Investir em gente é um bom negócio?

Edição XXII | 06 - Nov . 2018

    Se o agronegócio brasileiro pretende se manter consistente, como um player relevante (assumindo papel decisivo no cenário mundial), capaz de remunerar a contento os agentes das cadeias, precisa ter ativos que sejam capazes de se sustentar no longo prazo. 

    Mais do que isso, cada organização deve se ater seriamente no desafio diário de gerenciar bem seus ativos conjuntamente, e provavelmente, antes de tudo ainda, necessita identificar quais sejam aqueles que efetivamente geram diferenciais competitivos mais significativos, emprestando a estes a atenção redobrada.

    Mas como conseguir isso se os cenários mudam rapidamente, os pesos dos ativos no desempenho das atividades também são altamente dinâmicos, o que torna ainda mais difícil identificar aqueles que melhor retornam os investimentos?

    Dito isso, já é possível perceber que a tarefa de priorizar determinados ativos não é algo simples; contudo, se de um lado é patente a necessidade de investir permanentemente em inovações tecnológicas (como analisado no ensaio da edição passada), é de se concordar também que o único ativo capaz de contribuir decisivamente para que elas cumpram seu papel com eficácia é justamente os recursos humanos.

    Assim, presume-se que gente e gestão assumem intrincadamente esse papel decisivo de fazer das inovações tecnológicas e dos demais ativos uma combinação capaz de trazer retornos adequados às expectativas dos investidores no agronegócio. 


    O Status Dominante em Xeque

    Algumas leis da gestão são inexoráveis. Uma delas é a de que se o gestor, empresário, produtor, investidor ou o nome que quisermos emprestar ao player, não gostar de gente, certamente terá desafios adicionais a vencer para se manter competitivo.

    Como dito anteriormente, são as pessoas e as inovações tecnológicas que notadamente tornam as organizações mais robustas e ágeis na tentativa recorrente de se adaptar aos devaneios do mercado e da própria concorrência. Provavelmente nunca antes, gente tenha sido um ativo tão imprescindível na vida empresarial.

    Ocorre que muitos gestores ainda fogem da relação mais direta, próxima e principalmente transparente, com seus liderados. Preferem a chefia, mais autoritária e diretiva, em detrimento da liderança colaborativa. Para muitos empresários, gente (principalmente os mais dinâmicos e questionadores) ainda impõem medo, já que podem, nos seus limitados pontos de vista, colocar em xeque seu status dominante.

    Contudo, na maioria dos casos, não é uma questão de gostar ou não gostar. O desconhecido sempre amedronta. Faz parte da condição humana. Por experiência, confio que a raiz do problema da maioria daqueles que não se sentem à vontade na gestão de pessoas, não está no medo em si, mas principalmente na falta de conhecimento e de habilidades no uso de ferramentas de gestão de pessoas, capazes de lhes emprestar segurança e eficiência na função.


    Eu não gosto de Gente

    Lembro-me de uma ocasião em que fui contratado para fazer uma consultoria de desenvolvimento organizacional numa empresa. A contratação foi desencadeada pelo corporativo do grupo e eu havia recebido apenas as informações gerais e um diagnóstico estruturado do modelo de gestão da unidade onde faria o trabalho. Estava desenvolvendo o mesmo trabalho noutras organizações na mesma região.

    Fui recebido amistosamente pelo gerente da unidade. Um senhor de meia-idade, aparentemente bastante compenetrado e decidido. Contudo, o nosso primeiro contato não foi do jeito que eu esperava. Convidou-me para uma conversa particular na sua sala, anterior à reunião geral que estava agendada com a equipe, onde seriam apresentados os propósitos e discutidos alguns aspectos metodológicos.

    Não percebi nada de anormal na atitude, até porque apenas havia conversado com ele por telefone e trocado algumas questões da agenda do programa por email, e as impressões haviam sido boas. Imaginei justo e oportuno que alinhássemos algumas questões gerais primeiro.

