    Uma vez que a inobservância de direitos de propriedade intelectual tem sido a maior restrição aos investimentos do setor privado em segmentos mais importantes da indústria sementeira, a aquisição de tais direitos atraiu a atenção e a participação de investidores e, o mais importante, de empresas químicas e farmacêuticas cientificamente sofisticadas e bem gerenciadas. Uma parte substancial da pesquisa e do trabalho de desenvolvimento da indústria sementeira foi alterada do campo para o laboratório de biotecnologia, para identificação, isolamento e transferência dos traços genéticos específicos de um organismo para as variedades elites. 
    Os consideráveis investimentos e habilidades necessários à pesquisa e desenvolvimento biotecnológicos e para navegar pelos canais legais e regulamentares, levaram à consolidação contínua e fundem-se à indústria e o desaparecimento de muitas empresas sementeiras de médio e pequeno porte, e até empresas maiores. Assim, os grandes ganhadores nessas mudanças revolucionárias são as grandes empresas sementeiras e empresas de genética, os agricultores que plantam e obtêm lucro a partir de suas variedades de alta tecnologia e a população em geral, que se beneficia dos preços favoráveis e estáveis dos alimentos e da queda no uso de herbicidas, inseticidas e outros agroquímicos. 
    Os perdedores foram e continuam a ser as indústrias sementeiras menores, pequenos agricultores que não podem ou não conseguirão se adaptar à agricultura de alta tecnologia, algumas empresas que fabricam herbicidas e inseticidas e, é claro, uma variedade de pessoas e grupos filosóficos e psicologicamente opostos à engenharia genética e à alocação de direitos de propriedade às criações “da natureza”. O grupo dos ganhadores está aumentando na medida em que as variedades são desenvolvidas com tolerância aos estresses ambientais e eventos que acentuam a aparência, sabor, prazo de validade e teor nutricional dos produtos alimentícios. 
   Houve e sempre haverá ganhadores e perdedores na esteira das mudanças na agricultura e em outros setores. É importante que o equilíbrio entre ganhadores e perdedores seja determinado e levado em consideração de modo que as ações apropriadas possam ser tomadas visando à maximização dos ganhadores e a minimização dos perdedores. Deve ser óbvio, a partir das discussões levantadas nesse artigo, que em meu ponto de vista a atual indústria sementeira representa uma situação vencer-vencer, enquanto a bolha do etanol extraído do grão de milho é basicamente um empreendimento perder-perder.

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