Ainda dá para salvar o ano?

Edição XX | 02 - Mar . 2016

    Só se for 2017. O ano mal começou e as notícias do front continuam pouco animadoras. Mas será que ainda dá tempo de tentar salvar o que resta do ano? Eu mesmo respondo: difícil. Ocorre que o agronegócio tem certa dificuldade para mudar o destino, e não devemos tomar seus players como incompetentes por isso. Pelo contrário, na prática, sobra pouco espaço de manobra para que se possa fazer alguma coisa a essa altura do campeonato. Vamos ver a situação.


O Agronegócio não para e não aceita desaforo
    Segundo conta a lenda, o ano novo no Brasil só começa para valer depois do carnaval. Por sorte, esse ano o carnaval foi cedo, o que pode ajudar a dar um empurrãozinho e melhorar nossa combalida economia. Qualquer coisa que se faça pode ajudar um pouco. E precisamos.
    Voltando ao assunto, como já disse aqui, para o agronegócio de produção essa divisão do ano não combina muito e dificulta a capacidade de reação. No Agronegócio, o efeito oriundo de alguns influenciadores é imediato (dólar por exemplo), mas a preparação ou as ações de recomposição são sempre de longo prazo. Por isso, há um descasamento irreparável no curto prazo.
    Por essas e outras, no agronegócio, o ano 2015 emendou no 2016, que já termina agora em junho ou julho, e o 2017 inicia muito antes dos prognósticos da segunda metade deste ano darem os primeiros sinais. Ou seja, já estamos em plena preparação e planejamento de 2017 quando 2016 mal começou para os demais setores econômicos. 
    Por isso, nunca há tempo para parar tudo e esperar o carnaval, e começar de novo quando o rei momo já fechou a desordem, ou a folia. O Agronegócio realmente é um setor diferente. Não consegue obedecer ao calendário civil, tem seu calendário próprio, mas precisa do primeiro para organizar a gestão do segundo. É um negócio que, pela sua dinamicidade, requer, antes de todos os demais, grande perspicácia, tenacidade e capacidade de gestão.
    Essas características obrigam os produtores a andarem na frente dos demais, algo que nem sempre ocorre. Muitas vezes pela real falta de capacidade, outras pelo entendimento míope ou ainda na impossibilidade peremptória de realizá-lo. Na prática, se revela um problema adicionalmente sério para quem não tem o hábito de usar as devidas ferramentas gerenciais e não se convence da necessidade de uso de algumas práticas óbvias.
    Isso tudo, somado a toda sorte de interferências do ambiente externo, traz consigo adicional e rotineiro flerte com o risco e a incerteza, algo que muitos produtores, mesmo atuando num setor totalmente sujeito às intempéries do ambiente (climáticas e econômicas), ainda teimam em ignorar.
    Há ainda aqueles, por exemplo, que utilizam os ferramentais necessários, tomam as providências convenientemente, mas diante do crescimento, da expansão e do sucesso, são tomados de miopia sintomática, abandonam suas políticas de austeridade e aventuram-se em empreitadas de elevado risco e potencial retorno. Qualquer semelhança com o governo parece mera coincidência.
    Algumas das últimas recuperações judiciais em curso no agronegócio de soja e algodão podem ser tomadas como exemplos. Recentemente, e cada vez mais, o agronegócio, como setor, não tem aceitado desaforos dessa natureza. Muitos players (grandes e pequenos) têm caído vergonhosamente diante de erros que beiram ao amadorismo.

Os números preocupam e teimam em não mudar
    Esconder o sol com a peneira ou fazer de conta, definitivamente, são as atitudes mais infantis que se pode tomar. Como afirmei, 2016 mal começou, mas já se foi. O que será possível ainda fazer? Quase nada. Mas 2017 está prestes a começar e é sobre ele que devemos nos ater. Uma delas é analisar a real situação, com o que temos até o momento e, como dizem os mineiros, tentar “enxergar atrás do morro”. Nesse sentido, três aspectos inter-relacionados são preocupantes: custos, produtividade e margem.
    Vamos tomar o Mato Grosso, maior produtor de soja do país (28% da produção e 9% da produção do mundo), como medida e não será difícil observar que equacionar as finanças e a contabilidade em 2017 deverá ser uma tarefa complexa por estas bandas. Para o centro-sul, o cenário parece até agora um pouco menos problemático, mas também inspira cuidados de paciente cardíaco, prestes a fazer cirurgia.
    Voltando ao caso, o custo operacional médio da safra 2016/2017, estimado pelo Instituto Mato-grossense de Economia Agrícola - IMEA, com ajustes de aproximação realizados depois dos últimos picos do dólar, por minha conta e risco, é de algo em torno de R$ 3.150,00. No momento em que escrevo, o preço médio aproximado é de R$ 62,00/saca. 
    Antes de tudo, mesmo para os mais otimistas, não há grande expectativa de mudança de preços. Vale ressaltar, porém, que certeza ninguém tem – são apenas conjecturas, mas com um fundo de coerência. Não há nada de excepcional no front capaz de alterar essa lógica por enquanto. Assim, por consequência, não é necessário ser estatístico e nem matemático para saber que serão necessários ao menos 56,5 sc/hectare de colheita, para simplesmente empatar o jogo.
    A produtividade média esperada pelo mesmo instituto (safra 2015/2016) é de 50,4 sc/ha no estado (algo que está se confirmando pelas prévias até agora). Numa análise rasa, significa que, se daqui a um ano, estivermos neste mesmo cenário, vai haver transferência de renda da agricultura para outros setores. Ou seja, teremos um prejuízo operacional de 6 sacas em média, para cada hectare cultivado.
    É claro também que média é o exemplo do sujeito com os pés no gelo e a cabeça no forno. Na média, a temperatura do corpo está boa. Mas garanto que não há grandes invencionices que possam mudar a situação. Há muita variação para ser analisada, mas não há milagre a se esperar. 
    Certamente que há muita prosa para surgir em cima desses números, mas já servem para começarmos a discutir. Apenas para contribuir um pouco com o debate, primeiro que não se espera que os custos baixem de agora até outubro/2016, quando os custos da nova safra devem estar praticamente definidos. E a segunda é sobre a produtividade: a média dos últimos cinco anos no estado é ao redor dos 51 sc/ha.
    Por isso, se em 2015/2016, ainda sobrou alguma coisa, no próximo ano, provavelmente, muitos queimarão a gordura estocada. Logo, é isso que está posto. De agora em diante, voltamos à antiga e intensa discussão: escala, eficiência e eficácia. Sem arroubos.



Até a próxima.
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