    Porém, ao adentrar na sua sala, de modo bastante direto, sentenciou: fico feliz que tenha vindo, mas já analisei alguns aspectos do seu modo de trabalho com as outras consultorias que está fazendo. Soube que você tem apreço pelo modelo colaborativo de gestão e nas atividades de grupo que envolvem bem as pessoas. Mas preciso te dizer que “eu detesto gente”.

    Bem, foi um susto para mim. Embora com relativa experiência, fiquei por um momento sem ação efetiva. Fiz uma pergunta evasiva para dar tempo de pensar: porque não gosta? Algum problema sério com sua equipe?

    Respondeu que não, mas propunha que eu deveria coordenar as atividades de grupo e da consultoria. Apenas daria apoio. Por consequência, descobri que tinha uma gestão diretiva e não havia hábito de discutir plenamente as questões ou as atividades. A gestão era nitidamente top down.

    Percebi de imediato que, na verdade, ele tinha medo de gente (diferente de não gostar de gente) por não dominar técnicas de gestão colaborativa. Como não havia alternativa adicional, concordei com a condição e fomos diretamente para a primeira reunião. 

    Eu dirigia as atividades, utilizando de metodologias adequadas de coordenação e planejamento organizacional, dividindo as discussões com todos e buscando envolver o gestor sempre que possível. Era receptivo, mas não aceitava ser o gestor das atividades.

    Esse processo durou aproximadamente seis meses. Até que num determinado dia, conversando separadamente, antes de nova atividade coletiva, disparou: olha, quero dizer que essa sua reunião de trabalho eu também sou capaz de fazer. Não precisamos de você para isso.

    Pronto. Estavam criadas as condições para avançar com mais rapidez na consultoria e também estava vencido o medo de enfrentar os desafios da gestão colaborativa. Na época não sabia que havia as metodologias de mentoria e coaching. Utilizei sem saber.

    Foi um passo decisivo para o engajamento da equipe, para que as tecnologias já disponíveis pudessem ser melhor aproveitadas, permitindo inclusive a inserção de inovações, tanto de processo como de produto.


    Alinhar a equação é o Melhor Negócio

    Gente e gestão sempre foram investimentos fundamentais em todos os ambientes, mas no empresarial, já há algum tempo, se tornaram cruciais por algumas razões óbvias. Dentre elas destaco a estreita relação entre tecnologia, gente e resultados.

    Investir em inovação não é tarefa das mais difíceis, já que adquiri-las requer muito mais dispêndios financeiros do que qualquer outra coisa. Contudo, são as pessoas, com suas habilidades e competências emprestadas às empresas, que transformam esses investimentos em eficiência e eficácia.

    É nítido que as organizações que mais investem na sua capacidade de gestão e na qualificação permanente das pessoas reduzem sensivelmente o reserviço, melhoram o engajamento da própria equipe, intensificam a performance tecnológica, aceleram a capacidade de adaptação às mudanças, reduzem o absenteísmo e a rotatividade, dentre outros retornos indeléveis.

    Mas, acima de tudo, essa ação intransigente em favor das pessoas e de sua capacidade de se desenvolver oportuniza que consigam dar mais sentido à utilização dos demais recursos, principalmente os inovativos.

    Vale dizer que a longevidade do conhecimento também é cada vez menor, dada a rapidez com que se torna obsoleto. Nota-se que rapidamente se tornar perecível e esse é justamente o motivo adicional para que, reiterada e incansavelmente, necessitamos investir nas pessoas.

    Conheço diversas organizações que ainda não conseguiram alinhar essa equação entre gente e inovação, ou tecnologia. Vivem em descompasso, o que de imediato já demonstra que talvez, nesse caso, o grande problema resida mesmo em gente e gestão, a começar pelo topo da pirâmide, que pode estar obsoleto ou insensível às mudanças recorrentes.

    Até a próxima.


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